Mais uma quarta feira, e mais uma coluna “Formaturas, Batizados e Afins”, sobre ciência e tecnologia, assinada pelo Professor de Biofísica Marcelo Einicker Lamas.
O tema de hoje é uma análise do projeto de lei do novo Código Florestal, que a se depreender da leitura  do artigo me parece uma tentativa de se fazer uma “grilagem legalizada” de terras. É algo muito importante e que o leitor precisa conhecer.
“OS PERIGOS DA REFORMA DO CÓDIGO FLORESTAL

É inegável o apelo de preservação do meio ambiente em todo mundo. O crescente desenvolvimento dos países aumentou muito o nível de poluição e já trouxe mudanças significativas em alguns fatores globais, como por exemplo, o clima. A cada dia novas notícias de alterações grotescas observadas como degelo nos pólos – esta semana um iceberg de proporções colossais se desprendeu de uma geleira da Groenlândia – calor intenso em regiões de frio constante, chuvas em excesso; e a nítida sensação de que o termostato do planeta Terra está visivelmente alterado.

Neste cenário o Brasil atrai e muito as atenções do mundo, não apenas pela exuberância de seus ecossistemas – com destaque para a Amazônia – como também pelo discurso preservacionista de nossas maiores autoridades. No entanto, como muita coisa aqui no País, muito se fala e pouco ou nada se faz, ou muito se fala, mas na prática se faz diferente.

Apoiado por um grupo de Deputados, Senadores e empresários do agro-negócio (a chamada bancada ruralista), tramita no Congresso uma proposta para alterar o Código Florestal Brasileiro, que data de 1965. De acordo com esta proposta seriam transferidos para os Estados importantes poderes no estabelecimento das políticas de proteção florestal, que hoje são da responsabilidade do Governo Federal. Este simples redirecionamento da política ambiental pode significar um perigo conforme alertam cientistas e ambientalistas , uma vez que se poderia dar espaço para regras mais “brandas” e de conveniência regional em relação ao avanço da atividade agropecuária sobre as áreas de floresta; cuja manutenção é vital para a manutenção do equilíbrio climático do planeta.

Dentre diversos pontos polêmicos, esta nova proposta de reforma concede anistia por multas aplicadas até 2008 para casos de violação do atual código florestal, bem como reduz drasticamente a área de floresta nativa que os fazendeiros precisam preservar em suas terras. Recomenda que os proprietários de terra agricultores ou pecuaristas dos estados amazônicos mantenham como reserva apenas 20 por cento das suas terras, e não mais os 80 por cento estabelecidos pelo código florestal vigente, que em muitos casos já não são respeitados.

Outro ponto de grande perigo é a redução da área de preservação às margens de rios ou nascentes, que poderia deixar de ser de 15 metros a partir da margem para incríveis e ineficazes 5 metros de área preservada nas vizinhanças destes corpos d´água. Diversos estudos mostram que o desmatamento desenfreado nas cabeceiras dos rios e lagos provoca em curto prazo desmoronamento das margens; com conseqüente assoreamento do rio que em pouco tempo acaba por reduzir a lâmina d´água, contribuindo para que este rio seque. Também, este desmatamento nas cabeceiras de rios e lagos ou lagoas leva à desertificação e morte de nascentes; uma vez que a vegetação parece exercer importante papel na infiltração da água da chuva no solo, alimentando lençóis freáticos e mantendo a potencialidade das nascentes.

Assim, depois de alguma discussão que vem desde o ano passado uma Comissão especial do Congresso Nacional que teve como relator o Deputado Federal Aldo Rebelo (PC do B de SP), aprovou no mês passado os termos deste projeto, de maneira que esta proposta de reforma do Código Florestal brasileiro deva ser levada a plenário para votação ainda este ano, muito provavelmente logo após as eleições.

Esta proposta pode trazer problemas políticos para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou para seu sucessor, visto que o novo texto aponta para pontos bastante polêmicos como os já levantados aqui nesta coluna, numa nítida contramão da preservação ambiental tão alardeada pelo Governo Federal aqui internamente e em outros países, em encontros Internacionais importantes sobre o tema.

