Os leitores que vem acompanhando o noticiário já devem ter percebido as queixas da indústria automobilística quanto à retração econômica. Notícias dando conta de queda de vendas e acordos a fim de evitar demissões tem sido frequentes neste ano de 2015.

Obviamente, aspectos como o limite de endividamento das famílias e a própria elevação das taxas de juros contribuem para esta retração, mas não será o foco deste artigo. E sim mostrar que nem todas as montadoras podem colocar na redução do ritmo de vendas esta diminuição de vendas.

Refiro-me ao trio que há anos domina as vendas de automóveis no Brasil: Volkswagen, Fiat e General Motors. Mas especialmente a primeira, que enfrentou uma greve em janeiro por conta de 800 demissões e, naquele momento, voltou atrás.

14335573Entretanto, a montadora de origem alemã não deve ao momento atual da economia a sua queda nas vendas, e sim, especialmente, ao fato de seus modelos, hoje, terem uma relação entre custo e benefício pior que a de seus concorrentes diretos – além de novos fabricantes terem entrado com produção própria no mercado brasileiro.

Vejamos.

Segundo dados da Fenabrave, reproduzidos pela revista Quatro Rodas (o acesso aos dados no site da entidade é restrito), em 2004 a Volkswagen respondeu por 22% do mercado brasileiro de automóveis de passeio. Este percentual vinha se mantendo mais ou menos o mesmo até 2012 – à exceção de 2009 – até cair abruptamente em 2013 para 18% e 17% em 2014.

Em 2009, a montadora alcançou 25% de mercado, um número que não havia atingido nos cinco anos anteriores e que não voltaria a atingir. A explicação é simples: no segundo semestre de 2008 a nova geração do Gol havia sido lançada, sendo um rompimento radical com as versões anteriores. A seu reboque vieram novas versões de Saveiro e Fox e foi relançado o Voyage.

Gol, Voyage e Fox, em 2009, respondiam por 515 mil veículos de um total de vendas da montadora de 668 mil – ou seja, 77%. Em 2014, os três veículos mais o Up (que dividiu vendas com o Gol) somaram 419 mil carros vendidos em um total de 566 mil unidades vendidas pela Volkswagen – ou seja, 74%.

O dado mais importante, porém, é que em 2009 o mercado nacional absorveu 2,64 milhões de unidades, contra 3,33 milhões em 2014, Ou seja, a Volkswagen vendeu 102 mil carros A MENOS em um mercado que vendeu 690 mil unidades A MAIS.

GM e Fiat também sofreram, mas menos: a primeira vendeu aproximadamente 537 mil veículos em 2009 e 579 mil em 2014, A Fiat, 661 e 698 mil, respectivamente. A favor desta última deve-se lembrar que o Uno Mille, que coexistia com a versão nova do Uno, teve de sair de linha por causa da obrigatoriedade de air bag e ABS e ainda não foi totalmente substituído – o Palio Fire, reposicionado, vem ocupando seu papel, mas um novo subcompacto deverá ser lançado no final deste ano ou no início de 2016.

O leitor pode lembrar que a Kombi também saiu de linha em 2014 pela mesma motivação, mas o utilitário vinha vendendo algo em torno de 25 mil unidades/ano, bem menos que o Mille – e a VW simplesmente deixou seu comprador sem opção na linha de produtos, ao contrário do que fez a Fiat.

A participação somada das três montadoras, que era de 71% do mercado em 2009, é de 56% em 2014 – um encolhimento de 21% em apenas cinco anos. Como se pode ver, coube à alemã a maior fatia desta perda de mercado.

Quem me acompanhou até aqui deve estar se perguntando o porquê disso.

Aí vamos ao site da Volkswagen. Um Gol topo de linha, com câmbio automatizado, pintura perolizada e todos os opcionais, sai a estratosféricos 61 mil reais no configurador do site da montadora – ver print abaixo, da última terça feira. Para se ter uma ideia, o Novo Ka da Ford sai completo a R$45 mil, embora não tenha a opção de câmbio automático – mas com ítens de série como assistente de ladeira e controles de estabilidade e tração, não disponíveis no Gol.

Gol CompletoCom R$3 mil a mais se compra um New Fiesta Titanium automático completo, carro de uma categoria acima – e com sensores de chuva e de farol, sete airbags, ar condicionado digital, direção elétrica, piloto automático e motor 1.6 com 30 cavalos a mais que o do Gol. Ou um Peugeot 208 com configuração semelhante.

O leitor pode argumentar que o Gol é um modelo de entrada e ninguém compra um topo de linha. Ok. O modelo básico, com duas portas e sem ar condicionado, direção hidráulica ou preparação de som, sai a R$31 mil. O Palio Fire, que seria seu concorrente direto – em especial nas vendas a frotistas, que fazem volume de vendas – sai a R$29 mil tão desprovido de itens quanto – e vai a R$ 32,2 mil com ar, direção e vidros elétricos. O Gol com ar e direção vai a R$ 33,4 mil – e sem vidros/travas elétricos.

Vale lembrar que o projeto do Gol é praticamente o mesmo de 2008, com pequenas atualizações – e, somado ao preço, começa a se entender porque o carro vendeu 303 mil unidades em 2009 e 183 mil ano passado.

Vamos ao Fox. O modelo completo, com apenas dois air bags e câmbio automatizado, sai a R$64 mil – 67 se quiser teto solar. Sessenta e sete mil reais por um Fox, que, ao contrário de modelos como o New Fiesta ou o Hyundai HB20, está defasado. O Voyage topo de linha sai a quase 70 mil reais.

