Obs: para uma explicação do procedimento das prévias americanas e de alguns termos técnicos usados nesta coluna, leia a coluna explicativa

Logo depois do texto de ontem explicando como funcionam as prévias, é hora de começarmos os textos comentando os resultados e, em alguns casos, projetando o futuro dos próximos estados a fazerem prévias. Aqui no Ouro de Tolo periodicamente, haverá tais textos “interpretativos” dos resultados. Neste momento ainda estamos no momento de consultas dentro de cada partido, então temos duas corridas simultâneas, uma pela Partido Democrata e outra pelo Partido Republicano.

Hoje é dia de comentar as tradicionais duas primeiras prévias: a de Iowa, que ocorreu no dia 1° e a de New Hampshire, que ocorreu na terça-feira de carnaval. Tradicionalmente são elas que dão o pontapé inicial da corrida e os dois partidos fazem suas prévias no mesmo dia em ambos os estados.

Iowa e New Hampshire são dois estados pequenos, com pequena representatividade na política americana, porém o quadro resultante das duas é bastante indicativo por dois motivos:

New_Hampshire1°: os dois estados fazem parte daqueles classificados como “Campos de Batalha”, nos quais os republicanos e democratas alternam vitórias e que decidem de fato as eleições presidenciais (mesmo que New Hampshire esteja tendendo a se consolidar como um estado democrata em um futuro próximo).

2°: os perfis dos estados são totalmente diferentes. Enquanto Iowa tem seu processo feito em “caucuses” fechados, é um estado do meio-oeste americano com perfil mais conservador e fortemente evangélico, especialmente entre os republicanos. New Hampshire é um estado progressista, historicamente urbano, sem fortes influências religiosas. No partido republicano, ainda há uma forte diferença no universo eleitoral: enquanto em Iowa é fechado, em New Hampshire é semi-fechado. Já para democratas a diferença é meramente procedimental, Iowa é semi-aberto enquanto New Hampshire é semi-fechado.

Não a toa, desde que o procedimento atual das primárias foi adotado na década de 70, nenhum candidato que conseguiu ganhar Iowa e New Hampshire em conjunto perdeu a indicação do partido ao fim do processo. Pelos perfis bem diferentes, é difícil o mesmo candidato conseguir a vitória em ambos e nesse ano não foi diferente. Vamos analisar a situação em cada partido.

Partido Democrata

Em Iowa, o perfil mais conservador do eleitorado indicava que Hillary Clinton deveria ganhar o estado com folga. Para facilitar o seu trabalho, as prévias desse ano caíram em fevereiro, com o ano letivo universitário já tendo começado e concentrando o jovem eleitorado de Sanders em apenas 3 locais (justamente as 3 maiores universidades do estado). Obama em 2008 fora impulsionado por esse eleitorado jovem que, além de estar espalhado em suas casas por causa das férias, foram ótimos cabos eleitorais do então candidato.

As pesquisas de intenção de voto davam 30% de vantagem para ela em novembro. Porém Sanders foi ganhando espaço aos poucos e as pesquisas da última semana divergiram entre uma diferença de “apenas” 6% até uma grande diferente de 22%, mas todas concordaram que Clinton levaria a eleição.

A medida que os números da apuração foram chegando, todas as pesquisas foram desmontadas. O que se viu foi uma disputa voto a voto entre Clinton e Sanders que terminou sem o Partido declarar vitória para nenhuma das partes. Depois foi indicada uma vitória apertadíssima de Clinton por 49,85% a 49,58%. Porém a campanha de Sanders solicitou a revisão de alguns boletins e, dada a pequeníssima diferença, uma reversão de posições não é descartável para as próximas semanas. Prefiro declarar um empate técnico aqui. As projeções indicam que dos 44 delegados “comprometidos”, Clinton tenha ficado com 23 e Sanders com 21.

Mesmo que tenha perdido matematicamente, a vitória moral ficou com Sanders que emparelhou com Hillary em um estado claramente favorável a primeira e mostrou que mesmo com poucas doações e pouquíssimo apoio político na elite do partido, é possível fazer frente a Clinton.

