O “bruxo do Cosme Velho”, denominação atribuída a Machado de Assis por Drummond, foi considerado pela crítica um homem apolítico e despreocupado com as questões sociais de seu tempo. No entanto, um escritor que produziu crônicas por quase cinquenta anos, a meu ver, não poder ser visto como escapista ou indiferente a aspectos históricos, tendo em vista que a crônica geralmente trabalha com fatos atrelados ao cotidiano.

 Logo que começou a publicar seus folhetins no jornal O Espelho, gênero que mais tarde se desdobraria em crônica e em romance, ele define a seu modo o trabalho de quem escrevia nessa seção jornalística: “O folhetinista, na sociedade, ocupa o lugar do colibri na esfera vegetal; salta, esvoaça, brinca, tremula, paira e espaneja-se sobre todos os caules suculentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo o mundo lhe pertence; até mesmo a política”.

Machado-008As crônicas publicadas na Gazeta de Notícias sob o título de A Semana, por exemplo, referem-se aos anos que vão de 1892 até 1897. Em época de recente instauração da República e Abolição da Escravatura, Machado denuncia a farsa do novo regime, que continuaria com a oligarquia no poder, e também aponta, embora não sem reconhecer o valor da lei assinada, a discriminação que os negros continuariam a sofrer no âmbito social.

Somado a isso, é constante vermos em suas crônicas comentários sobre a crise decorrente da política do Encilhamento, formulada pelo então ministro da fazenda Rui Barbosa no governo de Deodoro da Fonseca, e sobre as reformas urbanas que já causavam impacto no Rio de Janeiro.

Neste tempo de segundo turno, período propício a falar de eleições, seleciono dois trechos de crônicas machadianas que mostram a preocupação política do escritor, sempre atento ao movimento da história, e que explicitam a importância do voto por meio de uma espécie de súplica feita ao leitor, convidando-o a votar e a participar conscientemente como cidadão:

Crônica de 7 de agosto de 1892 (fragmento):

“Indiferença diz pouco em relação à causa real, que é a inércia. Inércia, eis a causa! Estudai o eleitor; em vez de andares a trocar as pernas entre três e seis horas da tarde, estudai o eleitor. Achá-lo-ei bom, honesto, desejoso da felicidade nacional. Ele enche os teatros, vai às paradas, às procissões, aos bailes, aonde quer que há pitoresco e verdadeiro gozo pessoal. Façam-me o favor de dizer que pitoresco e que espécie de gozo pessoal há em uma eleição? Sair de casa sem almoço (em domingo, note-se!), sem leitura de jornais, sem sofá ou rede, sem chambre, sem um ou dois pequerruchos, para ir votar em alguém que o represente no Congresso, não é o que vulgarmente se chama de caceteação? Que tem o eleitor com isso? Pois não há governo? O cidadão, além dos impostos, há de ser perseguido com eleições?

(…)

Que fazer? Aqui entra a minha medicação soberana. (…) O eleitor não vai à urna, a urna vai ao eleitor.”

Crônica de 30 de outubro de 1892 (fragmento):

“Hoje, domingo, não há a mesma multidão, o eleitorado é restrito; mas podia e devia haver mais calor. Trata-se não menos que de eleger o primeiro conselho municipal do Distrito Federal, que é ainda e será a capital verdadeira e histórica do Brasil. Não é eleição que apaixone, concordo; não há paixões puramente políticas. Nem paixões são cousas que se encomendem, como partidos não são cousas que se evoquem. Mas (permitam-me esta velha banalidade) há sempre a paixão do bem e do interesse público. Eia, animai-vos um pouco, se não é tarde; mas, se é tarde, guardai-vos para a primeira eleição que vier. Contanto que não quebreis urnas, nem as fecundeis — a conselho meu, — agitai-vos, meus caros eleitores, agitai-vos um tanto mais.

Por hoje, leitor amigo, vai tranquilamente dar o teu voto. Vai, anda, vai escolher os intendentes que devem representar-nos e defender os interesses comuns da nossa cidade.”