O candidato a Ministro (de Aécio) Armínio Fraga escreveu recentemente uma coluna na Folha de São Paulo cheia de acusações ao PT. Não sou petista, muito menos tenho procuração do partido para defende-lo, mas Armínio centra fogo nas posições econômicas dos últimos governos. E eu gosto da atual política econômica. Não acho perfeita, mas gosto. Principalmente, acho que a comparação com o período imediatamente anterior é devastadora para Armínio e seus então parceiros na criação da política econômica neo-liberal de FHC.

Armínio começa dizendo que “populismo e mentira são inimigos da democracia” e que “é preciso melhorar a qualidade do debate público, que deve ser baseado em fatos e dados.” É o único momento em que concordamos. E Armínio deveria tomar muito cuidado, exatamente porque está sendo populista e mentiroso em tudo mais que anda dizendo e escrevendo.

Ele acha que “o PT adota uma retórica agressiva e populista para marcar suas posições”. E como sustenta seu artigo? Com uma retórica agressiva e populista. Diz que o PT chega “a se desentender com os fatos”, mas é ele que manipula de forma grosseira os números a seu bel-prazer. Está aí a campanha eleitoral, em que o governo Dilma é alvo, não tem sido flecha. E o ex(futuro)ministro é mais um a bater. Logo, quem é agressivo?

Armínio Fraga cita como “mitos” alguns argumentos utilizados no debate econômico. Ora, vejam que arrogância, que agressividade! As premissas dele coloca como “verdades”, mas as premissas dos adversários em debate são “mitos”.

Vejamos a que fatos o Sr. Fraga toma como “mitos”.

O primeiro seria a culpa do baixo crescimento interno como sendo da economia internacional. Nem deveria mais ser ponto de polêmica o fato mais do que sabido que a economia mundial está completamente atrelada a um padrão. Há variações para cima e para baixo, situações locais, mas há poucas coisas mais constrangedoras do que debater Economia com alguém que finge desconhecer esta premissa. Fingir desconhecer que TODOS os países do mundo estão afetados negativamente por uma crise global que se arrasta há quase seis anos deveria ser motivo de vergonha.

graficoNegar esta premissa, e chama-la de mito, é a areia movediça sobre a qual Armínio Fraga edifica a construção de todo o seu lenga-lenga.

E, para sustentar este possível descolamento entre o Brasil e o resto do mundo, Armínio argumenta que, nos anos “FHC e Lula, o Brasil cresceu a taxas médias muito próximas das da América Latina”. Diz ainda que “para os anos Dilma, o crescimento projetado está 2% ao ano inferior ao da região, o que demonstra que não foi problema externo, foi interno mesmo.” Mas, quem chamou a América Latina na conversa? A comparação razoável seria com o resto do mundo, com as médias globais, já que a crise não é local, é global. Ao fazer o recorte a seu bel-prazer, Armínio torna óbvia sua manipulação de dados para chegar a conclusões pré estabelecidas.

Quando se compara com o resto do mundo, tem-se que FHC cresceu sempre abaixo das médias e o Brasil foi ultrapassado no ranking do PIB por vários países, entre os quais o México, indo parar na 16ª posição. No período Lula-Dilma, o Brasil cresceu mais que a média global, recuperou dez posições e é, atualmente, a sexta maior economia do mundo. A comparação a ser feita é esta. Outras comparações podem ser úteis, mas para outros fins. Para comparar performances gerais, cabe a média global apenas.

A curva de crescimento do Brasil durante o período FHC tinha um desenho semelhante à curva global de crescimento. Por quê? Porque já havia o fenômeno da globalização. Mas, dentro deste desenho, o Brasil crescia MENOS que a média. Por quê? Pela ineficiência do governo.

A curva de crescimento do Brasil no período Dilma-Lula também é semelhante à curva global, só que agora estamos quase sempre um pouco acima da média.

