Na última sexta feira a escola de samba paulistana Rosas de Ouro foi obrigada a alterar o refrão de seu samba de enredo por suposta alusão ao patrocinador de seu desfile sobre o cacau, a fábrica de chocolates finos Cacau Show.
O que era “cacau é show” virou “o cacau chegou”, por imposição da rede de televisão que transmitirá o desfile, a Globo. Mantendo a sua postura de somente veicular marcas comerciais que paguem para tal, a emissora simplesmente obrigou a escola a alterar o refrão de seu samba – que sequer faz propaganda ostensiva da marca.
A posição da emissora é de subordinar o jornalístico e, no caso, o artístico, ao comercial. É mais importante forçar a compra de espaços comerciais do que mostrar o fato tal qual ele acontece.
Nos esportes esta postura é mais visível, inclusive atingindo os canais fechados. A emissora chega ao ponto de inventar nomes de times de vôlei, que possuem nomes de empresas, para não citá-los. “Unilever” virou “Rio de Janeiro” e Cimed, “Florianópolis”. O resultado é que diversas marcas estão retirando o apoio ao esporte, haja visto que não obtém o necessário retorno de imagem.
Já no futebol a ação é mais discreta, mas não menos eficiente. Basta verificar que 80% do tempo das partidas são transmitidas em um plano geral, longínquo, de modo a mostrar o mínimo possível a marca dos patrocinadores das camisas e as placas publicitárias do estádio. Outro bom exemplo são os planos fechadíssimos nas entrevistas coletivas a fim de não mostrar os “backdrops” – placas publicitárias – atrás dos jogadores. Quase dá para contar o número de poros que cada entrevistado possui no rosto.
A sofisticação chega a tal ponto que, em recente matéria policial na zona sul, a imagem foi tratada eletronicamente a fim de retirar a logomarca do supermercado “Zona Sul”, em frente ao qual houve a explosão da bomba. Em fotos publicadas no jornal impresso do grupo há o mesmo tratamento, ao ponto de certa ocasião “limparem” a camisa do Flamengo para a publicação de uma foto.
O curioso é que o executivo da emissora para esportes cansa de dizer que “os clubes são incompetentes para arrumar patrocínios”. Entretanto, como vender o produto se o retorno de imagem no principal canal de televisão aberta no país é praticamente nulo ?
Até no portal de esportes do grupo na internet esta postura é mantida. A equipe Red Bull de Fórmula 1 vira “RBR” e as equipes de vôlei usam seus nomes “globais”. Notícias sobre patrocínios são veiculadas sem as marcas que assinaram contrato, ou apenas com as razões sociais. Vejam o exemplo abaixo:
Esta postura de “só eu posso ganhar, o resto que se dane” resulta de uma concentração midiática sem precedentes. A emissora possui mais de 50% de audiência na televisão aberta, o que lhe dá um poder de barganha quase divino.
Especialmente após a ascensão de Ali Kamel ao posto de “manda chuva” da área jornalística da empresa, passou a haver uma maior direcionamento do que é mostrado aos seus interesses e uma cada vez maior subordinação do produto exibido às necessidades comerciais. Isto é extremamente perigoso, pois é uma porta aberta – melhor seria dizer escancarada – para a manipulação de fatos e distribuição de versões que representam as idéias da organização, mas não necessariamente equivalem aos fatos ocorridos.
Penso que a única saída para alterar a onipotência das organizações sobre os destinos nacionais é a concorrência, já que o Estado renuncia ao seu poder regulatório do setor. Por isso que, apesar de todas as questões envolvidas, acho salutar a pretensão da Rede Record de dividir parte desta audiência com a emissora líder.
Quem sabe assim não assistiremos mais a absurdos deste tipo. Quem sabe um dia a Rosas de Ouro possa cantar o samba original – aliás, o verso “o cacau chegou” não faz o menor sentido.

4 Replies to “Globo: onisciente, onipresente e especialmente onipotente”

  1. Quem patrocina tem que apostar na visibilidade da marca na telinha e não na locução. A Globo é dependente do espaço comercial e não facilita mesmo.

    Mas o fato da Globo não ter mostrado o ZOna Sul no caso daquele incêndio deve ter sido por orientação de advogados ou acordo com o Zona $ul.

  2. Nós acabamos vendo alguns desses fatos isoladamente e não nos damos conta da gravidade do mesmo em seu conjunto. Lendo a sua análise, vemos que a realidade é chocante.

    Eu não como foram elaborados esses contratos entre a emissora e os organizadores dos diversos eventos esportivos mostrados por ela, mas é nítido que precisamos da concorrência.

    E mais, alguns casos são passíveis de punição por parte das agências reguladoras cabendo a parte prejudicada mover a ação.

    E, o que eu acho mais difícil de acontecer, também acontecer um boicote contra a emissora do Rio de Janeiro por parte dos organizadores desses eventos.

    Muitas coisas precisam ser mudadas.

  3. Ótimo texto, Migão. Realmente, a Globo exerce um poder cada vez mais sufocante sobre outras instituições e, pior, sobre nós, pobres mortais espectadores.

    A propósito, recomendo a quem não teve oportunidade de ver o documentário censurado sobre a verdadeira história da Rede Globo. Imperdível.

    Tânia Tgart

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