Bom, o leitor já deve saber de minhas discordâncias com a diretoria atual da Portela, bem como minha opinião sobre o desfecho deste carnaval 2011 – onde a escola simplesmente não será julgada. Também sabe que sou economista e que hoje trabalho com gestão, em especial orçamentária.

Mas meu objetivo no texto de hoje é outro: estabelecer uma sugestão de um conjunto de medidas que poderiam ser tomadas a fim de que a Portela possa ser administrada de forma profissional e, ao mesmo tempo, respeitando a paixão pela Águia, tão sofrida nos últimos anos. 

É um texto propositivo e que apesar de minha condição de sócio não tem aspirações políticas, até porque para ser mandatário de uma escola de samba hoje é necessária dedicação integral – e eu preciso ganhar a vida. Além disso, e principalmente, há pessoas muito mais capacitadas, com densidade junto à comunidade, que poderiam levar a termo este tipo de propostas dentro da azul e branca.

Dividiria as mudanças a meu ver necessárias à Portela em quatro grandes grupos:

1 – Profissionalização da Gestão;
2 – Transparência;
3 – Gestão de marca e alavancagem de recursos;
4 – Democracia e Governança Corporativa;

Vamos analisar ponto a ponto.

1 – Profissionalização da Gestão

Os leitores deste blog sabem como são assíduos os comentários aqui de que há muita ineficiência no uso de recursos. Isto ocorre não por malversação de verbas, mas sim porque não há um modelo de gestão estabelecido.

Uma boa proposta orçamentária, por exemplo, é um início de caminho. Ainda que sem a definição do enredo, pode-se em dezembro do ano anterior colocar em uma planilha todas as receitas e despesas previstas para o carnaval subsequente ao que está com a preparação em andamento. Um bom planejamento orçamentário, feito com antecedência, permite a atração de bons profissionais, compra antecipada de materiais e execução do enredo de acordo com um cronograma adequado.

Isso já permite uma economia de recursos mínima de 20%, ou seja, onde se gastariam cinco milhões de reais passa-se a se gastar quatro. Nos tempos em que fui Diretor de Planejamento do Boi da Ilha do Governador, à época no Acesso B, somente o estabelecimento de uma proposta orçamentária, feita em junho – o que não é o ideal – permitiu que se gastasse aproximadamente 15% a menos que o que se esperava. E olha que no Acesso B não há a liquidez de recursos que se vê no Especial.

Outro ponto importante é o que genericamente se chama “modelo de governança”.

Isso significa a instituição de regras internas que primeiro visem à uniformização do uso de recursos e, por outro lado, estabelecer padrões de procedimentos para tarefas a fim de aumentar a eficiência e diminuir a influência do humor dos mandatários sobre a instituição. Um bom exemplo de procedimento alvo deste tipo de modelo é o processo de contratação de bens e serviços, que hoje em muitos casos é feito na base “da amizade” e passaria a respeitar critérios comparáveis e um padrão estabelecido.

Modelo de governança pressupõe outra condição básica: a existência de controles internos no processo de gestão. Instituir e na medida do possível automatizar estes controles internos levam primeiro a um melhor uso dos recursos – tanto humanos como financeiros – e segundo a um aumento da confiabilidade da gestão.

Instituir metas e indicadores tanto de gestão, como de processo e de desempenho é outra parte fundamental de uma melhoria. Medindo o desempenho através de indicadores apropriados pode-se ter uma idéia da eficiência da gestão – e dos gestores – de uma agremiação.

Importante, também, é formalizar na medida do possível as relações trabalhistas e igualmente estabelecer algum tipo de “Plano de Carreira”, com metas e incentivos. Dar benefícios como plano de saúde e algum tipo de investimento no aperfeiçoamento profissional também seria adequado àqueles funcionários que não trabalhem em regime de “empreitada”. Especialmente cobrar os administradores, recompensando pelos méritos e responsabilizando-os por má gestão – e isto somente pode ser feito com um modelo de governança estabelecido.

