Das 17h03min do último domingo, quando apareceram os primeiros resultados da votação no Pará às 23h34, quando foi definido o segundo turno no Acre, pouco pude refletir sobre os resultados do primeiro turno das Eleições de 2014. O vai-e-vem e o abre-e-fecha de janelas no site do TSE me impediram de pensar algo sobre o que o brasileiro decidiu, mas não evitou que uma sensação de espanto tomasse conta de mim. Enquanto acompanhava a apuração, tinha a nítida impressão de que os resultados estavam fora daquilo que eu imaginava.

Começo, é claro, pela Eleição Presidencial e já cito pela primeira vez um assunto polêmico. Ao contrário do que se disse por aí, os institutos de pesquisa não erraram muito nos levantamentos para a escolha do novo Presidente. Tecnicamente, não podemos dizer que nenhuma pesquisa até a véspera errou porque os institutos entendem as pesquisas como simples fotografias do momento. Ou seja: do fim da última pesquisa, no sábado de manhã, até a votação, muito pode mudar. Mas, ainda que usarmos do bom senso, dá pra livrar a barra de Ibope e Datafolha. Aécio Neves apareceu na véspera com 27% das intenções de votos válidos, podendo chegar a 29% pela margem de erro. Ele, como se sabe, terminou com, arredondando, 34%.

Aécio vinha em uma crescente de cerca de 3% por dia na última semana e ainda havia um percentual de indecisos. Assim, não chega a ser impossível pensar que ele ganhou todos esses votos em um dia. O boca de urna, sim, errou, mas menos do que parece. Como os números são arredondados, os 44% de Dilma representavam pela margem de erro, algo entre 41,51% (o que já significa os 42% da margem de erro mínima) e 46,49%. A Presidente, como se sabe, ficou com 41,59% e, portanto, dentro da margem de erro. Marina, que apareceu com 22% no boca de urna, terminou com 21,32% e, portanto, também bateu com a pesquisa do Ibope. O instituto errou apenas com Aécio que, com 30%, poderia chegar no máximo a 32,49% e terminou com 33,55%.

aecio-dilmaOs resultados em si são muito preocupantes para o PT. Não apenas por conta da votação relativamente baixa do partido para um primeiro turno, a menor desde 1998 em termos percentuais, mas porque mostra Aécio Neves em uma crescente assustadora. Aécio foi o grande vencedor moral do primeiro turno. Um mês atrás, encontrava-se, tal como o partido, pisoteado, humilhado, superado. O PSDB, acostumado a buscar votos apenas no antipetismo, via uma nova opção surgir e parecia estar sem saída. Aécio, então, capitaneou uma retomada histórica. Com um discurso de fazer inveja a qualquer grande político, lembrou ao eleitor o que era o PSDB e, com segurança, mostrou que não veio para essa Eleição brincar.

Aí é que está o maior problema para Dilma. Aécio não é Alckmin, Aécio não é Serra. Aécio sabe debater, sabe explorar os pontos negativos do Governo petista e fala o que o eleitor quer ouvir. O que Dilma ganha no horário eleitoral impecavelmente produzido, Neves ganha no cara-a-cara. Isso, no entanto, não vai definir a Eleição. Aquele que deve ser o mais emocionante segundo turno da história será decidido pelos 22.176.619 votos de Marina Silva. Se Dilma deve pegar a maior parte dos 1.612.186 de Luciana Genro mais os 151.378 dos nanicos de esquerda e Aécio deve herdar os 1.288.641 de Everaldo, Levy e Eymael, os mais de 20 milhões de Marina – e os 630.099 de Eduardo Jorge – devem ser disputados a tapa. E, aí, Aécio pode levar uma vantagem que pode decidir tudo.

Primeiramente, é necessário dizer que os votos de Marina que repousavam no antipetismo já foram todos transferidos para Aécio no próprio primeiro turno, à medida que ele desconstruiu o voto útil – idem para os votos anti-Marina de Dilma. Sobram então os votos que repousam em duas vertentes, tal como em 2010, quando ela teve votação parecida: simpatia pelos ideais de Marina e busca por uma terceira força. Esses dois tipos de eleitores não são absolutos de ninguém, o primeiro talvez até transite mais para Dilma, mas eles podem ser muito influenciados pela decisão da candidata de apoiar alguém, que provavelmente será Aécio Neves.

size_590_marina-silvaMarina foi a grande derrotada da Eleição ao ser penalizada por aquela que deve ter sido a pior campanha de um Presidenciável com chances de vencer, mas vai decidir o jogo. Não é possível saber o tamanho do eleitorado que se influenciará por um apoio da pessebista e do próprio partido, mas já é possível imaginar, por exemplo, o que ele causará em Pernambuco. Terra de Eduardo Campos, o Estado abraçou a candidata que o substituiu e foi abraçada por sua família, e lhe deu a vitória. Aécio terminou com 6%. Um apoio de Marina, PSB e família Campos o entregaria, em teoria, mais de 2 milhões de votos. E assim pode ser em outros Estados, como o Acre, onde o tucano já superou Dilma, e outras regiões.