Aliás, olhando os números de vendas fica claro como o HB20 fez um estrago naquele segmento que, excetuando-se as vendas a frotistas, é o de maior tamanho no mercado brasileiro. Lançado no final de 2012, o modelo (somadas as versões hatch e sedã) vendeu 122 mil carros em 2013 e 120 mil em 2014 – obviamente, muitos compradores de Palio, Gol, Voyage e Siena migraram para o modelo da fábrica coreana, mais atualizado e com maior oferta de equipamentos.

Poderia dar outros exemplos aqui, mas o exposto já deixa claro que, mais que a retração econômica, o que deixa cheios os pátios da montadora alemã são os carros defasados e caros que compõem seu portfólio atualmente, com uma relação custo-benefício que deixa bastante a desejar. Fora do segmento de entrada um raciocínio semelhante (carros caros e defasados) pode ser estendido à Fiat, mas esta sofreu menos porque em seu mix de vendas os modelos de entrada (Palio/Uno) são amplamente dominantes.

Finalizando, apesar de iniciativas como o Up (igualmente caro quando comparado à concorrência), a impressão é que a fábrica de origem alemã ainda se mantém presa ao cenário onde existiam apenas quatro montadoras no mercado brasileiro e não se podia importar veículos. Os tempos, hoje, são outros – e não adianta colocar a culpa na Presidenta Dilma, no Levy ou nos juros.

Imagem: Uol

9 Replies to “O Gol, a VW e a queda nas vendas”

  1. Perfeito o artigo.

    As montadoras mais tradicionais se acomodaram com o fato de vender carros simples a preço de ouro em função da falta de opções para os consumidores brasileiros e também da acomodação dos próprios consumidores em aceitaram pagar caro por pouco. Agora, com a entrada de outras montadoras, que chegaram com mais ofertas de carros mais completos e com preços menos abusivos (os preços dos carros aqui no Brasil podem render um artigo à parte) o cenário começa a mudar, ainda que lentamente, na minha opinião.

    Outro exemplo que podemos usar para ilustrar o tema do artigo são os preços de dois carros: Palio Adventure (modelo mais top) e HR-V (o SUV compacto lançado recentemente pela Honda e que fez um estardalhaço nesse segmento). O primeiro é vendido por nada menos do que 65.000,00, e é um utilitário sem grandes opcionais. Já o segundo, tem o seu modelo de entrada, com mais opcionais do que o primeiro, e é vendido por 69.500,00. A disparidade é assustadora.

    E além dos carros da VW que foram citados, especialmente o Gol, podemos citar o Sonic e o Agile da GM, que são carros simples e que custam preços absurdos.

    1. O Agile saiu de linha, não? Algo interessante aconteceu com a Ford, que quando percebeu que estava ficando para trás tratou de modernizar a sua linha

      1. Não sei se o Agile saiu de linha, mas quando ele estava sendo fabricado, estava com um preço ridículo também. Ponto para a GM caso ela tenha mesmo tirado de linha um carro simples e vendido a preço de carro bom.

  2. Não acho que é só um problema da Volks, hj no Brasil todas as montadoras estão acostumadas com um lucro por unidade incrível, mesmo pagando impostos altos, oferecem produtos com baixo custo de produção por preços fora da realidade , por exemplo: gol, voyage, saveiro, fox , cross fox , são praticamente os mesmos carros , com preços muito diferentes entre modelos , sendo que a mão de obra e matéria prima usados são praticamente os mesmos , trabalhei quase 19 anos na GM e o mesmo montador que monta um Cruze de mais de R$80000, montava também o Classic de quase R$30000.
    Não há linhas sufucientes para descrever tudo que elas ( montadoras ) fazem para enganar o consumidor aqui, no Cruze eliminaram até o protetor de carter para eliminar custo , a maioria não olha isso na compra e passa batido.
    Mas o consumidor está cada vez mais atento e alerta nos preços , na desvalorização enorme depois de 1 ano de uso , preço de revisão etc, onde a vantagem de se comprar um semi novo é enorme e todas montadoras já estão sentindo .
    Não é por acaso que houve uma procura enorme das montadoras para se instalarem aqui, pois , os brasileiros compram carros básicos por preços enormes e acham que dirigindo uma Ecosport ( que é um Fiesta levantado ) estão dirigindo um Jeep ou uma Escalade .
    Pra finalizar , Fernando Collor disse que nossos carros eram todos “carroças ” e continuam sendo, quem quer um carro com um pouco mais de requinte aqui paga mais de R$100000 , a Volks é só mais uma delas .

    1. Perfeito o comentário, Roberto.

      Mas também concordo com o Migão de que a situação hoje é menos prostituída do que há 10, 15 anos, quando não haviam opções de carros bons a preços menos abusivos, conforme citei no meu comentário acima.

      Logicamente que ainda falta muita coisa para chegarmos ao nível de outros países da América Latina e EUA, que vendem carros com preços realmente justos e sem essa exploração cruel que é aqui no Brasil, mas aos poucos o brasileiro vai mudando sua cultura e ficando mais esperto dentro desse mercado.

  3. A volkswagen está onde deveria estar…comendo poeira….seus carros caros e defasados não fazem páreo para os concorrentes com produtos mais modernos. O Gol já era tempo de perder a liderança junto com a Volkswagen. Vejam o Golf parece uma brasilia atualizada. A questão é simples, deixem de pensar que brasileiro é idiota e ofereçam produtos competitivos a preços realistas,até lá ainda vão comer muita poeira.

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