Mais uma quarta feira e mais uma coluna “Formaturas, Batizados & Afins”, como sempre escrita pelo Professor de Biofísica Marcelo Einicker Lamas. O tema de hoje são as pesquisas envolvendo uma futura vacina para o vírus da Aids.

NOVA ESPERANÇA CONTRA A AIDS

Desde os primórdios da civilização humana, grandes ciclos de pandemias vitimaram milhões e milhões de vidas. A peste, a gripe espanhola, varíola e tantas outras doenças que surgiram e se espalharam por diferentes regiões do mundo. No final dos anos 70, mais uma vez, a civilização se vê frente a mais uma destas terríveis ameaças. Uma doença até então desconhecida, mas muito letal que tinha um nome complexo, mas que abreviado se tornaria sinônimo de medo, preconceito e por que não, esperança: a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – SIDA…ou AIDS.

Um breve histórico

Foi no ano de 1977 que começaram a ser notificados os primeiros casos de pessoas acometidas pela AIDS. E a partir daí, o número de casos só aumentou. Os primeiros relatos aconteceram no Haiti, EUA e países da África Central. Primeiramente chamada de “Doença dos 5 H” (em referência aos Homosexuais, Haitianos, Hemofílicos, Heroinômanos – usuários de heroína injetável, e Hookers – prostitutas em inglês), em 1982, foi definida a sigla AIDS para identificar esta nova doença. Foi também em 1982 que os pesquisadores descobriram que havia uma correlação entre o contágio da doença e o contacto com sangue ou fluidos de pacientes com AIDS; e ainda neste ano foi diagnosticado o primeiro paciente com AIDS no Brasil (em São Paulo).

A partir daí o que se vê é o surgimento de um preconceito enorme contra os aidéticos e a criação do termo “grupos de risco”, para tipificar graus de probabilidade de uma pessoa vir a se contaminar por esta nova doença. Assim estes grupos de risco subdividiam homossexuais, usuários de drogas, pacientes que necessitavam transfusão sanguínea ou que haviam se submetido à transfusão, e apontavam estes com maior probabilidade de contágio. Pertencer a mais de um dos grupos de risco potencializava a chance de vir a se tornar aidético.

Neste período inicial da descoberta desta nova doença, muitos grupos de pesquisa passaram a se dedicar a este tema, enquanto surgiam notícias fantasiosas sobre a origem da AIDS. Talvez a mais conhecida é a versão de que a AIDS era uma doença de macacos e que teria sido passada para seres humanos após relações sexuais inter-espécies, ou seja, em algum momento um praticante de zoofilia teria se infectado com o agente causador da AIDS e iniciado a transmissão entre os seres humanos, o que posteriormente foi desmentido e comprovado cientificamente ser falso. Também se falou de algum agente patogênico que teria vindo do espaço, uma vez que até este momento não se sabia o que provocava a AIDS.

Foi então que em 1984, no Institute Pasteur em Paris, o grupo de pesquisadores liderados pelo Dr. Luc Montagner, isolou e identificou um retrovírus que seria o agente causador da AIDS. Neste mesmo tempo, outro grupo de pesquisadores liderados pelo Dr. Robert Gallo, nos EUA, também apresentou descobertas importantes sobre a forma de contágio e até ciclo de replicação do vírus da AIDS, o que sem dúvida alavancou pesquisas em todo o mundo para buscar não apenas o tratamento, mas a prevenção desta terrível doença.

Em síntese, o vírus da AIDS, o HIV, infecta células do sistema imunológico da pessoa e faz com que este sistema que é a nossa frente de batalha contra agentes infecciosos, pare de funcionar corretamente. Com isso, uma simples gripe que em situações normais duraria menos de 48 h até ser debelada pelo organismo sadio, passa a ser um perigo de vida para um paciente com AIDS. Um mero corte num dedo, poderia desencadear um processo infeccioso grave e de novo, levar a infecção generalizada e morte. Infecções respiratórias facilmente controladas em pessoas sadias, tornaram-se talvez a maior causa dos contaminados pelo HIV. Chegou a se dizer que ninguém morria de AIDS e sim em consequência das chamadas infecções oportunistas que se instalavam naquele organismo com o sistema imune debilitado.

Multiplicavam os casos de pessoas infectadas e nas listas de doentes, nomes de pessoas muito famosas, no Brasil e no exterior. Gênios de nossa música como Cazuza e Renato Russo foram vítimas da AIDS, assim como outros nomes de famosos como Henfil (cartunista), Betinho (sociólogo), Sandra Bréa e Lauro Corona (atores), Rudolf Nureiev (bailarino russo), Freddie Mercury (cantor) e etc. Vitímas de um período onde ter o diagnóstico de AIDS, ou ser soropositivo, era praticamente uma sentença de morte pela falta total de tratamento até aquele momento. Outros nomes importantes como do grande astro do Basketball Norte Americano, Magic Jonhson, não veio a morrer de AIDS, e ao contrário, se tornou um embaixador na luta contra o preconceito e contra a desinformação acerca do assunto, ajudando inclusive a conseguir recursos para pesquisas que tinham a cura da AIDS como tema central.

