Nas últimas semanas analisei aqui no Ouro de Tolo os sambas que passarão pela Marquês de Sapucaí no Carnaval de 2016. Agora, trago aqui minhas impressões acerca dos hinos das 14 agremiações que fazem parte do Grupo Especial de São Paulo. Antes de mais nada, acho importante salientar que os meus parâmetros para conceder as notas são os mesmos rezados pelos Manuais dos Julgadores. Por isso, falando dos sambas de São Paulo, trabalho sem subdivisão em letra e melodia e com um intervalo de 8,0 a 10,0, além de separar os erros em leves, médios e graves, como manda a cartilha. Por isso, as notas podem parecer um tanto mais rigorosas.

Falando da safra em si, é mais uma abaixo do que seria o ideal, mas é sem sombra de dúvidas a melhor safra desde 2012. Se de 2013 pra cá os CDs foram decepcionantes pela qualidade baixa das obras, neste ano temos um bom disco. Há, enfim, um processo de retomada na qualidade dos sambas e, o que é melhor, um resgate de várias escolas da característica do samba paulistano. Depois das safras problemáticas dos últimos anos (especialmente 2014), não daria mesmo para esperar uma safra espetacular de uma hora para outra. O importante é que melhorou bastante e há uma luz no fim do túnel.

O grande destaque do CD, uma vez mais, é a fantástica produção de todas as faixas. A falta de um coro das comunidades tira um pouco da “cara de Avenida” das obras, mas, à parte essa limitação, a produção é perfeita. O cuidado da produção ajuda a valorizar os sambas e é o ouvinte recebe um som “limpo”, bem cuidado e com adequações interessantes à voz de cada um dos intérpretes e ao estilo dos sambas. Se nos últimos anos a produção de Rodrigo Pimentel ajudou a “salvar” os CDs, neste ano ela jogou junto com a boa qualidade das obras e o resultado foi ainda melhor.

Agora sim, vamos aos sambas, na ordem inversa de minha preferência, e divididos em partes: hoje, a primeira, com cinco sambas. Amanhã, outros cinco sambas e na quinta-feira, os quatro melhores na minha opinião, além das notas de cada obra.

14) Mocidade Alegre: “Ayo… A alma ancestral do samba” – Igor Sorriso

Compositores: Gui Cruz / Luciano Rosa / Portuga / Rafael Falanga / Rodrigo Minuetto / Vitor Gabriel

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Se me dissessem na época da disputa que eu escreveria hoje que a Mocidade Alegre tem o pior samba do Grupo Especial, eu teria dificuldades para acreditar. Em uma safra com pelo menos seis sambas que poderiam figurar tranquilamente no topo dessa lista, a Morada acabou optando por uma obra de baixa qualidade e que me decepciona muito. Especialmente pelo nível do enredo, era difícil imaginar que a Mocidade teria em 2016 o seu pior samba em muito tempo.

A construção melódica da obra tentou unir características típicas dos sambas afro com um andamento mais alegre e alinhado às características mais recentes da Morada do Samba. O resultado não foi bom e a impressão ruim é acentuada pela falta de cuidado com a melodia em alguns trechos. A primeira parte, por exemplo, tem duas transições melódicas extremamente mal costuradas em “Kaô, Kabecilê, Xangô / Com seu oxé, o poder do trovão” e “A alma revela, o som contagia / Oyá… Seus ventos que sopraram pelo ar… Eparrei Oyá!”. Prestando atenção na letra (que é muito boa, por sinal, e conta a história do enredo com muita clareza), fica clara a opção por dividir a estrofe em três partes. O resultado, no entanto, foi desastroso.

É flagrante o abismo de qualidade entre a letra e a melodia. Um dos melhores trechos do samba em termos de letra, por exemplo, é “O corpo balança, a pele arrepia / A alma revela, o som contagia”. A melodia, porém, tem um andamento tão acelerado que acaba se prolongando nesses versos para que a mensagem consiga ser transmitida por completo. A primeira parte, apesar de todos esses pesares, termina com um bom casamento entre letra e melodia em “Na revoada encontra o novo mundo / E matizado com as cores desse chão / Salve a negra herança viva da nação”.