A promessa é que a Eleição se decida, caso Marina não consiga influenciar grande parte de seus eleitores, em um debate ideológico entre esquerda e direita, entre o governo social e o neoliberal. Um debate comparativo do lado do PT, que vai mostrar que o Brasil de 2014 é melhor que o de 2002, e denunciativo do lado do PSDB, que vai continuar colocando o dedo na ferida e expondo os problemas atuais. Os petistas vão se defender das acusações tucanas de que o Brasil vai “quebrar”; os tucanos, tentarão abafar o jogo óbvio do adversário, que associará Aécio ao Governo FHC e, logo, ao desemprego, o arrocho salarial, as privatizações, etc. Por tudo isso, veremos um jogo de xadrez onde o eleitor, ainda que não perceba, fará uma reflexão puramente ideológica. Tudo indefinido. Isso sem falar no alto percentual de abstenções, que passou de 20%…

E nesse jogo de xadrez, algumas casas do tabuleiro são sempre importantes. Em São Paulo, o PSDB conseguiu uma vitória importantíssima. Apesar do boca de urna abaixar em 7% as intenções de voto de Geraldo Alckmin, o Governador se reelegeu com 57,31% dos votos válidos provando que certas estavam as pesquisas. O que o boca de urna acertou e as pesquisas erraram feio foi o resultado de Alexandre Padilha, do PT, que somou 18,22% contra 12% das pesquisas. Paulo Skaf, do PMDB, ficou em segundo, com 21,53%, resultado que manteve constante durante quase toda a corrida eleitoral. É uma vitória que comprova a força dos tucanos no maior colégio eleitoral do país e evidenciam o erro estratégico de seus adversários, que centraram sua campanha na capital e esqueceram do interior, onde o PSDB é mais forte.

10703608_695743500494653_1816891352972535737_nO PT, para piorar, investiu em uma campanha fadada ao fracasso. Lula, ao achar que elegeu Haddad em 2012 quando este venceu por suas próprias forças, bancou outro desconhecido, Padilha, em um pleito muito mais complicado. Não deu. A vitória de Haddad, aliás, complicou o próprio PT, já que jogou José Serra para a disputa do Senado. O ex-Governador venceu com facilidade, com 58,49%, e tirou o petista Eduardo Suplicy, com 32,53%, do posto após 24 anos. O ex-Prefeito Gilberto Kassab, traído pela candidatura de Serra, fracassou e ficou com 5,94%. O Estado será palco importante da disputa pelos 25,09% de Marina.

No Rio, outro erro grave do boca de urna. O Datafolha já apontava a possibilidade de um segundo turno entre Pezão e Crivella, mas o Ibope cravou até o boca de urna a vitória de Anthony Garotinho nesse embate. Em uma disputa extremamente apertada, Pezão nadou de braçada e ficou com 40,57%. Crivella, com menos de 50 mil votos a mais que o ex-Governador, vai para o segundo turno. Garotinho naufragou em sua imensa rejeição e foi para a vala junto com o petista Lindberg, que mal chegou a 10% e quase foi ultrapassado pelo candidato do PSOL, Tarcísio Motta, que foi terceiro colocado na Capital e saltou de 1% a 8,92% em uma semana. No Senado, Romário venceu com expressivos 63,43% e derrotou o ex-Prefeito César Maia. Pessoalmente, não acho que isso coloque o Baixinho entre os grandes da política fluminense. Ele ganhou de ninguém. O Rio deve ser importante para Dilma, que tem o apoio dos dois candidatos ao Governo e já venceu no primeiro turno.

Em Minas, as pesquisas erraram os números, mas não o resultado. O petista Fernando Pimentel, que aparecia com 59% das intenções de voto ficou, como já previa o boca de urna, com 52,98% e venceu no primeiro turno, quebrando assim uma hegemonia importante para o PSDB de Pimenta da Veiga, que ficou com 41,89%. A derrota no Governo para o Estado que foi berço político de Aécio, que foi derrotado por Dilma no primeiro turno, certamente será explorada a nível nacional. Os 14% de Marina Silva serão disputados pela dupla Dilma-Pimentel, enquanto Aécio vai nessa sozinho. Fechando o sudeste, o Espírito Santo , que elegeu Renato Casagrande, do PSB, com mais de 80% dos votos em 2010, voltou para as mãos de Paulo Hartung, do PMDB, que lançou Casagrande. Hartung teve 53,44% dos votos válidos em um Estado onde Dilma e Aécio ficaram separados por menos de 40 mil votos a favor do tucano.

