Causou choque na comunidade sambista o rebaixamento do Vai-Vai. Por mais que houvesse problemas na administração, há consenso de que o desfile esteve longe de ser um desfile de rebaixada. Além disso, há consenso também de que existiram apresentações piores durante o ano de 2019.

E esse número, pode ter certeza, não é pequeno.

A partir desse fato, passou-se a procurar culpados, motivos e indagações que levaram a este acontecimento que é, sim, histórico. O descenso da maior campeã do Carnaval de São Paulo não é corriqueiro e, para mim, acende o alerta de vez em outras grandes escolas, maltratadas pelo júri em anos recentes – como Mocidade Alegre, Gaviões da Fiel e Rosas de Ouro.

Um dos culpados mais apontados é o presidente da Saracura, Darly Silva, o Neguitão. Por mais que seja unânime apontar que a agremiação tem problemas administrativos, não me parece salutar jogar a culpa somente no mandatário. O Vai-Vai, com todos as dificuldades que enfrenta, reforço: jamais fez desfile para ser rebaixado. Isso, para mim, exime, nesse ponto, o presidente de uma culpa DIRETA do rebaixamento.

Motivos para o acontecimento não faltaram também: desde a uma pasta conturbada passando pelo tema enraizado na cultura negra, tão afetada pelos fatos recentes do país. Em minha visão, ambos os pontos não poderiam afetar tão gravemente como aconteceu.

Para começar, uma pasta de roteiro de um desfile [1] jamais pode decidir tão fortemente um resultado de UM DESFILE de escola de samba. E, além disso, se uma escola de samba que não pode se posicionar a favor da cultura negra sem sofrer represálias por isso, podemos decretar o fim da festa como conhecemos.

Algumas indagações sobre perfis de comunidade e julgamento também foram expostas. Claro que nos últimos anos, alguns fatos cultivaram essa mudança nas comunidades. A raiz negra da folia paulistana foi ficando cada vez mais longe da briga pelos títulos, já que um perfil novo de sambista foi surgindo.

As comunidades, em especial das Zonas Norte e Oeste, criaram um estilo próprio e foram dominando os resultados do Grupo Especial. O ressurgimento de Mocidade Alegre e Rosas de Ouro após períodos de jejuns de título, a ascensão de Império de Casa Verde e Dragões da Real e o fortalecimento do Águia de Ouro comprovam isso.

Mesmo assim, o Vai-Vai, por sua enorme tradição e empatia com o paulistano sobrevivia e se mantinha forte, ao passo em que Camisa Verde e Branco, Nenê de Vila Matilde e Unidos do Peruche ficavam cada vez mais distantes dos dias de glória.

O que acontece em 2019 é uma mudança histórica no Carnaval de São Paulo por dois simples fatores: quebra-se um paradigma de que escola grande e forte jamais irá cair. O Vai-Vai, a maior de todas, caiu. E, acima de tudo, mostra que a ideia da Liga é valorizar o que se tornou uma forte cultura de competição acima do samba.

Em 2015, após o título da Saracura se imaginou que o julgamento passaria a prezar pelo samba e pela emoção, além, claro, dos quesitos. Só que o movimento foi justamente o contrário. A busca pelo não-erro se tornou a obsessão de quinze em cada catorze escolas do Grupo Especial.

A cada comentário negativo, uma resposta firme. A cada análise crítica na internet, um comentário pedindo respeito e falando que antes de avaliar, é preciso colar purpurina em carro alegórico. A cada nota baixa na apuração, uma briga em rede nacional. A cada posição inesperada pelo público, o manual do julgador debaixo do braço para se justificar.

O que era uma avaliação de desfile de escola de samba virou uma intensa briga por quem faz a pasta mais completa ou a mais pasta mais bem reproduzida na pista. O que acontece na pista virou algo pequeno perto do que pode acontecer se a pasta não for perfeita.

Por tudo isso, é difícil seguir gostando e respeitando o Carnaval de São Paulo. Não falo apenas do julgamento, totalmente equivocado, que acontece em toda terça-feira. O problema está, também, nos sambistas e presidentes que deixaram tudo isso acontecer. Estes dirigentes que, em outros momentos, fomentaram rivalidades sem sentido e, consequentemente, criaram pessoas que aproveitam do momento delicado de uma tradicional coirmã para tirar sarro, fazer piada ou musiquinha de deboche sem pensar no amanhã.

Por tudo isso, chegamos, a meu ver, no fundo do poço. Nem no momento mais frágil de credibilidade da história do Carnaval de São Paulo, em 2012, estivemos tão mal. Não falo de produto, afinal, temos um produto grandioso, cheio de marketing, bem vendido, cada vez maior e com credibilidade.

Só que ao mesmo tempo, esse mesmo produto é artificial, robótico, sem carisma e com pouquíssimo da raiz do samba. Não é por acaso que estamos com quatro das seis maiores escolas do Carnaval Paulistano longe do Grupo Especial. Precisamos acordar e resgatar nossas raízes.

Trazer de volta, as nossas escolas tradicionais ou viraremos mais uma competição como outra qualquer e perderemos aquilo que temos de mais importante: a cultura e a felicidade de estar ali que é que nos traz todos os anos para a passarela do Anhembi.