O refrão do meio é o ponto alto da obra. É um dos poucos momentos onde o andamento acelerado encontra um ótimo entrosamento com a letra, que transmite com clareza o momento em que os batuques ancestrais mostrados na primeira parte levam ao surgimento do samba. A segunda parte tem uma construção melódica bem mais calma e agradável, mas acaba sofrendo justamente pelo contraste com o resto do samba. A queda no ritmo da obra a partir do refrão do meio é impressionante. Em alguns momentos, os dois trechos não parecem fazer parte da mesma obra. Se a primeira parte já é um recorte de três desenhos musicais, a segunda entra como um quarto. O samba, no final das contas, não tem unidade, coesão, e é uma colcha de retalhos melodicamente falando. O que é curioso pois a letra, como eu já disse, vai na mão extremamente oposta.

Gosto muito da ideia de apresentar o samba como “profano ou sagrado” e também do momento em que o samba passa a ser o eu-lírico da obra. Se aproveitando de músicas conhecidas, a Mocidade “passa o bastão” para o samba nos versos “”A Voz do Morro” sou eu mesmo, sim senhor! / “Pelo Telefone” o Brasil revelou: “Eu sou o samba!””. Nesse verso, a propósito, está a melhor transição melódica de toda a obra. É muito bem feito. Também me agrada bastante o verso “Sou a nobreza que invade os terreiros”. A obra ainda apresenta dois bons refrães colados. O primeiro segue a linha mais comedida da estrofe anterior e tem como melhor trecho o verso “E quando cresci fiz escola”. O segundo já apresenta a correria da primeira parte, mas não compromete. Igor Sorriso tem desempenho fantástico, se afirmando como um dos melhores cantores da atualidade, e ajuda a levantar o samba.

13) Pérola Negra: “Do Canindé ao samba no pé. A Vila Madalena nos passos do balé” – Juninho Branco

Composição: Jairo Roizen / Celsinho Mody / Guga Mercadante / Nando do Cavaco / Marcelo Zola / Sidney Arruda / Filosofia Diley / Xandinho Nocera

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O samba me surpreendeu bastante. Depois de alguns anos apostando em sambas densos e melodiosos, a Pérola Negra resolveu se soltar e apresenta um samba alegre, animado e que contagia. Tem algumas falhas se partirmos para uma análise mais técnica, mas sem dúvida alguma tem ótimo potencial e é um dos mais agradáveis de se escutar no CD (imagino que será assim também no desfile, mas isso só se saberá no dia). Popular, peca pela falta de cuidado com alguns erros bobos, mas passa bem.

O refrão principal é sem dúvida alguma o ponto altíssimo da obra. A melodia é uma maravilha e a letra é um convite para entrar no espírito do enredo e sair dançando: “É na ginga da dança… que eu vou / Solta o corpo e balança… amor”… Também gosto muito do início da primeira parte, especialmente dos versos “É carnaval, a minha vila contagia / A joia rara te convida pra dançar”. A construção melódica pede o tempo todo os tons mais altos a partir do verso seguinte, o que começa a ser um problema quando os versos são curtos e exigem tons ainda mais altos para se encaixarem na melodia. Tal problema aparece em “A revoada cortando o ar” e “O índio cantou e dançou a noite inteira”. O andamento mais acelerado, porém, é um acerto que contribui para que o samba flua com facilidade. Há apenas um verso que destoa nesse conjunto e acaba se arrastando: “Nas águas o bailar da sutileza”.

