Estarrecedor. Revoltante. Um soco no estômago.
Esta é a definição que eu daria para a realidade contada no livro alvo de nossa resenha de hoje. São histórias reais que nem o mais imaginativo roteirista ou escritor conseguiria imaginar.
“Sangue Azul: Morte e Corrupção na PM do Rio” é o relato de um soldado da Polícia Militar do Rio de Janeiro, feito ao roteirista Leonardo Gudel (Rede Record).
Como a orelha do livro deixa clara, apesar de nomes e locais terem sido trocados todos os fatos relatados são reais. Eu diria mais: com a sequência de livros que tenho lido sobre o tema, diria que é tudo realidade.
A história do livro é simples: soldado PM do Rio de Janeiro conta a sua história dentro da corporação, entremeado com momentos familiares entrelaçados.
A sequência mostra clara como ele entra na corporação, íntegro e disposto a servir – e aos poucos se transforma em um assassino, corrupto e ameaçado de morte. Na visão dele, esta transformação se deve a dois fatores:
1) À corrupção das altas esferas da política e da corporação;
2) Ao sistema policial e sua engrenagem;
Vamos a alguns exemplos de histórias contadas no exemplar:
1) Sargento tortura família de traficante: primeiro mata a filhinha, depois dá um tiro no ânus do bandido, que sangra até morrer assistido pela mulher e pela sogra. Com a morte após doze horas de agonia, ele mata as duas.
Tal fato ocorre na tomada do morro por uma milícia;
2) Após duas tentativas de prender o chefe de uma determinada localidade e ter sido obrigado a soltar por ordem da delegada da Polícia Civil e do Comandante do Batalhão, a guarnição o prende novamente e exige R$ 140 mil reais para a sua soltura – uma clássica “mineira”. Adivinhem quem paga ? O comandante do próprio Batalhão, “sócio” do bandido em questão.
3) Armas apreendidas em operações policiais são revendidas a bandidos rivais; bem como maconha e cocaína que deveriam ser apresentadas ao término das operações policiais mas acabam também como objeto de venda;
4) Comandante de batalhão era sócio do dono de um morro e só mandava fazer operações policiais em morros vizinhos, a fim de fortalecer o tráfico onde ele era sócio. Ressalto que ele é preso em outra passagem, a que origina e fecha o livro;
5) Guarnição prende irmão de juíza com nove quilos de cocaína. Veredito do caso, dado pela própria: cadeia para os PMs por uma série de acusações e expulsão da corporação. Inocência e liberdade para o marginal.
6) Se o PM quiser mais munição para ir a campo, precisa subornar o funcionário responsável pelas armas do batalhão. No relato ele chega a ironizar o leitor dizendo que “agora você entende aquela ‘cervejinha’ que se paga nas blitzes”;
7) As ‘vagas’ nas guarnições são vendidas de acordo com o “potencial de recursos” que aquele trabalho pode gerar;
8) Execuções sumárias e tiros pelas costas. Também ensina como se faz para se camuflar uma execução e transformá-la em um “auto de resistência”;
9) Explicita o papel dos informantes, os chamados “X-9”, na estrutura policial. O papel destes é, em sua maioria, propiciar “chances de ganhos” aos policiais;
10) Emboscadas preparadas pelos próprios comandantes para policiais sob sua responsabilidade;
11) A vida no crime daqueles que são expulsos pela corporação;
12) A corrupção entre os políticos e os altos oficiais. Diz-se com todas as letras que o objetivo não é combater a criminalidade, mas sim deixar aqueles que estão no comando ricos.
E olha que não escrevo aqui algumas das histórias mais cabeludas do livro…
Confesso que fiquei absolutamente perturbado, me perguntando se há solução para um sistema tão corrupto e sanguinário. O interesse do cidadão é o que menos importa nesta festa toda. Fica claro também que o “combate ao tráfico” não passa de encenação para encobrir os verdadeiros intere$$e$ envolvidos.
Também é marcante a progressiva brutalização que ele sofre, refletindo-se na família, e o prazer de matar que muitos sentem. Para a maioria dos PMs, matar bandidos é uma espécie de “videogame”.
A propósito, quem leu o “Elite da Tropa” vai identificar um dos comandantes citados no livro, tenho quase que certeza de que é o mesmo envolvido em passagens deste “Sangue Azul”.
Meus 32 leitores devem estar se perguntando: “o que o levou a falar?” Minha teoria é de que ele está com medo de morrer e optou por tentar se proteger desta forma.
Nos dois últimos capítulos do livro ele sofre um atentado a tiros (do qual sai vivo e, apesar de não dar muitos detalhes, sem sequelas) e revela claramente o medo de morrer e a paranóia decorrente daí. Talvez seja uma tentativa de auto-proteção. Ele sofre este atentado como represália à operação de que participou no tal morro onde o comandante era um dos “sócios” nos negócios ilegais.
Obviamente que ele troca o próprio nome, até porque a quantidade de crimes que ele descreve ali é caso para uma longa temporada na cadeia.
Revoltante e estarrecedor. Somente lendo mesmo, aqui não chego nem perto de esgotar os assuntos tratados. Entretanto, aviso: não é indicado para estômagos sensíveis.
Todavia, por mais que seja revoltante, é obrigatório o cidadão conhecer o cotidiano daqueles que, teoricamente, têm como função nos proteger. Teoricamente…
No Submarino, custa R$ 35. O curioso é que o livro foi lançado sem qualquer divulgação. Até as referências no Google são bem escassas.
Por que será ?