Em 1987, começou-se a utilizar uma droga que havia sido projetada para terapia anti-câncer, mas que em laboratório se mostrava muito promissora contra a AIDS: o AZT. Esta droga deu início a uma revolução de fármacos que começaram a mostrar grande eficiência contra a progressão da doença. Ou seja, embora não significassem uma cura, eles impediam a progressão até o estágio final, a morte. Assim, ano a ano o número de mortes por AIDS foi caindo, e hoje é praticamente zero considerando-se o paciente que é assistido pelas unidades de saúde.

Durante estes mais de 20 anos desde o primeiro relato de AIDS, além da busca por um medicamento eficaz na cura muitos esforços foram feitos para estabelecer uma cultura de prevenção da doença. Campanhas pelo uso da camisinha (sexo seguro), cuidados com compartilhamento de seringas entre usuários de drogas, além de desenvolvimento de kits de diagnóstico para exame de sangue fizeram e fazem parte do repertório de medidas das autoridades para frear a progressão dos casos de AIDS. Estes esforços têm surtido efeito em muitas regiões do mundo; porém em outras, como a África, o número de pessoas infectadas ainda é enorme – chegando a mais de 60% da população de alguns países – o que se pode considerar extremamente grave.

Mais detalhes sobre a história da descoberta da AIDS e de ações contra esta doença podem ser facilmente conseguidos em sites como este que deixo aqui para os mais interessados.

A nova esperança contra a AIDS

Mais de 25 anos depois da identificação do vírus HIV, responsável por quase 30 milhões de mortes no mundo, a busca por uma vacina contra a infecção continua infrutífera, apesar dos grandes esforços da comunidade internacional e dos recursos empregados.

Dentre tantas pesquisas em curso no mundo inteiro, incluindo aqui no Brasil, chamou a atenção da comunidade científica internacional uma publicação da revista Science no início do mês de julho. Cientistas descobriram dois poderosos anticorpos (VRCO1 e VRCO2) capazes de bloquear, em laboratório, mais de 90% dos tipos conhecidos de vírus HIV, abrindo potencialmente o caminho para o desenvolvimento de uma vacina eficaz contra a AIDS. Os anticorpos são moléculas produzidas pelo nosso organismo quando este se encontra “invadido” por algum agente externo. Células do sistema imune identificam este agente externo, através de padrões de sua superfície, normalmente representados por proteínas da superfície destes agentes infecciosos, que podem ser protozoários, fungos, bactérias e no caso da AIDS, vírus.

O grupo de pesquisa identificou no sangue de pacientes diagnosticados com AIDS, grandes quantidades dos anticorpos VRCO1 e 2, e imaginaram que a presença destes anticorpos antes da chegada do HIV seria eficiente em impedir a infecção e conseqüentemente a transmissão da AIDS. Ensaios in vitro com células em cultura e vírus isolado mostraram que o tratamento das culturas de células com os anticorpos preveniu em mais de 90% os índices de infecção, o que realmente transmite muita esperança para que, o desenvolvimento deste racional de obtenção dos anticorpos e de seu mecanismo de ação possa vir a se tornar uma vacina efetiva contra a AIDS em médio prazo.

Este achado é particularmente significativo pois uma das maiores dificuldades em se conseguir um destes componentes da superfície do vírus que sirva de estímulo para o sistema imune no desenvolvimento de uma vacina é que o vírus apresenta uma alta taxa de mutação, que faz com que sua superfície seja praticamente toda modificada; o que impede a ação dos anticorpos previamente produzidos pelo organismo ou mesmo utilizados em testes de vacinas, que já não passam mais a reconhecer o vírus mutado. Assim, com a identificação destes dois antígenos de superfície do vírus que se mantém constantes mesmo após mutação dos vírus aumenta muito a esperança de que se chegue finalmente ao desenvolvimento de uma vacina eficaz.

Apesar de todo avanço na pesquisa contra o HIV e a AIDS, não se deve relaxar com o tema prevenção. Nada de sexo sem camisinha, ainda mais com parceiros casuais, nem deixar de ter cuidado com seringas e agulhas que devem ser descartáveis e mesmo materiais cirúrgicos ou de estética (alicates de unha, por exemplo) que precisam ser esterilizados antes do uso.

Com a AIDS não se brinca!
   
Até a próxima,
Marcelo Einicker Lamas”