O refrão do meio também se perde melodicamente pelas subidas excessivas no tom. O que é apenas um incômodo nos demais trechos acaba se tornando desagradável em “Fazendo festa pro seu rei coroar”. Já a entrada da segunda parte é muito boa e tem melodia bastante agradável em “Eh sanfoneiro puxa o fole bem ligeiro / Pra folia começar”, mas apresenta um prolongamento um pouco incômodo no verso “Bate zabumba e pandeiro”. Na sequência, entretanto, o samba vive ótimo momento ao passar o clima da Vila Madalena dos bares. O bairro de onde vem a Pérola Negra é apresentado como o lugar em que “Nas ruas o povo espalha alegria” e vem “Ritmando a cultura da arte popular”. O encerramento do desfile mostrará momentos em que a Vila Madalena reuniu gente de todo o mundo como a Copa de 2014, e também lembrará o cemitério do lado da antiga quadra da escola. Daí surge o ótimo trecho: “Olé,olé… Olé, olá… faz mais um eu quero ver a galera delirar / E nesse embalo lá vou eu / Na Vila Madalena, samba até quem já morreu!!!”. Esses versos resgatam o samba-enredo paulistano da década de 90, que era alegre, divertido, e “jogava para a galera”. Foi um acerto e tanto. Juninho Branco, pela primeira vez cantando fora de Itaquera, tem bom desempenho.

12) Acadêmicos do Tucuruvi: “Celebrando a religiosidade, Tucuruvi canta festas de fé” – Alex Soares

Composição: Arlindo Neto / Bruno Govetri / Carlos Jr. / Igor Soró / João Batucada / Leandro Augusto / Marcelo Pires / Tim Peixoto

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Outra grande decepção nessa safra. Depois de apresentar grandes sambas nos últimos seis Carnavais, a Tucuruvi apresenta em 2016 uma obra de baixa qualidade e que não empolga. Em vários momentos, o samba passa bem, sem descompassos melódicos, e com uma letra que apresenta com clareza diversos pontos do enredo. No entanto, não há muita criatividade nos desenhos musicais e a opção por uma construção melódica mais densa acaba, em alguns momentos, contribuindo para o arrastamento do samba.

Um dos pontos positivos, para começar com elogios, é o refrão principal. É bonito, tem um verso interessante (“Acreditar pra ser feliz”) e cumpre bem o seu papel. A primeira parte, porém, começa com alguns tropeços. Primeiro, os versos “Eu vou comemorar / Na festa da santa cruz / Um dom divino reluz” acabaram um pouco deslocados em relação ao resto da estrofe, quebrando o conjunto da letra. Depois, um pouco mais à frente, vem a minha maior surpresa negativa quanto à obra. À época da disputa, o samba apresentava uma melodia maravilhosa no verso “Miscigenou com gente vinda de além-mar”, que puxava uma transição melódica extremamente bem feita e melodiosa. Agora, não só ficou desagradável com uma subida de tom esquisita, como também quebrou o conjunto melódico. Uma pena.

O refrão do meio tem uma letra simples e bem feita, mas peca pela melodia. Os versos são curtos demais e acabam sendo prolongados de maneira incômoda para “fechar” com os desenhos melódicos, o que mais uma vez acaba contribuindo para o arrastamento do samba. Para piorar, ele tem uma melodia bastante destoante do resto da obra, o que atrapalhou um dos grandes momentos do samba: a entrada da segunda parte com os versos “Levanta a poeira do chão… sinhô / Ajeita o laço de fita… sinhá”. É gostoso de ouvir, mas é fruto de uma quebra melódica após o refrão do meio e prepara outra quebra melódica a partir do verso seguinte. O mesmo ocorre entre do verso “Arrasta-pé no balancê a noite inteira” para o verso “Lá no céu, uma estrela anuncia”. A partir deste verso, aliás, o samba vive seu melhor momento com uma letra interessante e uma mensagem bonita: “Vamos plantar fraternidade / Um brinde à felicidade / Unindo a família, é tempo de amor / Vivendo a paz do redentor”. Alex Soares conduz o samba com segurança, mas tem um grave problema de dicção que compromete muito seu desempenho.

11) Dragões da Real: “Surpresa! Adivinhe o que eu trouxe pra você?” – Daniel Collete

Composição: Armênio Poesia / Xandinho Nocera / Wagner Rodrigues / Fredy Vianna / Maurinho da Mazzei / Tuca Maia

O interessantíssimo enredo dos presentes deu à Dragões da Real um samba correto. Melodia bem trabalhada, letra que explora bem todos os pontos do enredo e algumas boas sacadas que trazem o público para o espírito do enredo. Não é, no entanto, um samba que empolga. Mesmo não sendo a empolgação a marca maior dos últimos sambas da Dragões, este, ao contrário dos outros, é carente de um pouco mais de criatividade, explosão. Não é ruim, mas decepciona um pouco.

