Mais um domingo, e mais uma edição da coluna “Bissexta”, assinada pelo advogado Walter Monteiro. O tema de hoje é algo que venho observando desde o “Caso Nardoni”, mas sem o necessário conhecimento técnico: o clima de “linchamento” e pré-julgamento dos acusados no “Caso Bruno”.

Texto indispensável.

BRUNO NA COVA DOS LEÕES

Por milhares de anos a civilização tem se esforçado para dar aos cidadãos algumas garantias mínimas que assegurem que, em sendo a liberdade uma regra, ela só deve ser retirada de um homem através de um devido processo judicial, garantindo um amplo direito de defesa, erguido sobre o pilar do princípio da inocência, do qual emergem alguns conceitos simples, como (a) o direito de ser tratado como inocente até ser declarado culpado por alguma sentença, (b) que em caso de dúvida, a incerteza se inclina em favor do acusado e (c) o direito do acusado de ser defendido dos fatos que a ele se imputam.

Faço essas reflexões nesse tom levemente erudito para contrastar um pouco com o circo em torno do goleiro Bruno. Só em 2009 e apenas no Rio de Janeiro foram julgados quase mil casos de homícidios dolosos. Em geral, a polícia e a promotoria ‘cortam um dobrado’ para conseguirem comprovar a culpa dos acusados. Porque se essa prova não vem demonstrada de um modo irrefutável, já era!

Como todos, eu estou surpreso e revoltado com esse caso da ex-amante do antipático goleiro (aquele que disse que estava “se lixando”para a torcida do Flamengo). Por mim, jogavam o bruto numa cela fétida, aos cuidados dos habitantes mais veteranos da hospedaria banguense, só para ver quanto tempo aquela marra de bandido ia durar. Mas eu digo isso porque analiso o caso sob a ótica do espectador, porque se fosse chamado a ponderar o caso com olhos profissionais, a coisa muda de figura.

Para começar, é ridículo esse clima de linchamento estimulado pela visível aliança das autoridades com as manchetes de ocasião. Como eu disse, a vida de quem busca encarcerar os acusados é duríssima quando no Tribunal do Júri só se tem pela frente um corpo de jurados sonolentos e uma platéia que só não está deserta porque às vezes comparecem parentes (das vítimas e/ou dos réus) ou alguns poucos estudantes de direito em tarefas universitárias. Por isso, nada melhor do que contar com um réu já previamente condenado pelo clamor público, o mesmo que ouvirá a sentença maldizendo a falta de prisão perpétua, de pena de morte, de trabalhos forçados, de mutilações e de que todo castigo é pouco para punir o demônio redivivo.

O Bruno pode merecer tudo e mais um pouco do que a ele se deseja. Mas também não custa lembrar que, ao menos até agora, (i) não temos um corpo, logo, ainda não há a certeza do homicídio [Nota do Editor: este texto foi escrito na quinta feira à noite]; (ii) o Bruno NÃO foi acusado de matar a ex-amante; (iii) nenhum depoimento o acusa claramente de ter mandado matar a moça; (iv) o depoimento do menor, até agora o principal indício, afirma que o Bruno não estava lá no momento da execução; (v) nem a ocultação de cadáver estaria configurada. Se ao invés da Denominação de Origem Controlada de fiel escudeiro do Bruno esse tal Macarrão fosse um “zé ninguém”, de duas, uma: ou algum envolvido rompia a omertá e confessava tudo ou a promotoria iria comer o pão que o diabo amassou para condená-lo. Mas como o patrão é famoso, é mais fácil deixar para lá essas formalidades chatas da rotina forense e brincar de ‘Law & Order’ no Jornal Nacional.

Outra coisa inacreditável é o papel do advogado que o abandonou na hora da prisão, movido por um surto ético tardio. Desde que o Bruno dera uns tabefes na desaparecida para inspirá-la a abortar, ficou claro que os interesses dele já não eram os mesmos do clube. E que se ele fosse condenado por qualquer coisa que o impedisse de atuar dignamente, o clube deveria dar tratos à bola até encontrar um meio de rescindir o vínculo. Quer dizer que só na hora que o calo aperta, a maré vira e o tsunami da raiva coletiva aparece o doutor se lembra que não dava para servir a dois senhores? Problema nenhum, basta renunciar ao cargo de Diretor Jurídico do clube e seguir apoiando o preso. Porque, ao deixar o Bruno sozinho na cova dos leões, o Dr. Assef Filho apenas reforçou a suspeita de culpabilidade do seu cliente e jogou mais gasolina na fogueira da inquisição.

O mais triste é que o advogado de defesa é, por excelência, o sujeito treinado para não se deixar contaminar pelas pressões externas, muito menos para julgar o comportamento de quem defende. O advogado existe para assegurar que cada cidadão que se veja processado possa ter uma defesa efetiva, isto é, dotada da técnica necessária ao correto enquadramento do caso.

Bruno, se é que já não disse isso antes, não merece um pingo da minha solidariedade ou confiança. Merece, aliás, vender seus carros de luxo e seus imóveis exuberantes para devolver o dinheiro que cada ex-fã empenhou comprando camisas com sua assinatura infantilóide digitalizada. Mas não é do Bruno que falo….falo da justiça, da democracia, da liberdade, dessas coisas que devem valer para todos e que às vezes a gente se esquece.”

One Reply to “Bissexta – Alguns aspectos jurídicos do Caso Bruno”

  1. Informado fui que a desistencia do Dr. Assef, se deveu ao valor cobrado tres milhões de reais para defesa, que não foi aceito pelo Bruno. Mesmo que não seja verdadeira esta informação me passada por um criminalista, houve uma falha do causidico ao não pedir HC preventivo do goleiro, conforme o obtido pelo Mizael no caso Mercia.

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