[N.doE.1 – pasta, no carnaval de São Paulo, equivale ao “Livro Abre Alas” do Rio de Janeiro. Só que mais importante nos critérios de julgamento.]

{N.do.E.2 – este texto é parte de artigo que o articulista irá publicar no site Sambario. PM]

Imagens: Reuters (Amanda Perobelli) e G1 (Fábio Tito)

10 Replies to “O Rebaixamento do Vai Vai e o Carnaval Paulista”

  1. Salve Bruno tudo bem?
    Adorei o texto, vou adicionar algumas considerações abaixo.
    O critérios e a forma em que se é julgado em Sp é super diferente do que se acontece no RJ, não comparando mais já comparando, no RJ abre um leque para a subtividade no julgamento, em sp é mais preto no branco, o julgador tem uma “tabela” de erros em que é realizada a avaliação, como tudo na vida tem os seus pontos positivos e negativos, exemplo, o peso do pavilhão não se pensa tanto como no rio no momento do julgamento veja que a anos não temos uma campeã “virgem”, os contras evolução toda mecanizada e sem ser espontânea.
    Com todo Respeito ao pavilhão e pela história do Vai vai ao samba, mais nos últimos dias estamos recebendo notícias em que uma suposta virada de mesa pode acontecer, independente de ser a favor ou contra o critério de julgamento, uma não caída da maior detentora de títulos do carnaval de Sp, é esquecer que a mancha já caiu por causa de um “copo”, é jogar no lixo que escolas tanto quando grande como Nenê, Camisa e Peruche caíram com com dignidade sem querer virada de mesa, em cima do mesmo critério que é questionado.

    1. Antes de mais nada, obrigado pelo elogio. Concordo plenamente sobre a parte de que uma virada de mesa seria uma coisa pior que tudo. Como falei com um amigo meu que é do Vai-Vai: Prefiro o Vai-Vai no Acesso, mas um NOVO critério e um NOVO julgamento do que a manutenção da escola e de tudo que acontece.

      1. O carnaval de São Paulo está pobre e mecânico.. o componente não brinca mais, não tem mais o prazer de desfilar e sim está ali para executar uma função como se fosse um trabalho remunerado… as baterias estão chatas e mt parecidas com posturas previsíveis… estamos infinitamente longe do carnaval carioca a cada dia… e os culpados de tudo isso são os próprios presidentes das escolas juntamente com a liga que engessaram o carnaval de sp com regras e cláusulas… sds de uma encantadora rosas de ouro nos finais da década de 80, de uma camisa verde autêntica em 90 e assim vai

        1. Carlos, é exatamente isso!
          O Carnaval de São Paulo nos anos 2000 se tornou uma intensa obsessão pelo resultado de qualquer forma. Não há nenhuma forma de entretenimento na construção de um desfile ali, tudo está extremamente mecânico e voltado, exclusivamente, para o resultado. Parecem máquinas de robôs. O caminho, infelizmente, parece sem volta.

  2. Concordo com muita coisa, mas ano passado a Mocidade Alegre sequer foi julgada, teve nota máxima e um vice-campeonato muito contestado, mas nenhum comentário do autor do texto…

    Em relação ao Fake News de ontem, espero que continue no fake, que o Vai-Vai suba na pista. Duvido com o aval do prefeito, até na apuração ele foi, vão permitir uma virada de mesa, nem mesmo a detentora de transmissão.

    1. “Na parte plástica, entretanto, a Mocidade não foi bem. Com alegorias simples de concepção e sem grandes exageros de luxo, a escola apostou no acabamento de alto nível que apresentou. Nenhum carro estava exatamente bonito”, “No conjunto geral, a falta de uma plástica melhor impedia a briga pelo campeonato, mas a rubro-verde saiu da pista certa de que tinha retomado o caminho que levou a ser maior campeã da capital paulista no século.” e “Após os desfiles, a sensação era de que o título da Império de Casa Verde era o mais provável. Apesar disso, Mocidade Alegre, Dragões da Real e Acadêmicos do Tatuapé tinham chances de surpreender o Tigre. O Vai-Vai corria muito por fora nessa briga, mas a princípio estaria garantido no G5”.

      https://medium.com/@BrunoMalta__/o-que-o-carnaval-do-anhembi-vai-levar-de-2018-38b6ad149c8d

  3. Pra você como tá engessado, até a transmissão da globo, os comentaristas reclamam disso, só a liga mesmo não vê, mas o que se espera de uma instituição que não deixa entrar com. comida e não reforma a estrutura ultrapassada do sambódromo, pq ela tá mais pobre q a de Vitória em. Se liga.

    1. Parabéns Barroca, única escola raiz do especial, Pé Rachado está orgulhoso e triste ao mesmo tempo.

    2. Sim, vi alguns desfiles pela Youtube ao longo da última semana e vi, em algumas oportunidades, Celso, Aílton e Alemão reclamando do regulamento. Talvez seja um alerta para a Liga.

  4. vai vai camisa e nene me parece que situacao politica nos ultimos anos atrapalharao essas escolas tem escolas que me parece mais organizada que elas .com certeza domingo do acesso ano que vem anhembi vai esgotar ingresso !

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