A letra é bastante inteligente em vários pontos. Um deles é o refrão principal, que responde ao questionamento trazido no título do enredo de maneira interessante. “Nossa história o amor revela / A surpresa chegou: é ela!”. Aqui começa, depois de toda a história contada no enredo, a ser revelada a surpresa. Essa revelação vem através do amor pela escola, que é um ponto marcante em muitos sambas da Dragões. Na sequência, enredo e escola se associam através de uma missão: “O mesmo ideal, brilhar no carnaval / Dragões da Real”. São rimas simples, mas bem costuradas e que constroem um conjunto e conferem unidade à letra.

O samba apresenta uma construção melódica cuidadosa na primeira parte, enquanto a letra também descreve o desfile com muita fidelidade. O eu-lírico é o próprio tema do enredo, os presentes, e estes são apresentados com algum lirismo na medida do possível: “Sou eu… O porta-voz da alegria / A magia que desperta emoções”. Acho apenas que todo esse cuidado a melodia foi por água abaixo em “Tenho orgulho de ser Dragões” pois a letra é atropelada pela melodia. Esse verso, aliás, nos leva a uma observação importante. O samba acaba criando uma armadilha para si mesmo e é nesse verso que acaba derrapando.

O refrão principal, como se viu, revela a Dragões como presente. O resto do samba, porém, aponta os presentes mostrando suas qualidades e sua presença na história da humanidade. Até aí, tudo bem. Conta-se uma história e revela-se uma surpresa no fim. O problema é que esse verso “Tenho orgulho de ser Dragões” indica uma relação de proximidade entre o eu-lírico e a escola, o que definitivamente destoa do resto da letra. A armadilha, portanto, foi construir uma letra com os presentes falando em primeira pessoa. Isso automaticamente “matou” qualquer outra associação entre o eu-lírico e a escola. Também acho de difícil compreensão o verso seguinte: “Sou eu… O pensamento, a oração”, visto que na verdade isso seria uma consequência de um presente e não uma característica do mesmo. Por outro lado, esse trecho tem uma melodia crescente que foi muito bem trabalhada.

Já o refrão do meio é animado e divertido: “Me pega, me leva, mas preste atenção / A fama de “grego” não quero não! / Fui abandonado, deixado de lado / Meu bem me tira dessa confusão”. Seria perfeito se também não caísse em uma armadilha trazida pela funcionalidade do samba. A construção da letra privilegiou aspectos inerentes aos presentes e não sua história, de modo que esta estrofe essencialmente histórica destoou completamente do resto da letra. Por outro lado, o início da segunda parte tem uma letra muito bacana: “Saudade serei sua imagem / A lembrança renasce no olhar / Fiz da ilusão realidade / Da felicidade o meu lugar!”. É uma segunda parte bonita, que traz características de sambas anteriores da escola e tem uma boa passagem em “Caminhei unindo sonhos e paixões”, mas acaba pecando apenas em dois momentos: na transição mal resolvida entre os versos “De mão em mão, por gerações” e “São tantos momentos e dias” e por novamente cair na armadilha do eu-lírico. Os versos “Vou me entregar nesta folia / Provar o meu real valor” são ótimos pela sacada do “me entregar” associado a entregar um presente e pela ideia de que esse presente vem revelando o seu valor, o que se encaixa perfeitamente na escola, mas já estão justamente encaixados com o presente que só vai ser revelado na sequência. Um deslize leve, mas ainda assim um deslize. Daniel Collete mais uma vez fez ótima gravação e deu outra vida ao samba.

