Terça feira, é dia de nossa coluna semanal sobre grandes sambas que, entretanto, acabam não sendo os mais conhecidos de suas escolas.
Hoje falarei de uma das últimas vezes em que a arquibancada da Sapucaí se transformou em um baile de carnaval: São Clemente 2001, “A São Clemente mostrou, e nada mudou neste Brasil Gigante”.
A escola de Botafogo – embora sua sede, hoje, seja na Cidade Nova – vinha de um resultado muito contestado no ano anterior, quando saiu da avenida como favorita a uma das vagas no Grupo Especial e acabou tendo de se contentar com um quarto lugar.
Como uma espécie de “resposta” a este resultado injusto em sua opinião, a amarela e preta resolveu lembrar-se de seus grandes momentos no Olimpo do samba, os enredos críticos e irreverentes que a escola apresentou na segunda metade da década de oitenta e início dos anos noventa.
O enredo proposto pela carnavalesca Sônia Regina era um grande “revival” de todos aqueles temas apresentados anteriormente pela escola. Na abertura da sinopse – que reproduzo abaixo, com agradecimentos ao site Galeria do Samba – a artista deixa claro que procederá a lembranças da “Era de Ouro” da escola:
“Introdução

Com a chegada do 3° milênio, a São Clemente resolve fazer uma retrospectiva dos seus últimos carnavais e chega a seguinte conclusão:

– Nosso trânsito continua desorganizado, as pessoas morrem;
– O povão continua sem teto;
– O sistema de saúde do Brasil é um fiasco;
– Os capitães de asfalto continuam nas ruas;
– A violência é tanta que parece que estamos em guerra;
– E o samba continua sambando;
– A solução está na educação do nosso povo;
– E nós continuamos uma gente guerreira, otimista e festeira.

Mostraremos nesse enredo passo a passo, ala por ala, carro por carro, um verdadeiro raios-x do Brasil, mas de forma irreverente como é a marca registrada dessa escola de samba da Zona Sul.

Sinopse do Enredo – Carnaval 2001

1º Setor

O último minuto de 2000 e o primeiro segundo de 2001, marcam a virada do calendário, a chegada do 3º milênio, numa festança que se conhece como reveillon.

E a São Clemente num momento de grande reflexão resolve fazer uma retrospectiva sobre seus carnavais, quando de maneira descontraída e irreverente, mas compromissadamente séria enquanto mensagem, levantou várias questões sociais, e chegou a seguinte conclusão: “mostrou, e nada mudou”.

2º setor

O nosso trânsito continua matando cada vez mais, as nossas estradas mal conservadas provocando acidentes, e os pedágios cada vez mais caros e em números maiores, e os pardais !! E aí, o que mudou ?…

Com o crescimento do desemprego, os viadutos, e as praças viraram mansões para os menos favorecidos, hoje temos os sem tetos e os sem terras. E aí, o que mudou ? ….

O sistema de saúde é um fiasco, com os pacientes madrugando em filas intermináveis, sem remédios, equipamentos quebrados, remédios falsificados, material humano falho, e os planos de saúde, os nossos idosos, a aids num crescer cada vez maior continua entre nós, a vaidade sem limites criou a indústria da plástica e do silicone. E ai, o que mudou ? ….

3º setor

E os capitães de asfalto continuam nas ruas. Os menores da atual geração para aumentar o seu “poder” e garantir respeito do grupo que freqüenta, estão aumentando os atos de vandalismo. É a regra do valor e afirmação pessoal, não se alimenta falsa ilusão, tendo em vista a luta desigual, entre o bem e o mal. Esses menores infratores são frutos da sociedade e é deles que temos que fugir todos os dias. E aí, o que mudou ?…

Numa trágica democracia, a violência está presente em todas as partes e faz de reféns as pessoas de bem, como os motoristas e os passageiros, os,professores e os alunos, as donas de casa em seus lares.

Hoje vivemos atrás das grades e os bandidos livres, vivemos em cativeiros, somos reféns do medo, da insegurança, estamos em uma guerra civil não oficializada.

Presenciamos combates constantes entre polícia x ladrão; ladrão x ladrão; polícia x polícia. E aí, o que mudou ?

4º setor

E o samba continua sambando. Um troca-troca constante, os sambistas trocando suas agremiações por, contratos fabulosos, não existindo o “vestir, a camisa”. E aí, o que mudou?

