Dezembro é um mês propício ao nudismo e serei obrigado a comparecer hoje, de terno e gravata, feito defunto das antigas, a uma cerimônia de colação de grau. Nada contra a cerimônia, diga-se, mas terno e gravata no verão canarinho é coisa rastaqüera.

Chocado com a indumentária e com vontade de mandar o Papai Noel, com seus trajes adequados ao verão da Lapônia, pra Tuvalu em tempos de aquecimento global, só tenho uma opção para exorcizar o encosto: Escreverei sobre gente pelada.

O Rio de Janeiro é um bom lugar para se andar nu. Temos, inclusive, uma praia destinada à prática do naturismo. Confesso, porém, que nunca frequentarei o recanto, e justifico a birra com três argumentos.

O primeiro deles é que no espaço, perto de Grumari, admitem-se pessoas peladas e outras com trajes de banho. Não pode dar certo. O correto é todo mundo feito índio e ponto final.

O segundo argumento me parece poderoso. A praia em questão chama-se Abricó. O nome é terrível. Não se pode andar impunemente com o báculo exposto num lugar com uma denominação dessas. Parece até aquela velha piada do índio Caramuru, da tribo Paraguaçu, que gostava de sururu, morava no Alto Xingu e se chamava Papa-Có. Nem pensar.

O terceiro argumento é definitivo e dispensa comentários: Testemunhas afirmam que tem muito mais homem que mulher naquelas bandas. Canta pra subir.

Quem começou com esse negócio de naturismo no Brasil foi a atriz Dora Vivacqua, mais conhecida como Luz del Fuego, a quem homenageei em outros textos. Luz, dotada de espírito público, fundou, no início dos anos 50, o Partido Naturista Brasileiro – que reputo como a mais séria organização política verde e amarela desde os tempos dos homens pré-históricos da Serra da Capivara.

Luz morava na Ilha do Sol, pertinho de Paquetá, e gostava de andar pelada com uma jibóia de oito metros enrolada no corpo. Em sua propriedade funcionou o primeiro clube de nudismo do país, o que fazia com que afoitos farofeiros de Paquetá – com o argumento familiar de que queriam conhecer a romântica pedra da Moreninha e tinham se perdido nas águas da Guanabara – tentassem chegar nadando à ilha vizinha pra ver as pererecas em flor.

O final de Luz del Fuego foi terrível – morreu assassinada, em 1967, por bandidos que queriam roubar um carregamento de pólvora guardado na ilha. Pouco antes da morte da fundadora, o Partido Naturista, que chegou a ter quase 60 mil filiados, fora proibido pelo regime militar – numa inequívoca demonstração de que fardas e ternos são, em geral, muito mais indecentes que a nudez.

Assisti, moleque, ao filme Luz del Fuego, em que Lucélia Santos – que eu conheci na novela Escrava Isaura, produzindo o milagre de seduzir a dupla de machões (sic) Rubens de Falco e Edwin Luise – representava a pioneira do naturismo tupiniquim. Lucélia estava em forma surpreendente, apesar da atuação dramática superior da escamosa atriz que representava a cobra jibóia, naquela que considero a maior interpretação feminina da história do cinema nacional ao lado da cadela Baleia de Vidas Secas.

Parêntese: O fato, e só pensava revelar isso a uma médium de mesa branca depois de morto, é que após assistir ao filme eu resolvi, projeto de garoto de 14 anos, preparar um dicionário com sinônimos de vagina. O negócio era sério – um apanhado de denominações literárias sobre a chavasca. Quando percebi, porém, estava obcecado, listando coisas como suvaco de coxa, tabaca, caxaronga, buraco da serpente, boca de gia, buçanha, bacurinha, campo alagado, taioba, fenda, tobinha, testador de batina, pomba, aranha, xexenha, pastel de pêlo, pitrica e tomba macho. Achei melhor parar, mas qualquer dia retomo a obra.

Temos outros personagens ilustres que gostavam de tirar as roupas. O antropólogo Darcy Ribeiro e o cineasta Glauber Rocha só conseguiam escrever peladões. D. Pedro I gostava de andar vestido apenas com o bigode pelos salões do Paço Imperial; Villa-Lobos achava que compunha melhor despido. Átila, o huno, que não era brasileiro mas tinha 1.06 de altura, gostava de mostrar o pinto pra humilhar os adversários depois de cruéis batalhas.

Contam também que Dona Beija, a feiticeira de Araxá, cavalgou nuazinha pelas ruas da conservadora cidade mineira, horrorizando beatas e levando a rapaziada ao delírio. Duzentos anos depois, Dona Beija encarnou no corpo da modelo Lilian Ramos. Durante o carnaval de 1993 Lilian se exibiu, sem calcinha, ao lado do presidente Itamar Franco. O fato deu ao mandato do mineiro um ar de dignidade maior que a elaboração do plano Real.

Paro por aqui esse desabafo. É hora de buscar o terno que aluguei numa loja de roupas de festas no Largo da Segunda Feira.

Enquanto faço meu vestibular pra frango de padaria, fiquem com o grande Benito de Paula homenageando o poetinha, que adorava andar como veio ao mundo, mandando o terno e a gravata pra Tonga da Mironga do Kabuletê. É a minha vontade:

5 Replies to “PREFIRO ANDAR PELADO”

  1. Essa me lembrou o samba de 2004 da São Clemente que dizia:
    “Todo mundo pelado, beleza pura
    Todo mundo pelado, mas que loucura
    Ninguém segura a perereca da vizinha
    É um barato a buzina do chacrinha…”

    Abraços,

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