Sexta feira e, como sempre, a nossa coluna “Cinecasulofilia”.
Assinada pelo cineasta, crítico e professor de cinema Marcelo Ikeda, é publicada em parceria com o blog de mesmo nome.
Viajo porque preciso, volto porque te amo

O novo filme de Karim Ainouz e Marcelo Gomes dá continuidade a um certo caminho estético desenhado por ambos os diretores em seus trabalhos anteriores, mesmo que separadamente. Viajo herda um gosto por um percurso geográfico e íntimo de um Nordeste, um ponto de vista que se associa à solidão, uma idéia de viagem como fluxo necessariamente transitório e imperfeito. Acabamos por nos lembrar mais de Karim, porque Cinema, Aspirina e Urubus se passava mais no sertão árido, cuja fotografia tilintava com os tons de Mauro Pinheiro Jr. A estrada onde Viajo começa nos lembra do início (fim) de O Céu de Suely, além das prostitutas que povoam a parte final do filme. Mas é nessa idéia de um percurso por um Nordeste interior e pela problematização da idéia de viagem que os dois diretores se aproximam.

Viajo é um diário de viagem, narrado por um protagonista (Irandir Santos) que nunca vemos, apenas o ouvimos. Protagonista que compõe o hibridismo desse filme, que se equilibra entre a ficção (o geólogo que tenta esquecer as lembranças de sua amada) e o documentário (o olhar pelo interior do Nordeste, a fotografia). É muito interessante constatar que, após dois filmes de grande repercussão inclusive internacional, Marcelo Gomes e Karim Ainouz optaram por um filme conjunto, em somar forças, realizando um projeto simples e singelo, descaradamente menor. Um projeto íntimo, uma viagem interior por um Nordeste. Um filme assumidamente pequeno.

Após um começo francamente poético, em que os diretores dialogam com um certo estado de coisas do cinema contemporâneo (um olhar radical por um espaço físico, os planos longos, a solidão da estrada), o filme lá pela sua metade começa a se escorar em estratégias um pouco mais convencionais de retratar esse lugar (uma família sozinha, as prostitutas, um motel, o baile de forró). O filme tem um curioso tratamento fotográfico, dirigido por Heloísa Passos, que mistura vídeo em alta resolução e imagens não tão tratadas, inclusive com grandes variações de foco. Nessa opção em evitar uma plasticidade meramente ilustrativa, Viajo expõe sua fragilidade no próprio corpo das imagens filmadas.

Apesar de irregular, a integridade de Viajo porque preciso, volto porque te amo precisa ser defendida.

Viajo porque preciso, volto porque te amo.
Viajo porque preciso, não volto porque ainda te amo.”