5º setor

A solução está na educação do nosso povo. Mais escola melhor estruturada, mais emprego, uma distribuição de renda melhor.

Sem apontar saídas e fórmulas milagrosas, menos ainda abrir questões que possam levar a intermináveis debates, quando o razoável é mostrar que, bem mais que as reflexões o momento exige “atitudes” e nós que somos a esperança, e vivemos neste Brasil gigante, continuamos guerreiros, otimistas, festeiros e perguntamos: e aí, o que mudou ? ….”

A amarela e preta foi a oitava escola a entrar na avenida, na madrugada do domingo de carnaval, 25 de fevereiro. E o que ocorreu foi um verdadeiro baile de carnaval.
As pessoas nas frisas e nas arquibancadas cantavam a plenos pulmões o samba de Paulo Renato, Eugênio Leal, Fábio Chrispim e Rodrigo Índio, auxiliadas pela garra do puxador Anderson Paz e com a bela bateria aurinegra. Uma verdadeira catarse na avenida, com uma integração à moda antiga entre escola e público.
A parceria autora do samba, estreante como vitoriosa, soube captar a essência do enredo e permitiu aos desfiles um grande momento. Eu me lembro que era a primeira vez em que assistia o Grupo de Acesso A “in loco” e fiquei bastante impressionado ocm o desifle da escola.
Apesar do belo nível do desfile como um todo e de fantasias e alegorias apenas medianas, a escola saiu da Praça da Apoteose como grande favorita a uma das vagas no Grupo Especial em 2002 – bons tempos em que eram duas as escolas promovidas…
Em que pesem os bons desfiles da Vila Isabel – recém rebaixada – e da Acadêmicos da Santa Cruz, que homenageou o grande ator, escritor e compositor Mário Lago, a impressão geral é que as duas promovidas seriam a São Clemente e a Unidos do Porto da Pedra.
A apuração na quarta feira de cinzas confirmou as expectativas: Porto da Pedra em primeiro e São Clemente em segundo, ambas promovidas ao Grupo Especial. A escola de Botafogo fez 193 pontos, quatro abaixo da agremiação são-gonçalense. Festa nas duas comunidades.
Minha avaliação era de qualquer uma das escolas poderia ser a campeã. Resultado justo.
Vamos à letra do samba, que pode ser ouvido em sua versão de estúdio aqui. Uma curiosidade: na versão original o verso “para o turista delirar” era, na verdade, “para o turista cochilar”. Houve a mudança para a gravação oficial.
“Cantei, ah ! Como cantei
Eu alertei, eu critiquei, amor
Jeito moleque brincalhão eu vou
Tentando melhorar esse país (pra ser feliz)
O meu grito ecoou
E aí, o que mudou ?
Mas não desisto, sou guerreiro lutador
Se correr o pardal pega
Se ficar o ladrão come
Onde a coisa vai parar ?
Tô sem terra, tô sem ninho
Qual será o meu caminho
Quero casa pra casar

Tá na hora de curar minha saúde
Quem tem plano fica pobre
E o pobre que se cuide

Hoje o Capitão de Asfalto
Tomou de assalto as manchetes de jornal
Marginalizado
Virou culpado da tragédia social
E o meu povão do carnaval
Não pode mais participar
No troca-troca deu lugar
Para o turista delirar
A solução então
É investir na educação
Criar emprego
Para libertar essa nação

Faz a festa, me abraça, põe champanhe na taça
A São Clemente é alegria
Vem no peito e na raça sacudindo a massa
Na explosão da bateria

Semana que vem, encerrando a série “Samba de Terça” neste ano de 2009, Mangueira 1983: “Verde que te quero Rosa, Semente Viva do Samba”.

2 Replies to “Samba de Terça – "A São Clemente mostrou, e nada mudou neste Brasil Gigante"”

  1. Adorei esse desfile. Apesar do rolo compromessor, os jurados resolveram premiar a plástica da competente e infantil Porto da Pedra. Ainda bem que naquela época duas subiram. Aliás, foi o último ano que a vice do acesso subiu ao especial. Velhos tempos que não voltam mais.

  2. Denise, pra mim ganhando uma ou outra tava legal. uMa foi forte na pista e mediana nos quesitos plásticos, a outra foi o contrário.

    Lembrando que o samba da São clemente ganhou o Sambanet de melhor samba daquele ano.

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