Outro assunto que estou para comentar há algum tempo é a verdadeira perseguição que vem sofrendo o juiz Fausto de Sanctis, responsável por inquéritos como os decorrentes da Operação Satiagraha (Daniel Dantas), Castelo de Areia (Camargo Correia) e a confusa relação Corinthians/MSI (Boris Berezovski e outros de mesma estirpe).
No momento em que escrevo, o juiz está afastado dos três casos citados, e os processos decorrentes paralisados em decorrência de decisões de tribunais superiores (STJ ou STF).
Além disso, o juiz vem respondendo a sindicâncias (leitores advogados, favor me corrijam, não sei o termo exato) por eventual má conduta na chefia dos inquéritos. Seu crime ? Investigar ricos e poderosos.
As justificativas para tais que vem sendo apresentadas dão a impressão que a idéia é advertir os juízes de primeira instância que ricos e poderosos não devem e não podem ser investigados. São inimputáveis. Bom trabalho é compactuar com as diretrizes dos Tribunais Superiores e seus arranjos e acomodações.
O leitor mais atento deve se lembrar quando das escutas da Operação Satiagraha, que flagram o mafioso Daniel Dantas dizendo: “meu problema é nos tribunais de primeira instância, nos superiores eu resolvo.” Coincidência ou não, é exatamente assim que vem acontecendo: o juiz investiga, o tribunal superior manda parar – e pude o magistrado que cometeu tal ousadia. A primeira instância manda prender, Gilmar Mendes solta.
Não custa lembrar que a passagem de Gilmar Mendes pela presidência do Supremo se notabiliza, entre outros despautérios, pela doutrina que leva o seu nome: “cadeia é para pobre, preto e puta”. Não precisamos nos lembrar dos desmandos ocorridos em Diamantino para comprovar isso.
A Carta Capital das duas últimas semanas trouxe excelentes matérias sobre o assunto. Transcrevo aqui depoimento da Procuradora Regional da República Janice Ascari, dado à revista desta semana (pp.35/36):
“Parece que pegaram o De Sanctis para Cristo. E com isso querem dizer: ‘vamos aplicar uma lição nesse juiz para que os outros não coloquem as manguinhas de fora’. O que estão fazendo com ele é uma coisa vergonhosa. (…) O De Sanctis tem sido injustamente perseguido e difamado exatamente por ser um juiz correto e rigoroso. (…)
(…) São processos pontuais, nos quais estas decisões [judiciais] estranhas são dadas. Sempre o réu é alguém rico e poderoso. Isso é motivo de alerta para todos nós. (…)”
Como venho batendo insistentemente no Ouro de Tolo, este é mais um sintoma de que a reforma mais premente, hoje, é a do Judiciário. Este somente serve para colocar a sua mão pesada e injusta sobre aqueles mais pobres, navegando ao sabor do poder do dinheiro e do “sabe com quem está falando?”. Com um sério agravante: não há eleições de quatro em quatro anos para corrigir os equívocos.
E agora mais esta, o requinte de perseguir quem trabalha direito. Uma vez mais, lamentável. Quem julga os juízes ?

22 Replies to “O juiz De Sanctis e a primazia dos ricos”

  1. Não tem perseguição nenhuma não, meu amigo. Há muito esse juiz perdeu a exigível imparcialidade para judicar. Está certo o STJ e o STF.

  2. Concordo com o José Siqueira. O correto, Pedro, é um julgamento justo. Apenas isso. Juiz que não tem imparcialidade não pode julgar. Com grana ou sem grana, todos devem ter direito a um julgamento justo e imparcial. É assim num Estado Democrático de Direito. Condenar alguém só porque “tem grana” (ou porque não tem grana) ou subtrair-lhe o direito de defesa não é justo nem democrático.

  3. Prezada Marcia, seja bem vinda.

    Eu faço o raciocínio inverso: como explicar que nunca se condene réus/acusados que tenham boa situação financeira e/ou contatos no Judiciário ?

    Evidente, para mim, que tem muita gente assustada porque tentaram mexer com o Daniuel Dantas, que é uma espécie de “arquivo vivo”

  4. Pedro, com certeza você não é da área jurídica e, além disso, está mal informado. O banqueiro Salvatore Cacciola está preso, cumprindo pena. Muitos outros “endinheirados” estão presos e cumprindo pena. Procure se informar melhor.

  5. Márcia, obrigado pela discordância educada.

    Realmente não sou da área jurídica (deixo isso claro no texto), mas sobre Cacciola posso falar bem porque trabalhava em mercado financeiro na época e acompanhei de perto.

    Ele é muito mais vítima que réu, porque quem cometeu crime naequele episódio foi o presidente do Banco Central e a diretora responsável pelo câmbio.