Após o péssimo resultado em Iowa, o 3° candidato democrata, Martin O’Mailey, desistiu de sua candidatura, transformando a disputa democrata oficialmente em um tête-a-tête entre Clinton e Sanders.

Já em New Hampshire deu a lógica, com Sanders ganhando. Porém, mesmo sendo um pequeno estado mais progressista e colado ao também pequeno estado de Vermont, berço político de Sanders, ninguém poderia imaginar a pancada final: 60% x 38%. Na distribuição proporcional dos 24 delegados “comprometidos” do estado Sanders ficou com 15 e Clinton com apenas 9.

Tal resultado expressivo impulsionou ainda mais a campanha de Sanders mesmo com a metade de doações de Hillary (75 x 165 milhões segundo o opensecrets.org). Muito interessante perceber que um candidato que em todos os discursos bate constantemente no sistema de doações financeiras da política americana está não só conseguindo levar sua candidatura adiante como também mostrá-la como competitiva e robusta.

Detalhe: dos 75 milhões de Sanders, 54 milhões viriam de pequenas contribuições de eleitores. Dos 165 milhões de Clinton, apenas 19 milhões viriam desses pequenos contribuíntes.

Contagem parcial de delegados* (estimativa):

Sanders – 36

Clinton – 32

Número mágico: 2382,5

* Neste momento inicial não contaremos os “superdelegados”, pois dependendo do resultado das sucessivas primárias, é possível mudanças. Atualmente, pelo levantamento da CNN existem 399 “superdelegados” apoiando Hillary e apenas 16 apoiando Sanders. Tal fenômeno de troca de posição de “superdelegados” foi visto com intensidade quando da disputa entre Hillary e Obama há 8 anos atrás.

25-cruz-trump-kasich.w529.h352Partido Republicano

Os “Cruz Camps” fizeram a diferença e garantiram maciçamente os votos evangélicos para impulsionar Ted Cruz para a vitória com 28% dos votos. Para um candidato que jogou todas as fichas em Iowa e nem planejou fazer esforços em New Hampshire, essa vitória era obrigatória e ele conseguiu.

O “anti-político” Donald Trump, que já gastou 12 milhões do próprio bolso na campanha, ficou em segundo lugar com 24%. Se foi uma ducha de água fria nas expectativas, ele mostrou que realmente sua candidatura é para ser levada a sério, apesar de suas bravatas midiáticas.

Porém, talvez o real vencedor da noite, em ambos os partidos, foi o 3° colocado Marco Rubio. Rubio, para quem as pesquisas indicavam apenas uma votação em torno de 15%, conseguiu um desempenho impressionante com 22% dos votos e por meros 2 mil votos não roubou o segundo lugar de Trump.

Mas por que essa vitória moral? Simples, os republicanos influentes, digo a elite do partido e seus doadores, tem muitas reservas com Cruz e Trump, seja pelo extremo conservadorismo religioso do primeiro ou pelo comportamento indecifrável do segundo, e não querem que o partido apresente nenhum dos dois nomes.

Para ajudar Rubio, os outros 3 candidatos do “estabilishment” republicano, Jeb Bush, Chris Christie e Jonh Kasich juntos tiveram apenas 7% dos votos. Já Ben Carson ficou em 4° lugar com 9%.

Após os resultados de Iowa, os conservadores Mike Huckabee e Rand Paul desistiram da disputa.

Em delegados: 8 para Cruz, 7 para Trump e Rubio, 3 para Carson e 1 para Bush, Fiorina, Kasich e Paul.

Se todos imaginavam que New Hampshire serviria para enxugar o quadro de candidatos republicanos, o resultado foi o exato inverso. Dessa vez Trump converteu uma liderança nas pesquisas em uma vitória expressiva: 34% dos votos, uma quantidade muito forte se pensarmos nos 6 candidatos que fizeram campanha intensa em New Hampshire. Os votos de Trump foram impulsionados pelos eleitores independentes, mais uma vez colocando dúvida sobre a crença do partido de que Trump não conseguiria atrair o voto dos independentes, necessários para ganhar uma eleição presidencial. No geral das duas prévias, Trump é o candidato que teve desempenho mais robusto já que foi o único candidato a passar da marca de 15% em ambas.