Por exemplo, esta nova proposta prejudica compromissos já assumidos pelo Brasil, como as metas de redução dos gases de efeito estufa, e pode ainda prejudicar as negociações brasileiras na Cúpula da Biodiversidade (COP 10), que será realizada em outubro no Japão. Fora isso, estas novas diretrizes para a “preservação” das florestas surge num momento onde o Governo anuncia a redução em 49% da progressão do desmatamento da Amazônia, tendo-se como período avaliado os dois últimos anos. Um anúncio tão importante, mas que pode ser totalmente anulado por novas iniciativas de desmatamento legalizadas no texto desta nova proposta de reforma.

Opiniões contrárias ao novo texto classificam-no como “um desastre ambiental à luz dos conhecimentos científicos”. Isso não apenas pela evidente degradação de áreas ainda preservadas, e consequente perda de espécies nativas (Biodiversidade), como também do ponto de vista agrícola, pois as nascentes de água e as cabeceiras dos rios que são utilizadas para a irrigação, são protegidas pelas áreas de floresta preservadas, ou seja, a médio e longo prazo todos os lados perderão.

Apesar disso, os defensores da reforma dizem que ela proporcionará ao setor agrícola brasileiro mais competitividade por dar aos produtores mais acesso a terras “cultiváveis”, e ainda que na nova proposta existe um artigo que estabelece uma moratória de cinco anos para qualquer novo desmatamento, o que seria uma garantia de que não ocorrerá uma nova onda de desmatamento da Amazônia. Segundo dizem os agricultores, as regras vigentes para a proteção da floresta levaram muitos deles para situações de ilegalidade, e que a alteração do código florestal possibilitaria uma correção nesta distorção. Mas, sob que preço? Quais as garantias de que não vai mesmo acontecer uma corrida de devastação de áreas ainda preservadas?

Outro ponto bastante polêmico desta proposta é o que autoriza os Estados a legalizarem áreas que foram desmatadas ilegalmente, mas que estão produzindo. Assim aqueles agricultores ou pecuaristas que desmataram ilegalmente aquela área, passam a ter sua posse sem nenhum castigo ou multa. E é isso que deixa muitos cientistas e ambientalistas apreensivos, pois esta nova proposta para o Código Florestal cria a expectativa de que sempre vai haver anistias para aqueles que violaram e seguem violando a lei, uma espécie de incentivo ao descumprimento e a degradação ambiental.

Sem sombra de dúvidas o progresso do País passa por aumentar a capacidade de produzir alimentos, mas não se pode pensar só nas possibilidades de expansão do agro-negócio sem que sejam analisadas as consequências a médio e longo prazo que algumas destas novas normas trarão. Diferentes iniciativas de exploração de áreas de floresta já estão em curso, todas baseadas no manejo sustentável e na exploração consciente dos recursos.

Também a exploração da floresta em projetos de ecoturismo surgem como uma alternativa rentável, que promove o desenvolvimento, gera empregos e renda e não destrói os ecossistemas. São ainda iniciativas muito pontuais, mas que já mostram grande sucesso. Pegar estes exemplos e colocá-los em escala maior poderá significar uma guinada não apenas para o lado da preservação como para a melhoria dos processos de produção agrícola e de pecuária. Aliar o desenvolvimento sustentável com a preservação ambiental é o grande desafio destas nações em desenvolvimento, para que não venham a padecer dos mesmos problemas que outras nações com pensamentos imediatistas tiveram por conta de escolhas erradas num passado recente.

Não se pode privar o País de se desenvolver, mas não se pode por em risco a nossa biodiversidade e o nosso equilíbrio ecológico. Que os políticos ouçam as opiniões técnicas e científicas dos especialistas no assunto e não apenas coloquem na mesa os interesses de uma classe que apesar da vantagem aparente, trará sim graves consequências  para o Brasil e por tabela, para todo o planeta.

Até a próxima
Marcelo Einicker Lamas”

 1* Farei uma distinção de cientistas e ambientalistas pois considero ambientalista, aquele que abraça a causa da ecologia e da preservação mesmo sem ser um profissional ligado a esta área como um Biólogo, Engenheiro Florestal, Geólogo, etc. Vários ambientalistas sequer possuem formação superior, mas tem uma destacada atuação em defesa da Natureza.”