“Cá estou no cantinho único que me foi reservado…Mas talvez isso seja bom, posso concentrar em 48 páginas anuais tudo que de melhor passar pela minha cabeça….vamos em frente, que estou sentindo que farei grandes colunas, melhor do que as fazia antes.”

Assim começou a coluna de Paulo Sant’Ana na edição da Zero Hora do domingo que antecedia o Natal: avisando aos leitores que de agora em diante só daria o ar de sua graça uma vez por semana.

Em 2007, quando eu me mudei para o RS, Paulo Sant’Ana era onipresente. Ele aparecia nos telejornais, fazia comentários em programas de rádio, escrevia uma coluna diária. Era grosseiro com os colegas de profissão, fazia questão de destacar sua amizade com os donos da RBS (a Globo local), não aceitava ser contrariado, adorava que lhe chamassem de Deus, que é mesmo como ele se sente.

E, aos poucos, seus espaços foram desaparecendo. Primeiro ele foi demitido da TV. Depois suas aparições no rádio se tornaram mais raras. Sua coluna de jornal foi reduzida para três vezes por semana.

E ele sempre fazendo questão de mostrar publicamente sua contrariedade com esses fatos. Passou a suspeitar que David Coimbra, um jornalista em ascensão, queria o seu lugar. Discutiu asperamente com David ao vivo na rádio. E ainda por cima publicou uma coluna chamada “O Abismo do Canalha” dedicada a David, onde dizia que este lhe “fez canalhice pelo simples fato de que não soube me invejar em silêncio.”

Meses atrás protagonizou um episódio patético: bateu boca ao vivo com outro jornalista, o que resultou na demissão do rival, da rádio e do jornal. Ele, Sant’Ana, foi apenas “suspenso” da rádio, mas seguiu firme no jornal.

Até esse domingo que antecedeu o Natal. Humilhação suprema para Sant’Ana, David Coimbra, o canalha que não soube invejá-lo em silêncio, passou a ocupar o espaço mais nobre das colunas do jornal. Sant’Ana virou um colunista de segundo time.

puntadeleste

Era demais para seu ego desmedido. Por isso Sant’Ana fez questão de avisar que se concentraria em tudo de melhor que passasse pela sua cabeça e que faria grandes colunas. E escreveu o agora celébre “O Céu de Punta”, onde, além de dizer que Punta del Este é um paraíso encravado no “inferno” do Uruguai e comemorar a “vantagem enorme de não conviver com uruguaios”, tudo isso para exaltar as maravilhas daquele paraíso, finaliza lembrando que não há negros em Punta del Este, uma segregação racial pacífica e não violenta.

Ocorre que Paulo Sant’Ana não é, definitivamente, um racista. Casado com uma negra e ele próprio bem longe de ser um caucasiano, há registros de textos seus atacando a discriminação racial e até mesmo defendendo a criação de cotas raciais para contratação de empregados, uma proposta tão ousada que raros militantes do movimento negro defendem de forma tão incisiva.

Por que raios Paulo Sant’Ana escreveu um texto tão malicioso? Não creio que esteja senil ou tenha desaprendido a escrever. Ele o fez de caso pensado, para realçar sua importância e expor o jornal a constrangimentos inimagináveis.

Tem até um trecho do texto que pouca gente deu bola: “eu nunca vi um acidente de trânsito em Punta del Este. Dizem que já houve, mas eu nunca vi.”

Ocorre que não faz muito tempo um jovem gaúcho se envolveu em um acidente trágico, o que lhe rendeu uma prisão por vários meses lá mesmo em Punta Del Este, fato que rendeu notícias por vários meses. Esse “dizem que já houve” é uma referência sutil para cutucar o pai do rapaz, ex-presidente da principal entidade empresarial do estado e agora eleito vice-governador.

Ou seja, Sant’Ana resolveu reagir à perda de importância atirando. Eu li o texto dezenas de vezes. A ironia sutil que dizem que ele teria empregado é praticamente imperceptível. E destruída por uma palavrinha mortal: “Finalmente”! Depois de elogiar todas as maravilhas de Punta Del Este, ele entra no assunto da ausência de negros serviçais com a expressão “finalmente”, que faz a conexão entre o tema das belezas da cidade e a temática racial.

Qualquer pessoa que lê aquele texto fica com a impressão de que há uma manifestação evidente de preconceito racial. E isso não pode ter passado despercebido por seus superiores na redação do jornal. Porém, quem seria capaz de contrariar uma figura tão mítica quanto Paulo Sant’Ana na estreia da coluna que simboliza o seu ocaso? Ele apostou que seu texto polêmico seria publicado sem cortes e assim foi.

O mais importante nesse episódio não é Paulo Sant’Ana e seu racismo de fachada, cuidadosamente estudado para causar impacto e desconforto.

É a total incapacidade da imprensa refletir minimamente sobre seus erros. Porque é evidente que há um erro colossal em ter deixado aquele texto ser impresso e mais ainda em tentar justificar, como “o canalha que inveja em silêncio” foi obrigado a fazer.

A imprensa, sempre pronta a apontar com vigor os erros alheios, é incapaz de um gesto de humildade, um reconhecimento sequer tímido de suas fraquezas, um simples pedido de desculpas.

São infalíveis, imunes ao erro. Paulo Sant’Ana, com sua habitual grosseria e arrogância, acabou prestando um favor a todos nós: ele é o estereótipo da face mais conhecida da mídia brasileira, aquela que nunca falha e faz questão de exibir a cada momento seu ego monstruoso e sua arrogância ilimitada. Arre, estou farto de semideuses.