22 Replies to “Resenha Literária – "Sangue Azul: Morte e Corrupção na PM do Rio"”

  1. PQP…não há esperança. É muita brutalidade. Só a longo prazo com um trabalho intenso de ética, moral e humanidade nas criancinhas de hoje. E um trabalho exemplar de fiscalização e denúncia por pessoas ilibadas e corajosas. Talvez assim. O sistema está todo podre. Este livro deve ser ótimo para conhecimento de mais esta triste realidade.

    Talvez realidades como estas fazem muitos indivíduos optarem pelo autoritarismo para ver se assim conserta a podridão. O problema é que não conserta. Só faz crescer outras podridões.

    1. Conforme a sua observação ,que alias tem tudo ha ver,é mister observar no que concerne ao citado por ti” Só a longo prazo com um trabalho intenso de ética, moral e humanidade nas criancinhas de hoje”,vez que esse assunto foi abordado por vários filósofos, estudiosos,do pretérito e ainda é discutido hoje…sempre foi e será um prato cheio para grandes analises,mas o governo não se interessa por mentes pensantes,criticas…pois colocaria o interesse pessoal deles em cheque…sabe como é né…

  2. Cara, a corrupção vem de cima. E olha que no livro tem muito mais coisa.

    Sua percepção sobre o autoritarismo é perfeita.

    Se puder, divulgue este post nos seus contatos, até porque o livro foi lançado quase clandestinamente.

  3. Vem de cima, vem de baixo. Muitos PM´s já entram na corporação pensando em faturar. Isto é fato. É evidente que o esquema do tráfico enriquece muita gente envolvida. Os que produzem, os que vendem, os que criam dificuldades(polícia, legisladores, delegados), os que alugam e vendem áreas de achaque, enfim, é todo um ambiente de criminalidade do qual a sociedade é vítima e ao mesmo tempo, co-participante. Pois ela consome.

    O corruptor não é o rico. O que “está por cima”. Está entranhado em todos os setores e níveis de renda. A sociedade está corrompida, e fica cada vez pior, submetida a uma massa de informações de valores invertidos vindo pela TV diariamente. Não sei como será o futuro, mas a lógica diz que ainda será muito pior.

  4. Henrin, esse é o senso comum. O problema é que a gangrena é muito mais séria do que imaginamos.

    A Polícia é feita para corromper e matar, isso o livro deixa claro. tudo o mais é perfumaria.

  5. Caramba Migão…como as coisas chegaram a ficar deste jeito…e será que foram diferentes um dia? Seria necessário uma nova polícia com novos métodos de recrutamente e acompanhamento. Mas…como?

