Todas as semanas praticamente bato nessa tecla. Semana passada mesmo fiz uma coluna “Lado A x Lado B”, sobre os extremistas que se dividem entre os “reacionários” e os “defensores de bandidos”.

Aí essa semana matam e arrastam um policial em um cavalo e a polícia mata um cara e coloca arma na sua mão para fingir confronto. Como falo quase todas as semanas, sou contra qualquer tipo de morte e bandido, seja o oficial ou de farda, tem que ser punido com os rigores da lei.

Assusta e entristece a situação de hoje. Dá medo ver que podem amarrar um ser humano a um cavalo e destroçá-lo ou os homens que recebem para nos proteger podem ser nossos maiores algozes. Não é porque alguém teve passagem pela polícia que merece ser executado. Ninguém merece ser arrastado por um cavalo.

Mas confesso que a ação da polícia me assusta mais. Porque de traficante, bandido espero tudo. De policial, não.

Então. Cansado dessa situação e de ficar me repetindo, coloco aqui uma coluna que publiquei no meu blog em 2013 para mostrar que nada mudou. Seja em relação a 2013, seja em relação a 1993.

Infelizmente.

OS CAVALOS CORREDORES NO BRASIL QUE NÃO ANDA

Doze dias atrás ocorreu um sombrio aniversário. Os vinte anos da chacina de Vigário Geral e assisti um “Arquivo N” na Globonews sobre o assunto.

Em 29 de agosto de 1993 a favela de Vigário Geral foi invadida por trinta e seis homens encapuzados e armados que arrombaram casas, invadiram bares e executaram vinte e um moradores. Vinte e um inocentes.

A noite festiva daquele 29 de agosto de 1993, em que o Brasil vencera a Bolívia por 6 a 0 pelas eliminatórias da Copa e encaminhara sua classificação para o Mundial de 1994, ganhava ares de tragédia e indignação.

No dia anterior, quatro policial militares foram assassinados na Praça Catolé do Rocha, no bairro de Vigário Geral – a chacina foi na favela, outro lado da linha férrea. A motivação, o que aqueles quatro PMs estavam fazendo ali, nunca foi totalmente esclarecida, apenas que do enterro partiu o desejo de vingança.

O grupo de extermínio formado pelos PMs chamado “Cavalos corredores” invadiu a favela atrás dos traficantes que mataram os colegas. Mas traficante pode ser tudo, menos burro. Eles sabiam que haviam se encrencado com aquelas mortes e já estavam muito longe na hora da invasão deixando a comunidade à mercê dos exterminadores.

Os cavalos corredores começaram por um bar atirando em todos. Um sobrevivente contou que teve que se fingir de morto e praticamente engolir sangue de um amigo que caiu por cima dele para que não percebessem que estava vivo. Logo depois os policiais bandidos invadiram uma casa. Não iriam matar os membros da família, mas o capuz de um dos bandidos caiu e ele disse “agora temos que matar”. Mataram para evitar o reconhecimento. Menos as crianças porque um dos exterminadores pertencia a uma religião afro e a entidade que seguia não permitia o maltrato de crianças.

Vinte e um inocentes mortos. No dia seguinte os corpos foram colocados na rua, lado a lado em caixões parecendo uma cena de guerra. Os moradores indignados exigiam providências, a imprensa toda cobrindo relatava o ocorrido na favela e chocava o país. Aos poucos suspeitos foram identificados e presos.

Durante os anos alguns conseguiram provar inocência graças a gravações escondidas na cadeia onde provaram culpa de outros. Uma parte dos assassinos confessos em gravações foi inocentada por a lei brasileira não permitir que gravações escondidas sejam utilizadas como prova de acusação, apenas defesa.

Poucos foram os condenados, poucos ainda estão presos.

Da chacina de Vigário Geral surgiu a Casa da Paz. A casa da família chacinada que eu relatei acima virou um local de atividades culturais para as crianças da favela. Também surgiu o AfroReggae, uma ONG destinada a cuidar de jovens carentes com potencial de se envolver com criminalidade. A ONG utiliza projetos sociais como dança, percussão, futebol, reciclagem de resíduos e capoeira.

A casa da paz hoje está fechada. O AfroReggae foi para outras comunidades e teve sua sede no Alemão incendiada esse ano mostrando que a luta está muito longe do fim.

Vinte anos. Vinte anos de uma grande tragédia que não foi a única. Na mesma época tivemos o massacre do Carandiru em 1992 e a chacina da Candelária poucos meses antes de Vigário Geral. Tragédias, massacres e impunidade que se repete a cada dia nesse país.

Em um círculo vicioso macabro de um país que tem medo e não sabe em quem confiar. Que lembra com tristeza de Vigário Geral e ainda se pergunta onde está o Amarildo. A cada dia nossa paz, nossa integridade, nossa fé e nossa esperança são vítimas de chacina.

Vigário Geral não faz parte do passado do Brasil, é presente e se faz presente cada vez que pessoas que deviam proteger e cuidar da população nos escarra, debocha da nossa cara. Sejam bandidos que usam farda, bandidos piores que os “normais” porque traem aqueles que pagam seu salário e confiam em sua honestidade.

Sejam aqueles que passam seis anos dentro de uma faculdade se preparando intelectualmente, profissionalmente e mentalmente para cuidar da saúde desse país e são capazes de ir a um aeroporto xingar de escravos aqueles que chegaram aqui para cuidar de nós. Pessoas que vieram trabalhar em lugar que ninguém quer.

Brasileiro tem muitos defeitos, mas sinceramente não sabia que xenofobia fosse um deles. Todos têm direito de trabalhar onde quiser, trabalhar em boas condições, mas temos que lembrar que pobre que mora nos grotões do Brasil também fica doente, também tem câncer, que talvez um caroço que apareceu em seu corpo não seja mordida de mosquito como pensa.

Não importa a cor de pele, de onde vem ou se o médico tem cara de empregada doméstica. O que importa é que cure.

O que importa é que aqueles responsáveis para gerir o Brasil, fazer leis, melhorar nossa condição de vida sejam honestos e botem a “cara a tapa” em suas atitudes. Não se escondam através de voto secreto para manter mandato de colega que está preso. Um dos piores crimes que existe é o da covardia.

Voto secreto só serve para tempos de exceção. Pra quê esconder de seu eleitor aquilo que pensa? Aquilo que quer? Voto secreto é “oficina do diabo” assim como mente vazia. É dar oportunidade a falcatruas, negociatas, corrupção, corporativismo no pior da palavra.

É dar oportunidade de bandido preso continuar deputado e assim dar um tapa na cara da sociedade. Cadê o gigante? Dormiu de novo? Vai deixar que tudo isso ocorra? Ou o tal movimento de mudança do país virou uma grande micareta do mal com pessoas gritando, cantando, batucando e se mascarando pra quebrar cidades e atacar políticos de forma específica atendendo a interesses?

Será que os bandidos presos é que terão que se revoltar e mostrar indignação por ter um deputado entre eles? Melhor pedir ajuda ao Obama já que ele sabe tudo o que pensamos e fazemos mesmo..

O deputado que vota secretamente, o anônimo baderneiro, o xenófobo escondido com uma máscara de cirurgião, o massagista que entra em campo e interfere em um resultado no futebol e o cavalo corredor encapuzado tem uma coisa em comum.

São covardes.

E de covardia estamos cheios.

Na chacina do dia a dia sempre somos nós que morremos.

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