Fundamental: ter administradores profissionalizados em cada área da escola. Obviamente que os diretores estatutários hoje não podem ser remunerados, mas deve-se ter imediatamente abaixo um responsável por cada tarefa, pago – e bem pago – pela escola, com metas a cumprir e especialização. Áreas como a financeira, a de marketing e a administrativa não podem ser geridas por amadores; também seria interessante uma espécie de “Gerência Geral”, abaixo do presidente e acima do diretor de carnaval, a fim de coordenar todo o trabalho.

2 – Transparência

Uma boa gestão tem de se ter transparência, ainda mais quando há a busca por novas fontes de recursos, gestão de marca e perda de credibilidade no “mercado”. A Portela precisa de um choque de credibilidade e de transparência.

Isso pode ser feito especialmente através da internet. Colocar na página da web um resumo dos balancetes financeiros e dos principais contratos já é um passo gigante no sentido de reforçar a credibilidade da escola e permitir que haja uma maior atração de recursos – que é o próximo ítem. Além disso, uma espécie de “prestação de contas” dos passos da escola feita por seus administradores ou sua assessoria de imprensa também é importante.

A assessoria de imprensa nesta caso teria o papel de facilitar o acesso à escola e a seus segmentos, além de divulgar estes dados. Os atos de Diretoria devem estar registrados para consultas futuras, bem como os controles internos disponíveis quando não envolverem informações críticas – por exemplo, o salário de um carnavalesco.

3 – Gestão da Marca e Alavancagem de recursos

O leitor deve estar se perguntando: de onde a escola vai tirar dinheiro para começar tão antecipadamente a preparação do carnaval? Simples.

A Portela possui uma marca que tem um potencial fantástico de alavancagem de recursos. Há várias formas que podem ser utilizadas para ampliar as fontes de recursos da agremiação.

3.1) Contratos de vestuário

As camisas oficiais e demais peças de vestuário “casual” da Portela hoje são produzidas pelo mesmo fabricante de praticamente todas as escolas, sem pagamento de direitos e com a escola tendo apenas a receita de sua boutique e da página da internet. Pode-se perfeitamente negociar um contrato aos moldes dos clubes de futebol com empresas como a Olympikus ou a Adidas, onde se recebe um valor anual e royalties a cada peça de roupa vendida.

Ainda se pode ter a linha de produtos da escola vendida em todas as partes do país, não somente as camisas oficiais como toda uma vasta gama de produtos. Pode-se pensar conservadoramente em luvas de R$ 300 mil/ano e mais 5% do valor de cada peça vendida. Para o leitor ter uma idéia do desperdício de recursos, há dois anos que desejo comprar blusas infantis para minhas filhas e nunca tem na boutique da escola.

Além da camisa do enredo, há espaço para roupas casuais, calças, agasalhos, vestidos, roupas infantis, bonés, tênis e muitos outros ítens.

3.2) Licenciamento de Marca

Existe um manancial inexplorado de produtos que podem ter a marca da escola devidamente licenciada – com o pagamento do correspondente royaltie. Desde canetas, broches e outros badulaques até coisas como jóias ou relógios. Não é impensável, por exemplo, termos séries especias de um determinado carro antes do carnaval – o “Gol Águia” ou o “Uno Portela”.

É outra área que traz considerável afluxo de recursos. Pode-se entregar a administração da marca a uma empresa especializada cobrando uma “luva” e royalties.

3.3) Contratos com cervejarias

Não sei como é o contrato atual da escola neste ítem, se é que existe. Mas, como escrevi no texto sobre a profissionalização, sei de outra escola que pouco tempo atrás tinha um contrato onde recebia R$ 1 milhão anual e ainda toda a cerveja dos ensaios sem custo. Com todo respeito à co-irmã em questão a Portela tem condição de ter um contrato amplamente superior, de forma a praticamente, por si só, suprir o valor solicitado como patrocínio atualmente – sem vender o enredo da agremiação.

3.4) Rentabilização da Quadra de Ensaios

É outro ítem onde há como se aumentar a rentabilização. Hoje a entrada nos ensaios de quarta feira, os mais concorridos, é gratuita. Obviamente que os integrantes de alas de comunidade e os sócios devem ter entrada franqueada, mas isto não deve ser estendido.