10) Nenê de Vila Matilde: “Nenê apresenta seu musical: Rainha Raia nas asas do Carnaval” – Agnaldo Amaral

Composição: Kaska / Silas Augusto / Zé Paulo Sierra / Vitão / Sandrinho / Juninho da Vila / Claudio Matos

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A Nenê de Vila Matilde aposta no Carnaval de 2016 em uma homenagem aos 30 anos de carreira da atriz Cláudia Raia. O samba pode não ser um espetáculo como foi o de 2015, mas é bastante competente. Com uma construção melódica mais leve e uma letra que alterna passagens mais poéticas com expressões mais coloquiais e referências à papéis marcantes da atriz homenageada. A característica mais marcante da obra são as alternâncias muito bem construídas entre as passagens melódicas mais cadenciadas e as mais aceleradas. A construção foi muito bem planejada, valorizando assim os diversos pontos abordados pela letra. Em resumo, a Águia da Zona Leste tem um hino com bom potencial para o desfile, mas que apresenta algumas falhas se analisarmos de maneira um pouco mais atenta.

O ponto alto do samba é o excelente refrão principal. Com um andamento mais acelerado, muito característico da Nenê, a estrofe contagia e convida o público para entrar na essência do enredo através de uma letra muito bem construída. Há um trocadilho óbvio e muito pertinente em “Quem é da Vila, não foge da Raia” e apresenta muito bem o enredo em “Entra na dança desse Carnaval / Com a Rainha do teatro musical”. A primeira parte do samba aposta em uma construção bastante melodiosa, em perfeita consonância com a letra, que inicia o “musical” com os primeiros passos de Cláudia Raia, ainda criança. Ainda que opte por uma melodia mais cadenciada, a cabeça do samba consegue contagiar e tem um ritmo suave e agradável.

Na primeira parte, o samba acaba tropeçando nos versos excessivamente prolongados, que provocam subidas de tom incômodas, como se vê em “Surgiu assim linda Julieta” e “Lá vem o grande domador”. Por outro lado, a letra se destaca pela clareza e por alguns trechos muito interessantes como “É fantasia que dá e passa / Paixão tão louca que arrebata / E a menina se transformou…”. Esse trecho, que encerra a primeira parte, inicia o momento do enredo em que Cláudia começa a ganhar os palcos. A transição melódica da primeira parte para a estrofe principal é outro ponto interessantíssimo, visto que o samba retoma as características menos cadenciadas e os desenhos musicais mais alegres vistos no refrão principal. No entanto, dentro dessa estrofe, há um descompasso entre os dois primeiros versos e os dois últimos, chegando inclusive a haver um arrastamento em “De musicais em musicais / Pelo mundo despontou”. Há um claro contraste com o início da estrofe, “O Mestre mandou dançar (ôôô) / A moça rodou a saia, dançou”, cuja letra é uma das mais bem feitas de toda a obra.

Por outro lado, a saída do refrão do meio para a estrofe anterior ao refrão principal é sensacional. Com versos mais curtos e um andamento mais acelerado, o samba entra no seu trecho mais popularesco. O verso “Artista em toda forma de expressão” começa a viajar pelos papéis mais famosos de Cláudia Raia. Nesse trecho, o destaque fica para as fantásticas passagens melódicas em “Engraçadinha na Tv e no cinema” e “A favorita dentro do meu coração”. Há ainda uma boa transição melódica deste verso para “Sassaricando vem mostrar o seu valor”, bem como de “Divina dama que o teatro apresentou” para “Hoje… num palco iluminado”. A partir desse verso, o samba apresenta sua última mudança na construção de seus desenhos musicais e volta a apresentar um andamento mais cadenciado. Ainda há uma ótima passagem em “Cláudia guerreira a nos emocionar / E a Zona Leste / Canta forte para te exaltar”, mas, um pouco antes, o samba acaba escorregando pela repetição do trocadilho com o sobrenome da homenageada, que já aparece no refrão principal, no verso “Nas Raias da vida a consagração”. Um outro detalhe que me desagrada um pouco no samba é a falta de clareza da letra no sentido de ser cantado em segunda ou terceira pessoa. Agnaldo Amaral tem ótimo desempenho na condução do samba, fazendo assim uma das melhores gravações de sua carreira.

2 Replies to “Uma análise sobre o CD do Grupo Especial de São Paulo – Parte 1”

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