Quando nos comparamos às médias das economias dos países emergentes, estamos acompanhando as nações em que há maior termo de comparação natural com os aspectos da nossa economia. Quando nos medimos pelas médias dos países desenvolvidos, que sofrem mais intensamente a crise, estamos em situação bem superior. Basta conferir nos gráficos abaixo.

pibOra, os dados corroboram os argumentos do governo. Estes mesmos que o Dr. Fraga chama de “mitos”. Afinal, quem está mentindo?

O que o ex-ministro tenta fazer é comparar a evolução da economia brasileira à média dos PIBs dos países latino-americanos, muito dos quais países com economias menores em tamanho, cuja variância é muito maior que a de economias mais maduras, como a nossa. É uma média de médias, em que o peso de um Paraguai ou um Equador é o mesmo peso de um México ou uma Venezuela.

Claro que é uma comparação falaciosa. Se a comparação for feita com a média latino-americana (e não com a média das médias latino-americanas), o Brasil está no centro da média. Até porque a economia brasileira tem peso gigantesco sobre esta média.

Como segundo “mito”, Armínio diz que o governo e o PT afirmam que “basta estimular a demanda e o resto se resolve”. Eu pergunto: quem, em qual situação, falou isso exatamente com estas palavras? Nem John Keynes bêbado chegaria a tanto.

Uma coisa é se dizer que o PRINCIPAL é manter o nível de consumo e poder de compra dos salários. Outra coisa é dizer que isso, por si só, resolve automaticamente todo o resto, sem nenhum outro ajuste. Tanto ninguém falou isso, que há ajustes sendo realizados o tempo inteiro. Inclusive os que ele, Fraga, critica adiante. Portanto, Armínio mente aqui, novamente.

Segundo Armínio, “falta investimento, vítima de preconceitos ideológicos e má gestão”. A verdade é que falta investimento INTERNO desde que Cabral aportou a primeira caravela. O desenvolvimento brasileiro sempre foi bancado pela soma de investimentos estatais com investimentos externos. E isso, de muitos anos para cá, é agravado pelo fato (não corrigido por Lula-Dilma) de que o custo de oportunidade no Brasil é alto, uma vez que a Selic é mantida artificialmente alta por pressão de gente da laia do Sr.Fraga.

Quanto ao investimento produtivo EXTERNO, o Brasil é o QUARTO país no mundo que mais capta. Não deve ser por falta de confiança, né? É fato que o investimento externo vem caindo. Sim, caiu. No absoluto, porque caiu no mundo todo. A posição relativa do Brasil (4º) não caiu.

Mas os exemplos escolhidos por Fraga para “provar” a falta de investimentos são de doer. “A produção e a importação de bens de capital afundaram nos últimos meses”, diz ele. Sim, Armínio, no mundo todo. Qual parte disso é novidade?

Diz também que “a infraestrutura virou uma barreira ao crescimento”. Não é barreira, mas é um fator limitante. Se o atual governo investiu menos que o necessário, ainda assim investiu muito mais que os governos anteriores, que cortaram gastos em infraestrutura. Diz que “o investimento está flutuando em torno de 18% do PIB há anos”. Sim, são tantos anos que incluem os anos em que ele, Fraga, esteve no governo. É fácil dizer que é insuficiente e que é preciso “elevar esse porcentual a 24% até 2018, que é a nossa meta” quando já se esteve no governo sem ter atingido nem sombra deste objetivo. Há uma diferença entre querer fazer e fazer, e o Sr. Fraga é um bom exemplo disso, porque não fez antes o que se propõe a fazer agora.