    Digamos que ele tenha sido ingênuo em acreditar em uma informação privilegiada que se revelou incorreta. O crime dele, na verdade, foi esse.

    Já a turma do Bacen…

    Aproveitando, faço uma “provocação”: eu jamais conseguiria dois habeas corpus no STF com a facilidade e a rapidez que o Sr. Daniel Dantas conseguiu. Mas se ainda acham que a nossa Justiça é perfeita e justa…

  6. Interessante sua observação sobre o Cacciola. Mas trabalhar na área financeira não faz de você um “expert” na área jurídica e nem conhecedor das provas existentes no processo (salvo se você, de alguma forma, teve acesso aos autos do processo. Você teve? Tenho certeza que não). No mais, respondo sua “provocação”: você jamais sofreria dois decretos de prisão com a facilidade e rapidez como feito pelo juiz De Sanctis em relação ao Sr. Daniel Dantas. O juiz quis afrontar o STF. Quis dar uma de esperto. Tomou na cabeça. Bem feito. No mais, é óbvio que nossa Justiça não é perfeita. Justiça perfeita é só a Divina. Estou falando de julgamento justo, resultado da análise de provas colhidas e estrita obediência ao devido processo legal e Constituição Federal, circunstâncias que nada tem a ver com condenar alguém só porque ele tem dinheiro… Isso é barbárie.

  7. Cara Márcia, realmente não tive acesso aos autos, mas acompanhei muito de perto os fatos que levaram ao processo. Neste caso em questão ele serviu de “boi de piranha” dos verdadeiros culpados.

    Novamente eu faço o raciocínio inverso: se o Daniel Dantas e eu formos acusados do mesmo crime, ele ficará solto e eu, preso. A Justiça brasileira olha sim para dinheiro, poder e relações pessoais.

    Se não fosse assim, o Presidente do STF não teria feito o uso político de sua posição como fez. Basta recordar o que houve na cidade onde ele tem a propriedade de fazendas – em que tiraram na marra o prefeito que era oposição a ele.

    Continuo com a mesma opinião: nossa Justiça, em especial os tribunais superiores, julga de acordo com a posição e o poder.

    Mas vamos dialogando que o contraditório é interessante.

  8. Como disse, você não conhece a Justiça do seu país. E dá opiniões sem conhecer as provas. Centenas de HCs são concedidos diariamente a pessoas pobres como você e eu (é possivel confirmar isso nos sites do STF e STJ). Mas quando é concedido HC para alguém com dinheiro, logo vem essa prosa toda. Francamente.

  9. Mais uma vez o raciocínio que faço é o inverso: eu tenho 50% de chance de obter um HC, às vezes menos. Se eu tenho grana para pagar bons advogados e tenho relações pessoais com juízes, sobe para praticamente 100%.

    Outro caso emblemático é o do menino Sean, que somente se arrastou o tempo que levou por ser o padrasto do menino ser quem é. Com direito a liminar em tempo recorde do STF…

  10. Nem tanto ao céu nem tanto a Terra, minha cara. O fato de criticar o sistema judiciário do meu país não significa que eu aprove sistemas como Cuba.

    Mas me permitirei outra provocação: o poder do dinheiro é semelhante ao coercitivo – e que fique claro que não estou dizendo que aqui é igual lá, porque não é.

  11. Para quem não tem caráter (ou tem caráter frágil) o poder do dinheiro fala mais alto. E isso não é exclusividade de juízes, mas sim do ser humano, em qualquer profissão ou atividade. Mas pergunto: qual sua solução para o nosso Judiciário? Ou você só critica?

  12. Prezada Márcia,

    Aqui é um outro leitor que gostaria de conversar com a senhora.

    A senhora aprova a justiça de seu país porque se beneficia dela ou é a advogada do sr. Daniel Dantas? Não acho que Cuba ou Venezuela sejam exemplos. Muito pelo contrário. Acho vergonhas. Como acho vergonha o meu país também.

    Não acho que nossa justiça seja sequer justa.
    É uma justiça onde se pode ofender a outra parte em um julgamento, falar em falso, mentir à vontade que a justiça lhe dá a permissão para fazê-lo. Isso é crime e o fato de permitir que isso ocorra diante do tribunal, lhe tira a credibilidade. Neste país só se vai preso por não pagamento de pensão ou por desacato à autoridade. Aliás, nem isso, porque é crime de menor potencial ofensivo.

    O sr. Daniel Dantas é um criminoso que está solto por aí graças à incompetências de polícias e juízes deste país e da forma como nossa justiça age.

