Não, eu não estou falando apenas sobre a Seleção Brasileira. A hora da verdade nesta Copa chegou para todos nós, brasileiros. Jogadores, comissão técnica, cartolas, jornalistas, formadores de opinião, torcedores com ingressos nas mãos, torcedores de sofá, cardiologistas.

Jogar as duas últimas partidas já seria suficiente para nos colocar todos à prova. Jogar contra quem chegou até aqui também, quem já passou pelas dificuldades das fases anteriores, já testou sua melhor formação, já encorajou sua torcida e sua autoconfiança. Quem já chorou, já suou, já tomou sustos, já levou um jogo ao limite do seu último minuto. Todos os times que permanecem na Copa já passaram por isso. Todos trouxeram grandes equipes, todos foram medidos ao extremo, todos conquistaram sua vaga com momentos de brilho, todos são adversários perigosos e preparados.

Para nós, sobrou o pior e o melhor de uma Copa. Sobrou a força da camisa canarinho, com o peso de sua tradição vencedora; e a responsabilidade de defender esta tradição como eternos favoritos. Sobrou a vantagem de sermos os únicos a jogar em casa e diante de sua torcida; e também a responsabilidade de carregar nas costas todos os nossos fantasmas fute-políticos. Sobrou o episódio trágico que tirou Neymar da Copa e a Copa de Neymar, que deixou o Brasil sem seu melhor jogador, seu único extraclasse, aquele em quem depositamos nossa esperança de bom futebol, o motivo da nossa “neymardependência”. E, para isso, não há contraponto, não há relativização, não há antídoto nem compensação.

E tudo, agora, dependerá da nossa capacidade de absorver esta pancada e transformá-la, senão em algo bom, pelo menos em um fator cujo impacto negativo seja menor do que o esperado.

A notícia da gravidade da contusão do Neymar espalhou-se pela rede mundial em segundos, com as reações sempre bastante emocionais. Neymar é querido pela maioria dos amantes do futebol. A imprensa mundial teve toda uma reação muito parecida, um misto de consternação e indignação. Se este clima reflete até a sensação de torcedores rivais, imagine-se como abate os corações de torcedores e companheiros de time.

Mauro Naves, um bom repórter da Globo, talvez movido pela expectativa de um grande furo jornalístico, talvez também embotado pelos fatos, não mediu a crueldade de dar, ao vivo e sem preparação prévia, a notícia a Fred. O inoperante centroavante, que a despeito de estar muito mal em campo é um dos jogadores mais experientes do plantel, teve o rosto transformado, a ponto de imediatamente seus olhos avermelharem e ele ficar sem palavras. Reação semelhante tiveram outros jogadores, o abatimento visível. Posts, comentários e colunas quase imediatas não traduziam de outra maneira o sentimento geral de torcedores comuns e especialistas.

Este momento, assim como aquele choro generalizado contra o Chile, é necessário e catártico. Não havia mesmo como não sofrermos intensamente, não reagirmos como se, de repete, tivéssemos todos nós na maca, abatidos, eliminados da competição por um ato covarde. Foi bom reagir desta forma, mostra que o golpe foi percebido em toda sua grandeza trágica. Não haveria como negar, como reagir bem de imediato.

neymarforacopa3Os próximos dias, entretanto, têm que ser de reação. Não havendo outra maneira, o Brasil tem que saber tirar algum proveito da situação. Talvez a primeira coisa a se fazer seja imaginar toda a dificuldade de enfrentar a Alemanha na semifinal mesmo se o Neymar estivesse em campo. De qualquer maneira, a dificuldade seria imensa. E o momento de luto pode ser transformado na motivação extra capaz de fazer a diferença que, até aqui, nem Neymar conseguiu fazer dentro de campo a favor do Brasil.

Numa Copa equilibrada entre seus principais pretendentes, é possível que o espírito de superação consiga ser o ponto de desequilíbrio a nosso favor. A começar pela reação que o próprio Neymar tenha a partir de agora.

Sem chance de entrar em campo, sedado para não sentir as dores que a contusão certamente estaria lhe infringindo, Neymar pode deixar-se abater. E se assim for, não há como criticá-lo. Mas, assim como transformou as câimbras que sentia no final da prorrogação contra o Chile em uma cobrança de pênalti firme, poderá saber ser o catalisador para transformar a consternação à sua volta em união em torno do objetivo pretendido.

Mas não basta que este espírito de conquista contagie somente ao time. Toda dificuldade que passamos até aqui, dentro e fora do campo, toda descrença sobre o país e sobre a equipe, todo catastrofismo, tudo tem que passar a ser percebido como sinais de uma história e uma conquista épicas. Temos todos que compreender o caráter sagrado do sofrimento, temos que valorizar nossa incrível capacidade de superar o aparentemente insuperável. Não podendo mais acreditar no real, temos que acreditar no milagre anunciado.

Porque um roteiro tão absurdo quanto o dessa Copa não pode acabar sem mais uma reversão de expectativas, sem mais jogos que só “acabam quando terminam”, sem sangue, suor e lágrimas, sem a grande vitória consagradora, contra tudo e contra todos. E que Neymar tenha condições físicas de assistir a estes dois jogos finais sentado no banco brasileiro, vestindo seu uniforme, ao lado de seus companheiros, ali perto do campo de jogo, inspirando e lembrando a todos – torcida e jogadores – que nós temos alguém a quem dedicar uma verdadeira epopéia.