Em seguida, cita como terceiro mito as medidas acenadas como saneadoras dos problemas da indústria. Para ele, a crise é grave e “na verdade, a indústria nunca esteve tão mal”. Ora, é simplismo tratar a questão da desindustrialização desta forma. O que acontece é uma mudança de perfil produtivo, com os serviços assumindo protagonismo na vida brasileira. Claro que, quando um setor cresce proporcionalmente, outro diminui, também proporcionalmente. Um iniciante já saberia que economias mais desenvolvidas abrem mão de parte do setor industrial, porque é preferível atuar em serviços. Senão, como teríamos passado por uma desindustrialização sem perder postos de trabalho? Ora, evidente que houve TROCA de uma atividade por outra.

dividapublicaCritica, pela crise industrial, as “taxas de juros altas” e o “câmbio para baixo”, como se ele próprio já não tivesse pregado estas manobras. Critica “o complexo sistema tributário” “custoso e cumulativo, prejudicando as exportações e o investimento”. Curioso que este sistema tributário é praticamente o mesmo de sua época à frente da equipe econômica, e ele critica agora o que, então, não teve vontade de mudar. O mesmo se aplica à logística que “não está à altura das necessidades do país”. É verdade que são coisas que mudaram pouco, e este pouco mudou para melhor, se comparado aos tempos do Sr. Fraga.

O quarto e o quinto “mito” são a afirmação governista de que seus opositores “querem fazer um arrocho” e “vão fazer um tarifaço”. Aqui, Fraga é risível ao chamar de “mito” duas medidas que ele passa a defender abertamente, inclusive justificando sua aplicação. Ora, ou é mito (e ele que afirme categoricamente que não fará), ou é verdadeira sua determinação em adota-las.

Sobre “arrocho” ele diz que o “mito” se dá “em resposta à posição honesta de que (para voltar a crescer) o país necessita corrigir muitas de suas políticas”. Ora, se é esta a opinião dele – e ele tem direito a tê-la – e se é uma “posição honesta” a de propor mudanças, então ele está na verdade confirmando o anúncio do “arrocho”. Ele justifica que “o arrocho, com dispensas e suspensões de contrato de trabalho, já chegou”. Chegou mesmo? Onde? Não é o que mostram os índices de pleno emprego. Ao afirmar que hoje já há um quadro de redução de atividade produtiva, Armínio faz terrorismo e omite os fatos deliberadamente.

Já o “tarifaço”, segundo ele, é uma necessidade. Ele fala de “irresponsável represamento dos preços de combustíveis e de energia, e da taxa de câmbio”. Fala isso com fingindo não ter utilizado dos mesmos expedientes quando fazia parte do governo. A diferença é que faziam isso e o desemprego aumentava, os preços subiam mesmo assim. Enquanto, hoje, as medidas mostram-se eficientes, no mínimo, na contenção de preços e manutenção dos empregos e do poder de compra do salário.

Chama de “absurdo subsídio implícito a combustíveis fósseis” a manobra que permite que o setor elétrico não sofra um apagão, mesmo após longa estiagem, como na época dele – e eu prefiro subsidiar as termoelétricas do que ficar sem energia.

tabelaDiz que “no setor elétrico, um movimento voluntarista de redução de tarifas saiu pela culatra, e vem gerando uma dívida bilionária com as distribuidoras de energia”. Eu diria que criar soluções para atravessar uma crise global com baixo impacto sobre a maior parte da população, rolando a conta para que seja paga no momento inevitável de reaquecimento da economia, para mim, é sinal de sabedoria.

Fraga afirma que é “mito” o corte de gastos sociais no governo FHC, numa tentativa débil de mudar a história. Como se gente com mais de 40 anos de idade já não fosse suficientemente adulta naquela época para se lembrar muito bem como foi aquele período.

Também é “mito” para Armínio a afirmação de que FHC quebrou o país três vezes. Mas isso também é fato histórico, e esta tentativa de reescrever a história é perigosa e demagógica, Sr. Fraga. Pouco importa se, como alegado, na terceira dessas quebradeiras, o dinheiro acabou sendo utilizado pelo governo seguinte. Se foi assim, pelo menos foi bem utilizado, porque finalmente o país saiu de uma crise que parecia eterna. Mas das outras duas vezes, com Fraga na boca do cofre, o dinheiro do FMI de nada serviu e evaporou-se.

“O populismo e a mentira são inimigos da democracia e da boa política. Temos que melhorar a qualidade do debate público, que deve ser baseado em fatos e dados.”

Pois é, Sr. Fraga, pois é.