O 2º colocado ficou com 16%, só que este segundo colocado foi aquele que ninguém esperava: John Kasick, justamente quem era considerado o mais próximo de abandonar dentre os quatro candidatos da “política normal” republicana (Bush, Rubio, Christie e Kasich). Com isso ele ganha energia extra para continuar a disputa e se posiciona como um dos mais fortes desses quatro.

tea_party_jt_120414_wblogO único candidato do “estabilishment” que conseguira boa votação em Iowa, Rubio, foi desmontado por Christie no debate anterior a essa prévia e isso resultou em apenas 11% dos votos e uma 5ª colocação. Ou seja, Rubio regrediu e deixou espaço para o crescimento de Kasich e Bush.

Já Bush ficou em 4º com os mesmos 11% de Rubio e fez o suficiente para a sua, agora, cambaleante candidatura se segurar até as prévias dos dias 20 e 23 no que provavelmente será a última tentativa de um bom resultado para Bush.

Chris Christie decepcionou mais uma vez, ficando em 6º lugar com apenas 7% e declarando desistência da campanha já no dia seguinte. Quem também tomou o caminho de casa foi Carly Fiorina. Já Ben Carson teve outro resultado ruim, com apenas 2% dos votos, mas ainda tentará jogar a sorte em South Carolina e Nevada.

Quem está mais atento já percebeu que eu citei o 1º, o 2º, o 4º e 5º colocado, mas quem foi o 3º? Ted Cruz! Pois é, o ultra-conservador e único representante do TEA Party ainda na disputa conseguiu impressionantes 12% dos votos em um estado teoricamente bastante refratário às suas posições e ficou em 3º lugar. Esse resultado deu um gás extra para aquele que deverá comandar as prévias nos estados do meio-oeste e sudeste dos EUA e mostrou que sua candidatura pode ter representatividade nacional.

Em delegados, Trump ficou com 10, Kasich com 4 e Cruz, Bush e Rubio com 3.

Ou seja, tudo ainda está muito indefinido no lado republicano.

Contagem Parcial de Delegados (estimativa):

Trump – 17

Cruz – 11

Rubio – 10

Kasich – 5

Bush – 4

Carson – 3

Número mágico: 1237

Próximas Prévias:

Democratas

Dia 20/02 – Nevada (35 delegados, proporcional)

Dia 27/02 – South Carolina (53 delegados, proporcional)

Dia 1/3 – “Super Terça” (865 delegados, proporcional)

Clinton tem um eleitorado muito forte e estável dentro do Partido Democrata em Nevada e isso pesa em um processo fechado de caucuses. Já South Carolina usa um processo de primárias abertas em um estado altamente republicano e isso pode causar distorções. Se Sanders conseguir um bom desempenho no campo minado de Nevada e atrair o voto de independentes em South Carolina como fez em New Hampshire, ele consolidará de vez sua candidatura e firmará uma disputa bem embaralhada contra Clinton, entrando com força na importante “Super Terça”.

Republicanos

Dia 20/02 – South Carolina (50 delegados, “vencedor leva tudo” modificado).

Dia 23/02 – Nevada (27 delegados, proporcional)

Dia 1/3 – Super Terça (653 delegados, formas variadas)

Já a disputa republicana continua embolada com 5 candidatos tendo chances: Trump, Cruz, Kasich, Bush e Rubio. Trump e Cruz continuam sendo os principais candidatos, um representando os “anti-políticos”, o outro representando a extrema direita. Provavelmente, ao longo da disputa haverá um candidato unificado do “establishment” para fazer frente aos dois. Mas quem será? E quanto tempo levará para ocorrer tal unificação? Essas são as respostas chave que não sabemos responder. Com sorte, logo após o quadro pintado pela Super Terça, haverá essa unificação.

Provavelmente, se aproveitando da fórmula “vencedor leva tudo”, Cruz terá uma forte vitória em South Carolina, que fica dentro do chamado “cinto da bíblia”, área do sudeste e centro americano com fortes características republicanas, conservadoras e evangélicas. Mas a prévia de Nevada é imprevisível.

Como gosta de dizer o Editor Chefe, “a conferir”.