Além disso, deve haver na quadra conveniências a fim de elevar o gasto médio daquele que vai ao ensaio, bem como, na medida do possível, aumentar o conforto da quadra. Outro ponto é realizar a final da escolha do samba em um espaço como a Praça da Apoteose, por exemplo.

3.5) Sócio Torcedor

Falarei mais detidamente no próximo capítulo, mas pode-se pensar em, modestamente, cinco mil sócios torcedores a R$ 10 mensais. Isso daria seiscentos mil reais anuais de renda bruta – e é um valor claramente subestimado.

É interessante que o lançamento de um programa como este, além de uma campanha maciça de marketing, seja acompanhado de um enredo que motive o portelense. Uma sugestão seria contar a história da escola através de seus sambas de exaltação – “Se Eu For Falar da Portela, Hoje Não Vou Terminar” seria uma boa sugestão de título para este enredo.

4 – Democracia e Governança Corporativa

Aqui é o ponto mais complicado, pois depende de mudança estatutária. Mas a meu ver passaria pelos seguintes temas:

4.1) Sócio-Torcedor

Pode-se oferecer um plano de sócio torcedor a R$ 10 mensais, com direito a uma camisa do enredo anualmente, entrada franqueada à quadra e voto no primeiro turno das eleições presidenciais – além de eleger representantes nos Conselhos Deliberativo e Fiscal. Para isso bastaria ter dois anos de associado e estar em dia com as mensalidades.

4.2) Sócio Proprietário

Transformar a atual categoria “sócio contribuinte” – da qual faço parte – em “sócio proprietário”, mediante o aporte de uma quantia com objetivo de “compra” do título. Sugeriria R$ 1 mil, que poderiam ser parcelados em duas vezes semestrais de R$ 600 ou em dez parcelas de R$ 130. Em troca o sócio proprietário ficaria três anos isento das anuidades, que passariam a ser de R$ 100 – inferiores aos R$ 360 atuais do sócio contribuinte.

Além dos direitos da categoria anterior o sócio proprietário poderia votar no segundo turno das eleições, eleger um terço do Conselho Deliberativo e três representantes do Conselho Fiscal, além de ser elegível à Presidência.

4.3) Sócio Benemérito

Continuaria como está, mas com critérios definidos de elegibilidade. Poderia votar e ser votado, tendo presença assegurada no Conselho Deliberativo e dois representantes no Conselho Fiscal.

4.4) Eleições à Presidência

Seriam divididas em dois turnos. No primeiro votariam todos os sócios, independente de categoria. Caso nenhum dos candidatos obtenha a maioria absoluta – 50% + 1 votante – parte-se para um segundo turno com os dois mais sufragados, onde votam sócios beneméritos e proprietários.

Sócios beneméritos e proprietários podem ser votados. Mandato de três anos, com no máximo uma reeleição. O voto seria na chapa completa de diretores estatutários – presidente, vice e diretores.

4.5) Conselho Deliberativo

Constituído por todos os sócios beneméritos e os demais com a seguinte formação: 35% de sócios proprietários, 35% indicado pela chapa vencedora, 20% pelas demais chapas concorrentes – divididos de acordo com o número de votos no primeiro turno – e 10% de sócios torcedores.

Além das funções de todo Conselho Deliberativo, todos os contratos acima de um determinado valor deveriam passar por esta instância. O número de conselheiros será determinado da seguinte forma: cinco vezes o número de sócios beneméritos.

4.6) Conselho Fiscal

Um representante do sócio torcedor, três representantes dos sócios proprietários, dois dos sócios beneméritos, dois da Presidência e um dos funcionários registrados da agremiação. Além da aprovação das contas anuais e funções correlatas, também deve aprovar todos os contratos acima de um determinado valor.

É uma estrutura simples, mas que democratiza a gestão e impede o surgimento de poderes absolutistas e personalistas.

Tudo o que coloco aqui são apenas sugestões, tomando a minha escola como exemplo mas, acredito, também cabíveis a outras agremiações. E estas idéias podem e devem ser aperfeiçoadas pelo debate. Não sou dono da verdade, não represento nenhum grupo político da agremiação nem falo em nome do Grupo PortelaWeb.

P.S. – Excepcionalmente, a coluna “Samba de Terça” será publicada na próxima quinta.

(Foto: Fabrício Gomes)

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