No Paraná, onde mais se suspeitava de erros nas pesquisas, tudo nos conformes. O PSDB conseguiu uma importante vitória com a reeleição de Beto Richa, que teve 55,67% dos votos válidos. O candidato do PMDB, Roberto Requião, não foi páreo, bem como a petista Gleisi Hoffmann, que, com 14,87%, sofreu uma derrota duríssima. Em Santa Catarina, Raimundo Colombo, do PSD, derrotou PT e PSDB, vencendo novamente em primeiro turno. Agora na base aliada de Dilma, ele teve 51,36% dos votos válidos, menos do que apontavam as pesquisas.

sartoriPesquisas que, aliás, naufragaram no Rio Grande do Sul. A tendência de crescimento de José Ivo Sartori, do PMDB, e de queda de Ana Amélia Lemos, do PP, eram apontadas pelas pesquisas, mas o boca de urna apostava em um primeiro lugar para o Governador Tarso Genro, do PT, e uma indefinição em seu adversário no segundo turno. Acabou que, na urna, Sartori ficou com 40,4% e praticamente garantiu sua vitória, já que deve ficar com a maioria dos 1.342.115 votos de Ana Amélia. O Governador, que teve 32,57%, vai ter que remar muito para não endossar a tese de que não há reeleição por lá.

O Nordeste teve de tudo. As pesquisas acertaram em cheio ao apontar a vitória tranquila de Paulo Câmara no primeiro turno. Praticamente derrotado no início da corrida eleitoral, o candidato do PSB disparou com a morte de seu padrinho Eduardo Campos e faturou 68,08% dos votos válidos, contra 31,07% de Armando Monteiro, do PTB, que tinha o apoio de Dilma e Lula. Um resultado que evidencia a força do partido e da família Campos no Estado. No Ceará, as pesquisas acertaram na pequena diferença entre o candidato do PMDB, Eunício, e o petista Camilo, que ficou em cerca de 60 mil votos, mas errou a ordem. Camilo, com 47,81%, vai em pequena vantagem para o segundo turno.

Na Bahia, aconteceu, mais uma vez, um erro absurdo e inaceitável dos institutos de pesquisa. Uma semana atrás, o democrata Paulo Souto beirava os 59% dos votos válidos e prometia gerar um duro golpe para o PT e o Governador Jacques Wagner. A pesquisa da véspera, no entanto, apontava um empate entre ele e o petista Rui Souto. Na urna, o inverso. O candidato bancado por Wagner venceu no primeiro turno, com 54,53% ante 37,39% de Souto. O Nordeste também elegeu em primeiro turno o peemedebista Renan, o filho do Calheiros, em Alagoas, com 52,16% e Flávio Dino, do PCdoB, que quebrou a dinastia Sarney no Maranhão com 63,52%. O petista Welington Dias se reelegeu com facilidade no Piauí, com 63,08, assim como Jackson Barreto, do PMDB, que levou o Sergipe com 52,52%.

Dois estados do Nordeste voltarão para as urnas para votar para Governador. Na Paraíba, uma disputa altamente polarizada em dois candidatos não acabou em primeiro turno: Cássio Cunha Lima, do PSDB, ficou com 47,44% e o Governador Ricardo Coutinho, do PSB, com pouco mais de 18 mil votos a menos, somou 46,05%. No Rio Grande do Norte, a disputa também é polarizada e também é apertada, mas Henrique Alves, do PMDB, sai em vantagem um pouco maior: 47,34% contra 42,04% de Robinson Faria, do PSD. Vale lembrar que a Governadora mais rejeitada do Brasil, Rosalba Ciarlini, do DEM, sequer tentou a reeleição.

perilloEm Goiás, tal como em 1998 e 2010, haverá um segundo turno entre o tucano Marconi Perillo e o candidato do PMDB, Íris Rezende. Vencedor dos dois embates anteriores, Marconi é o favorito: apesar da decepção por não vencer em primeiro turno, com 45,86% dos votos válidos, ele tem boa vantagem para Íris, que, com 28,4%, superou Vanderlan Cardoso, que ficou com 14,98%. Segundo turno quase definido também no Distrito Federal, onde o candidato de Marina Silva, Rollemberg, do PSB, ficou com 45,23% e acompanhou de camarote a disputa entre o substituto do ex-Governador, cassado, José Roberto Arruda, Jofran Frejat, e o atual Governador, Agnelo Queiroz, do PT. O candidato do PR, com 27,97%, fez do petista o primeiro Governador da história do DF a não ir para o segundo turno. Agnelo conseguiu somente 20,07%.