  6. e imprecionante mesmo na minha opniao o pm do rio deve ganhar o salario de 3500 reais mas tem que ser cobrado deles e quando um pm for pego fazendo atos corrupitos tem que ser banido da pm

  7. eu não sei até em que ponto esse tipo de literatura é boa ou ruim para a imagem de uma corporação que tenta cortar na própria carne, esse verdadeiro banditismo que está aí, li o livro aqui em vitória no espírito santo, mas de qualquer forma isso só vem somar para que todos entendam-se é que já não sabem-, o que acontece dentro das polícias militares, onde as doenças mentais crescem a cada dia, vide a enorme quantidade de remédios tarjas pretas-quando não cocaína e álcool-, que esse policiais vem tomando, luís eduardo soares disse acertadamente no livro a elite da tropa, que a grande vítima do excesso de violência praticado pelos policiais, seriam eles mesmos as vitímas dela. forte abraço a todos

  8. Meu caro…

    Uma das provas que o poder vem de cima é a forma como se tornou fácil a implementação das UPP nas favelas da zona sul do Rio.

    Como explicam no livro, bastou um ataque de um grupo de PMs fora-de-serviço faz para salvar a namorada de um sargento, para acabar com o tráfego numa favela. 9 militares treinados, armados e organizados podem fazer mais do que qq grupo de traficantes.

    Mas quem vai fazer isso se pode foder sua vida e acabar com o negócio de seus superiores e dos chefões dos seus superiores.

    Quando foi preciso dar uma melhor imagem da zona sul do Rio, então os traficantes foram traidos pelos seus amigos e tudo foi fácil. A corrupção não acabou, mas alguêm lá em cima negociou bem e convenceu os chefões para mudar as fontes de lucro para outros locais.

    De certeza que muito do negócio de protecção e de gestão de terrenos nas favelas controladas pelas UPPs são agora feitos por “empregados” desses senhores?

  9. Caramba…li esse livro em tres dias…mto bom, recomento principalmente para policiais militares do RJ que estão entrando na corporação como eu tb,pra ver que a realidade não é o que parece ser.

  10. estudante de sociologia, melhor livro que li nos ultimos tempos. Recomendo, pois faz pensar. Nao sei se estou com pena ou medo da PM do RJ.

  11. Estudante de sociologia, foi o melhor livro que li nos ultimos tempos, pois faz pensar, nao sei se tenho medo ou pena da PM do RJ.

  12. Estou lendo o livro e vou falar para vocês…

    cara é uma porrada!

    Quem tem esperanças de um mundo melhor que vá morar em marte…

    Coisas que acontecem que lendo parecem absurdas…mas pensando no ponto de vista da maldade…são possiveis de acontcer mesmo..

    uma boa leitura, vale a pena ler.

    1. será, confio muito mais no meu senhor e salvador JESUS CRISTO companheiro.Maldito é o homem que crê no proprio homem, pois como disse THOMAS HOBBES ‘ O homem é lobo do proprio homem”. Fique com Deus.

  13. Quatro anos na PMERJ, e quase tudo que está no livro, ou eu vivi, ou ouvi alguém contar parecido, é bom as pessoas entenderem que é essa a realidade da PMERJ, a história e o cotidiano do BOPE é uma exceção. Li um comentário acima de que não há mais solução. Existe sim, basta ver a PF por exemplo, o que era a dez anos atrás e como está hoje, pra começar a mudança, aumento de salário e uma corregedoria forte, mas quem quer começar? o Cabral (governador do Rio). Como dizia um Capitão na gloriosa Academia D. João VI: “Salário de jagunço, serviço de jagunço.” Só pra não esquecer sempre há uma saída pra quem não quer se corromper. Alguns amigos faziam segurança privada,eu resolvi estudar, sou servidor federal a 9 meses, com uma saudade do Rio imensa, mas nenhuma da PMERJ.

  14. Li o livro em 2 dias, fiquei um pouco bobo, apesar de lá imaginar que o esquema era parecido .. estou tentando entrar para carreira militar, e fico agora com um pé atras.

  15. putz contou o livro todo, porra seu comédia não consegue ser crítico sem contar o livro, fez post de fofoqueiro e não de release

  16. Acho que faltou um fim pra história. Será que é indício que tem muito mais coisa pra escrever, um segundo volume?
    Fato é que dá um bom filme…
    Nunca li um livro tão rápido. Li em três dias suas trezentas e tantas páginas…

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