Aprendi a gostar de escolas de samba a partir dos blocos de enredo, sobretudo por causa do Canários das Laranjeiras (meu tio foi presidente da agremiação) e do Leão de Nova Iguaçu, onde desfilei. A tradição dos blocos de enredo no Rio de Janeiro, sem os quais não se conta a história do carnaval carioca, atingiu o ápice entre as décadas de 1960 e 1970. Os blocos desfilavam com a mesma estrutura das escolas de samba, apenas em dimensões menores em relação ao número de componentes e carros alegóricos – normalmente as agremiações passavam apenas com o abre-alas e alguns tripés.

O desfile dos blocos de enredo era tão importante que, durante muito tempo, eram eles que abriam o carnaval na passarela, se apresentando no sábado de carnaval [1]. Os blocos eram considerados, inclusive, importantes formadores de sambistas e carnavalescos para as escolas de samba. Como, afinal, contar a história da festa sem falar de Canários das Laranjeiras, Vai Se Quiser, Difícil é o Nome, Flor da Mina, Unidos de São Cristovão, Boi da Freguesia, Embalo do Catete, Arranco, Arrastão de Cascadura, etc.

A tradição dos sambas de enredo dos blocos também é farta. Sambas como Ganga Zumba e Tempo de Obrigação, dos Canários das Laranjeiras; Hilário Ojuobá, do Vai Se Quiser; A Sacerdotisa do Afefé, da Flor da Mina do Andaraí; O engenho mal-assombrado, da Flor da Mina do Andaraí; se colocam entre os maiores do gênero em qualquer época. Compositores consagrados como Carlinhos Sideral, Dario Marciano, Chocolate, Pedrinho da Flor e Noca da Portela, foram atuantes autores de sambas para os blocos.

Só para dar exemplos da riqueza desse legado, vale lembrar que Didi, o grande compositor da União da Ilha do Governador, costumava dizer que sua obra-prima era O segredo das águas dançantes, samba que fez para o Boi da Freguesia (bloco que virou depois a escola Boi da Ilha do Governador – e confesso que nunca simpatizei com a mudança do nome). Consagrado compositor da escola de samba do bairro, Didi afirmava que acertou mesmo no samba que fez para o Boi.

http://www.youtube.com/watch?v=hIE2JqwY_Tg

O grande compositor Mauro Duarte, parceiro de João Nogueira e Paulo César Pinheiro, é um dos maiores compositores da história do bloco Foliões de Botafogo. Dentre os sambas que Mauro fez para o bloco da Zona Sul, destacou-se o clássico Tributo aos Orixás [com Rubem Tavares e Noca] em virtude da gravação de Clara Nunes, em disco de carreira. A simples audição do samba, uma obra-prima, dá a dimensão de quantos grandes sambas de blocos se perderam no tempo pela ausência do registro sonoro.

A recuperação dos sambas-enredo dos blocos de enredo depende, afinal, em boa parte do resgate através da cultura oral. Os registros de áudio existentes são esparsos, já que não havia a gravação sistemática dos sambas em LPs.

A decadência dos blocos de enredo começou, sobretudo, a partir da era do sambódromo. O foco dos desfiles centralizou-se nas grandes escolas de samba, e os blocos foram afastados da passarela principal. Perderam espaço, inclusive, como agremiações que formavam sambistas para as escolas de samba – espaço que vem sendo ocupado pelas escolas mirins e por algumas escolas de porte menor.

Nesse contexto de decadência, alguns blocos de enredo optaram por se transformar em escolas de samba (outros fizeram isso ainda na década de 1970), como é o caso da Flor da Mina do Andaraí (na foto ao alto, em seu último desfile na Sapucaí, 2010) e do Difícil É O Nome de Pilares (abaixo, em 2012), enquanto outros enrolaram a bandeira – como o Vai Se Quiser e os Foliões de Botafogo [2]. O Canários das Laranjeiras tentou se consolidar como escola de samba, chegou a desfilar no Acesso A, mas não foi bem sucedido.Acesso B 2012 270A formação de talentos e a difusão da cultura dos desfiles de agremiações carnavalescas é fundamental (e como falta essa cultura dos desfiles em várias figuras que trabalham e vivem da festa). Conhecer a maiúscula História do carnaval carioca também me parece relevante para a formação dos sambistas. Alguns parecem achar que a folia começou ontem e não prezam minimamente pela preservação da memória como um elemento dinâmico de renovação do samba. Não entendem a lição que Moacyr Luz, Luís Carlos da Vila e Aldir Blanc ensinam em um belo verso de “Cabô, meu pai”: Futuro é pra quem lembrar.

Que a memória dos blocos de enredo seja, portanto, sempre evocada.

[N.do.E.: o desfile dos blocos de enredo ocupou o sábado de carnaval até 1987. Em 1988 foi substituído pelas escolas do hoje Grupo de Acesso A. PM]

[N.do.E.2: a Foliões de Botafogo chegou a desfilar como escola de samba também antes de enrolar a bandeira. PM]