Segundo turno também no Mato Grosso do Sul, onde o petista Delcídio e o tucano Reinaldo Azambuja superaram o ex-Prefeito de Campo Grande, Nelsinho Trad, e vão para o segundo turno com uma diferença ligeiramente superior em 60 mil votos a favor do petista. No Mato Grosso, o Senador Pedro Taques não teve problemas para vencer em primeiro turno. Com 57,25%, o candidato do PDT derrotou Lúdio Cabral, do PT, que já havia perdido a Prefeitura de Cuiabá, em 2012, para o pessebista Mauro Mendes.

No Norte, não faltarão disputas emocionantes de segundo turno. No Acre, os 49,73% do petista Tião Viana sugerem uma boa vantagem para ele no segundo turno, mas buscar esses 0,27% pode ser mais difícil que parece, já que os 19,61% do democrata Tião Bocalom devem somar-se praticamente na íntegra aos 30,1% do tucano Márcio Bittar, o que pode complicar a reeleição de Tião. Os 17,32% que se abstiveram também podem decidir. No Amazonas, pela primeira vez haverá segundo turno: o Governador José Melo, do PROS, tinha, no início da corrida eleitoral, a vitória em primeiro turno nas mãos, mas foi superado em menos de dois mil votos por Eduardo Braga, do PMDB. O resultado, praticamente um empate, deixa o segundo turno em aberto.

10678772_709084445834766_5851228255533841753_nA apuração mais emocionante da noite aconteceu, com folga, no Pará. Até cerca de 80% das urnas apuradas, a indefinição não era apenas quanto a existência de um segundo turno, como também sobre quem poderia vencer no primeiro. Helder Barbalho, do PMDB, e Simão Jatene, do PSDB, lutaram voto a voto e se alternaram na primeira colocação. No quinto final da apuração, Barbalho aumentou um pouco a vantagem e o segundo turno só foi sacramentado quando foram apuradas 99,82% das urnas. Com 49,88%, Helder superou em pouco mais de 50 mil votos o Governador, que teve 48,48%. Indefinição total. Em Roraima, Chico Rodrigues chegou a comemorar a reeleição com mais de 60% dos votos válidos, mas a festa durou pouco. O TRE/RR assumiu que não havia computado os votos de Suely Campos, do PP, que substituiu o marido e não teve seu nome acionado ao sistema de apuração. No fim das contas, ela ficou à frente de Chico, com 41,48%. O Governador teve 37,62%.

O Norte terá outra disputa emocionante em Rondônia. O Governador Confúcio Moura teve menos de quatro mil votos a mais que o ex-Senador Expedito Júnior, do PSDB. Os 27,75% que somaram Jacqueline Cassol, do PR, e Padre Ton, do PT, o que representa 223.018 votos, definirão o vencedor em um segundo turno extremamente acirrado. No Amapá, o ex-Governador Waldez Góes, do PDT, eleito em 2002 e em 2006, voltou em 2014 conseguindo expressivos 42,18% em primeiro turno. Ele agora entra em confronto direto com seu sucessor, Camilo Capiberibe, do PSB, que teve 27,53%. Para encerrar, em Tocantins, o ex-Governador Marcelo Miranda, que não cumpriu um mandato por ter sido cassado, voltou e se elegeu em primeiro turno, com 51,3%.

Foi uma Eleição que representou mudanças importantes no Senado, onde, além de Suplicy, outros nomes quase fixos por lá terão que sair, como o gaúcho Pedro Simon. Um Senado que terá nomes de alto gabarito na política nacional como os tucanos Álvaro Dias (o mais votado em termos proporcionais, do Paraná) e José Serra, além do ex-Presidente Collor, reeleito em Alagoas e com forças jovens, como o mineiro Antonio Anastasia, do PSDB, e o próprio Romário. Isso sem falar em nomes fortes em seus Estados como Tasso Jereissatti no Ceará e Omar Aziz no Amazonas.

Na Câmara, nomes como Cândido Vacarezza, do PT, e Roberto Freire, do PPS, ficarão de fora e serão símbolo máximo de uma renovação de 43,5% em Brasília. Os deputados piada também tiveram menos sucesso que em 2010. Tiririca sequer foi o mais votado em São Paulo, superado por Celso Russomanno, e encabeçou uma lista de famosos com votações decepcionantes. Até o ex-Presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, apesar de se eleger com tranquilidade, decepcionou. Por outro lado, a direita extremamente conservadora saiu fortalecida, especialmente em grandes centros como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Em termos de bancada, PT e PMDB, apesar de serem maioria, perderam cadeiras importantes, o que fará o Congresso ser um pouco mais equilibrado.

Imagens: Extra, Globo, PMDB e Arquivo Ouro de Tolo