Sem dúvida alguma, a maior atenção jornalística desta semana é sobre o julgamento do casal Nardoni, acusado de estrangular e jogar do alto de um prédio a pequena Isabella, filha dele em primeiro casamento.

Confesso aos leitores que não estou totalmente convencido da culpa do casal, ou pelo menos da culpa dele. Até como pai que sou não consigo conceber que se mate a própria filha, ainda mais uma criança indefesa. Conceberia que ele esteja, por exemplo, assumindo a culpa da esposa mas não como o autor de tão brutal e chocante gesto. Sinceramente, não consigo compreender o que levaria um pai a matar a própria filha. Também ressalvo a frieza da mãe da menina quando do ocorrido.

Entretanto, não discorrerei aqui sobre elocubrações acerca da autoria de tão bárbaro gesto. Não sou advogado e a Justiça, embora imperfeita, existe para isso. Mas queria tecer algumas considerações sobre o papel da imprensa neste caso e sua cobertura totalmente inadequada.

O papel de uma cobertura jornalística, pelo menos para quem está do lado do consumidor desta oferta é informar. Não transcrever opiniões ou pré-julgamentos, mas sim mostrar o fato tal como ocorreu e possibilitar uma visão isenta ao demandante deste produto chamado notícia.

Um caso como este possui duas graves tentações.

A primeira é o sensacionalismo. Deformar a produção da informação de forma a realçar o que é escandaloso e escatológico, sem se preocupar com as consequências que desta postura podem advir. Segundo, mas não menos importante é a tendência ao pré-julgamento em um caso como este, não dando aos acusados o sagrado direito à defesa respeitado nos tribunais.

Ao tornar sensacionalista a cobertura descamba-se para reações extremas do público e que não cumprem com o objetivo de fornecer uma descrição isenta e ponderada dos fatos. Isto reflete-se em posturas do tipo “mata e esfola” na sociedade, bem como em uma curiosidade quase doentia sobre celebridades e a formação de “astros instantâneos” a que tanto assistimos.

Antecipar o julgamento é ainda mais sério. Quando se adota este tipo de postura é certo que acaba havendo uma contaminação do processo judicial, porque o carimbo de “culpado” já está determinado. A imprensa se torna polícia, promotoria, júri e juiz em uma igual “persona”, muitas vezes estabelecendo pré-conceitos em cima de assimetrias de informações existentes. No final do processo, este fenômeno acaba se tornando uma verdadeira usurpação de funções e impede o direito à defesa que todo investigado necessita ter peaa um julgamento justo. Investigar é função da Polícia, julgar e deliberar sobre a culpabilidade é da Justiça. Não da imprensa.

A cobertura do “Caso Nardoni” incorreu nas duas tentações. Descambou para o sensacionalismo e pré-julgou o casal. Ressalto que não estou aqui debatendo a culpa ou inocência dos acusados, mas apenas chamando a atenção para as distorções que um comportamento inadequado podem trazer. Dado o clima de comoção popular causado é altamente improvável que o casal não seja condenado à pena máxima – foi criada uma propensão a isto antes mesmo do processo judicial.

Suspeições foram tornadas verdades absolutas. Eventuais argumentos da defesa não obtiveram espaço, ou foram descartados sem uma análise mais apurada. Eles são culpados e pronto, é o posicionamento monolítico.

Não é a primeira vez que tal fato ocorre. Só para citar dois exemplos clássicos, os casos da Escola Base e dos assassinos da atriz Daniela Perez se notabilizaram por dinâmicas parecidas de sensacionalismo e pré-julgamento. Na situação da Escola Base com consequências terríveis – os donos da escola eram inocentes e tiveram suas vidas destruídas.

Obviamente que há uma demanda cada vez maior pelas camadas médias da sociedade por sensacionalismo. Entretanto penso que é um caso típico de retroalimentação: a demanda expande a oferta que expande a demanda, e por aí vai.

Concluo este texto na expectativa de que a decisão do júri seja a mais próxima possível da verdade dos fatos, seja condenando ou absolvendo. Todavia o clima criado na opinião pública torna muito difícil, a meu ver, que isto se torne realidade. O pré-julgamento, infelizmente, já foi feito.

Ontem foram os donos da Escola Base. Hoje são os Nardoni. Amanhã, culpado ou inocente, pode ser você leitor.

(Ilustração: G1)

5 Replies to “Notas sobre o Caso Nardoni”

  1. Migão eu na minha humilde opinião, não tenho a menor dúvida que esse Nardoni é um canalha covarde e que junto com aquela maluca mataram sim a pequena Isabella, é uma pena que no Brasil a pena máxima seja de 30 anos e que logo logo esses dois bandidos estarão na rua novamente, é esperar pela justiça divina, esta eu sei que não falha.

    Forte abraço,
    Robi

  2. Robi, a minha teoria é de que quem matou foi ela.

    Entretanto, a idéia neste texto é menos debater a culpa do casal e mais analisar as distorções na cobertura de casos como estes.

    Mas você tem razão sobre a questão das penas em caso de culpabilidade. Já escrevi aqui memso sobre isso.

    abração

  3. Só um adendo antes de escrever sobre este caso:
    – Confesso que sou fã de série policial e crimes como este me enchem de vontade de ter nascido doutora em criminaliística,não que imagine ser um ofício fácil, mas,sabe a protagonista daquela série Bones(da Fox), queria ser aquela mesma, com aquele colega todo charmoso. Bones,CSI,24hs, se deixar passo horas assistindo todas essas e Brothers& Sisters pra não esquece o lado “so sweet” deste meu coração de pedra, hehehehe.

    Aora sim, caso Belinha.
    Também compartilho dessa mesma idéia, é impossível imaginar aquela sequência toda já confirmada pela perícia e usada pela promotoria. Os laudos do IML afirmam a causa morte e aí fica difícil inocentá-los, afinal, não existe crime perfeito mas sim, desintere$$e em aprofundar os fatos.
    Só lamento a dor que essa menina sentiu antes de morrer.
    Uma pena esta parte da imprensa que adora sensacionalizar caso de polícia e tudo aquilo que a gente está acostumado a ver por aí, uma pena. Pobre sociedade que pensa pela cabeça de poucos.
    Que esta menina descanse em paz…

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