    Existem milhares de outros criminosos soltos por conta de provas insuficientes ou até de provas suficientes mas que a justiça considera irrelevantes. É só ver o caso da cabelereira em BH. Este é um erro que me parece gritante da justiça.

    Se tentou prender o sr. Daniel Dantas porque ele solto poderia prejudicar a investigação sob a forma de queima de provas ou influência de pessoas – o que me parece que ele faz. O problema é que a investigação (mal-feita) deu margem ao sr. Dantas a questionar a prisão. A questão é que ainda assim tentou-se. Só que o sr. Dantas não foi sequer ao tribunar superior, foi direto ao STF por possuir dinheiro e influência suficiente para fazê-lo. Se fosse eu, que não tenho dinheiro e influência estaria preso.

    A justiça parece acessível para todos mas não está. Pois não se pune neste país. E começa da polícia: 97% dos homicídios no RJ não são eslcarecidos. E dos outros 3% quantos não conseguem fazer chicanas para ficarem livres?

    Nosso problema é que polícia, ministério público e judiciário trabalham em separado, de acordo com seus próprios critérios e vontade de brilhar. Fora a corrupção desenfreada que faz com tudo vaze rapidamente. Juntos se poderia resolver algo. Uma opinião de leigo, claro. Mas de alguém que já sofreu na pele o que é uma justiça de merda como a do nosso país. Mas se a senhora que me parece advogada ou juíza não quer solucionar, aí fica difícil, pois qualquer palavra a funcionário público que o funcionário entenda como ofensa é considerada como desacato com direito a voz de prisão. É difícil resolver um país onde não se tem direito a exercer a voz da discordância. Cuba e Venezuela são assim. E o Brasil não perdeu isso dos anos de chumbo.

  13. Sr. editor do blog, apenas exerci o meu direito a exercer a voz da discordância. Não pensei que seria atacada e ofendida por isso.

  14. Cara Márcia, não vi nenhuma ofensa no comentário citado. Vi sim um cidadão indgnado com as falhas da Justiça.

    Também acho estas reações puro e simples corporativismo. “Criticou a Justiça, me ofendeu”.

    Sobre sugestões, algum tipo de controle do Judiciário pela sociedade e madatos fixos para os juizes de tribunais superiores já seriam um bom começo.

  15. A Dra Marcia foi ofendida e deverá entrar com ação de danos morais contra o editor do blog, que liberou o comentário ofensivo do sr. Bruno. Sugiro que exclua o comentário dele.

  16. A ameaça de processo é a prova de que tenho razão. Está claro que opinião divergente no Brasil é ofensa. Neste ponto, chegamos próximo a Cuba e à Venezuela, onde a única diferença é de que opinião divergente ao governante é ofensa, traição.

    Esta é minha vivência da justiça. Não posso mudá-la. Pois foi o que vi de dentro na minha opinião de leigo. Se minha visão de leigo os ofende, sinto muito. A aparência é de que os maiores interessados de que tudo se mantenha assim são os próprios advogados para ganhar dinheiro com atrasos que podem até ser inúteis, mas que quanto maior a quantia, maior a chance de que tais recursos façam com que as ações e os crimes prescrevam. Mais uma vez, minha visão de leigo.

    O problema é que os principais interessados na melhoria não tem voz neste processo: a sociedade civil. O legislativo os representa mal. O executivo fica tentado a fazer “democracia direta”, o que nada mais é do que uma forma de populismo ditatorial e o judiciário não demonstra muito interesse. Mais uma vez, minha visão e opinião.

    Friso aqui que tudo que escrevi são minhas opiniões, porque vejo que o direito de expressar opinião no Brasil está sob o mais grave ataque desde a ditadura militar. Os prováveis próximos governantes do país não tem muito apreço por ela. E aí nem você nem eu poderemos divergir… Mas ao que parece, vocês não parecem aceitar divergências.

    Mas minha vivência, isso infelizmente, a senhora Márcia e o senhor José não podem mudar. A minha impressão sobre a senhora e o senhor José, talvez. Basta aceitar que há opiniões divergentes e que elas têm o direito de serem expressadas.

  17. Tb não entendi onde a sra.Márcia foi ofendida. Talvez, no momento em que o comentarista pergunte, se a Sra Marcia defende a Justiça pq se beneficia dela ou pq seja advogada do DD… Mas isso não configura ofensa, até pq é uma pergunta.
    Em tempo, ninguém precisa ser da área jurídica para compreender o funcionamento do nosso judiciário, bastando para isso ser parte em qq processo por menor que seja. E, sim, é verdade, alás, fato público e notório que o dinheiro acelera ou retarda, dependendo do que a parte interessada deseje, o andamento dos processos. Não sei qual a novidade nisso.

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