Com a proximidade das eleições majoritárias e o início do horário eleitoral gratuito, tanto no rádio, quanto na televisão, se multiplicarão as reclamações e lamúrias sobre nossa classe política. Uns dizendo que ninguém presta, outros que esta eleição vai ser complicada de decidir em quem votar, e mais alguns defendendo o apartidarismo. Fora toda a batalha que será travada entre os fanáticos ideológicos nas redes sociais afora.

Há alguns dias, o amigo colunista Leonardo Dahi escreveu um texto sobre a falta de alguém em quem depositar sua confiança nestas eleições. Lá está um reflexo de uma latente desesperança do brasileiro quanto às figuras políticas da nação. Tudo devido aos inúmeros escândalos de corrupção recentes, após promessas de campanha não cumpridas, além do costume do povo em se apegar fielmente a uma esperança e o pensamento de que o governo é uma instituição babá da população.

Todos estes fatores compõem a visão política do brasileiro, impregnada de um sebastianismo. Nós esperamos que algum salvador da pátria apareça misteriosamente e leve o país à glória, ao desenvolvimento, ao respeito, a ordem e ao progresso; da mesma forma que com que os portugueses, alegadamente, esperavam a volta do desaparecido rei Dom Sebastião. E os portugueses esperaram, esperaram, esperaram…

collor92

Este movimento acontece, principalmente, desde as grandes crises econômicas dos anos 80 e da volta da democracia. O brasileiro deposita sua fé a um herói, a um messias. E sempre colecionando decepções. Primeiro foi Tancredo, morto antes da posse. Depois, Collor, retirado do cargo por impeachment. Por último, Lula, vítima da própria apatia em combater escândalos internos de seu partido, sendo que o combate à corrupção sempre foi mote de suas campanhas. Tudo isto transformou Lula e o PT em alvos fáceis da parte da mídia que se opõe ao seu ideal. Foi um estalo para o descrédito dele diante de muita gente.

Entretanto, os grandes problemas das gestões após 1994, grosso modo, foram os escândalos de corrupção dentro das bases governistas – normalmente seguidos de fartos rodízios de pizza em Brasília. Tudo isso minou a confiança de muitos em relação ao PT e PSDB. Um fato que ajuda a justificar a desesperança geral da atual eleição.lula2006

Ah, a corrupção… Esta nossa grande muleta no debate político.

Todos os julgamentos do brasileiro sobre política passam sobre a corrupção. Promessas e plataformas ficam em segundo plano, à margem da discussão, tornando a decisão de voto de muitos por quem que APARENTA ser mais ético, mesmo que seu projeto seja raso. Não é, Marina Silva????

A discussão toda fica aloprada com esta muleta. O voto se torna mais raso ainda. Os políticos se aproveitam e fazem campanhas mais preocupadas em desenterrar podres de adversários, enquanto as ideologias ficam nas mãos de, na maioria, fanáticos e lunáticos – daqueles que acham o PT culpado até pela intifada no Oriente Médio, ou acreditam que a batalha capitalismo versus comunismo ainda vive.

Não, eu não defendo o ideal “rouba, mas faz”. Acho que a corrupção não pode ficar impune de forma alguma. Mas a política é muito, mas muito mais que esta questão. É um nítido reducionismo que, potencializado pela mídia, causa uma demonização geral da política.

Assim se forma uma sensação de distância em relação à classe política. O brasileiro médio vê os homens públicos como um bando de aliens que tomaram o poder pra si e são desconexos das características do povo. Detalhe é que os mesmos foram eleitos democraticamente pela população e representam-na. Entramos na história do “quer o fim da corrupção, mas dá carteirada” e correlatos. Nossa sociedade se vê descolada dos “putrefatos políticos e instituições governamentais”, mas se exime das próprias responsabilidades.

Na cabeça de muitos, há a ideia de que o governo é nossa babá suprema, uma espécie de poderoso chefão que deve fazer nossa vida e país melhores por si só. E o presidente é justamente este chefe. Um absolutista que não depende da vontade de 600 parlamentares.

Assim, a sociedade não tenta se esforçar para fazer um país melhor. Um exemplo é que a Constituição (Art. 227) fala que a sociedade deve proteger e cuidar dos menores, sendo que há uma exclusão social de vários deles. Depois que o estrago está feito, muitas pessoas bancam os paladinos da justiça – e com as próprias mãos.

Outra? Sabemos que professores e médicos podiam ser mais bem remunerados no meio público, mas isso não é desculpa para vermos educadores não indo além da apostila e do quadro negro, ou profissionais da medicina só batendo ponto em postos de saúde, maltratando pacientes e só dando diagnóstico de viroses. Ou mesmo jornalistas que reclamam da ignorância política do povo, mas não se esforçam para explanar o sistema e os fatos – e aqui há uma boa dose de autocrítica…

Com essa ideia de que só o governo é responsável pelo país, mais a sensação de impunidade e corrupção arraigada, é que se cria a necessidade de que algum messias tome o poder e salve a nação. Alguns conservadores românticos defendem a volta da Ditadura Militar, já que os inúmeros pontos negativos daquele período foram censurados ou não vieram à tona por meio de julgamentos históricos e a punição a quem cometia atrocidades.

Há também a famosa “terceira via”. O recém-falecido candidato Eduardo Campos se enquadrava no quesito. Muitos declararam que iriam votar nele, após a sua morte. Muito porque ele é um nome diferente. Não que seu projeto não fosse mesmo uma terceira via, mas muitos embarcariam na onda do “chega dos mesmos”, sem se interessar por sua plataforma e ideologia. Tenho certeza que Campos era um potencial Messias para 2018.

Falando em acidente aéreo, Ulysses Guimarães era outro que tinha aura de salvador da pátria posta em si. Como ele faleceria duas semanas após a Câmara ter aprovado que o Senado julgasse Collor, sua imagem de “última esperança da nação” não pôde ser realmente testada.

Enfim, é necessário enriquecer o debate político. Sair da zona do “ele roubou, o outro também”. Entender e explanar como funciona o sistema político brasileiro. Procurar conhecer plataformas e ideologias – por mais que os partidos tenham se defasado nisso. Evitar demonizar a política e se descolar dela. Deixar de ofender o outro, por ele ter uma posição diferente. É preciso abandonar a procura por uma esperança e ser participativo, entendendo que o governo é falho e sempre será (ainda mais em ser uma babá), e que não só o presidente é que tem o dever de fazer um país melhor.

Se não fizermos isso, ficaremos andando em círculos, buscando heróis, e sempre nos decepcionando, assim como, segundo a lenda, os portugueses ficaram eternamente a espera da aparição salvadora de Dom Sebastião.

Samba-enredo da Caprichosos de Pilares em 1987 já mostrava essa indignação com os políticos
https://www.youtube.com/watch?v=7tHY9590w9o

One Reply to “A visão sebastianista do brasileiro quanto à política”

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