Após quatro partidas de alto nível entre seleções estrangeiras em Porto Alegre, assisti ao meu primeiro jogo do Brasil numa Copa do Mundo no Brasil. E que jogo! De todos os que vi ao vivo, foi o mais econômico no quesito “bola na rede”, porém o mais pródigo em tensão.

A chegada ao perímetro de segurança do Mineirão foi tranquila, até porque era sábado. Diferente de Porto Alegre, a área de acesso restrito não circunda um parque na margem do rio, mas envolve parte da área residencial da Pampulha. Como se trata de Minas, faz-se uma caminhada de uns trinta minutos ladeira acima.

Todavia, ao chegar às imediações do estádio, o ambiente serve mais ao propósito de aquecimento dos torcedores, porque o Mineirão fica numa ampla esplanada onde se pode reunir os amigos e comer “tropeiro beans”, como se escrevia. A internet móvel estava funcionando bem.

IMG_3046A febre dos copos das patrocinadoras do Mundial ajuda a manter a limpeza, já que ninguém joga os seus fora, e os esquecidos são rapidamente recolhidos por colecionares. Ainda rende umas barganhas. Como eu já tinha o meu recipiente, um sujeito se ofereceu para pagar metade da minha segunda dose em troca do artefato a que eu teria direito na compra. Fico me perguntando se alguém vai realmente usar esses copos de plástico em casa.

Hino antes do jogo:
https://www.youtube.com/watch?v=ztoBaEcO9OA&feature=youtu.be

As duas torcidas cantaram seus hinos a capella, e vaiaram o do adversário. A do Chile era bem menor, mas se fez audível, às vezes mais que a brasileira. Nos banheiros – razoáveis, mas inferiores aos do Beira-Rio – os brazucas eram sempre maioria, e aproveitavam para provocar à vontade: “Chi-Chi-Chi! Le-Le-Le! Veio aqui pra se f…”.
IMG_3033

Fiquei num bloco de brasileiros cercado por dois de chilenos, um de cada lado, e pelo menos ali não havia dúvida sobre a torcida que fazia mais barulho. Nenhum andino pensou em sentar-se durante toda a partida. Onde eu estava, cinco segundos em pé eram suficientes para que um “coxinha” cutucasse as minhas costas.

Uma coisa frustrante foi ver a Seleção vestida com essa bizarra combinação de amarelo e branco que a FIFA impõe. Perde muito da mística. O que custa deixar o time jogar com o uniforme tradicional? Agora, se está resolvido que de agora em diante os times precisam usar só cores claras ou só cores escuras, que se peça à Nike para fazer um uniforme completo em amarelo, ou branco com detalhes em verde, amarelo e azul. Fica menos pior.

IMG_3070Quanto ao jogo, ficou claro que substituir Paulinho por Fernandinho não era a panaceia que se anunciou. E ficou provado que não temos centroavante. Não houve erro na convocação, porque não há nada muito melhor que Fred e Jô por aí, nem no esquema, pois Fred esteve bem algum tempo atrás, e possivelmente voltará a jogar bem daqui a algum tempo. Demos azar, só isso.

IMG_3098Daniel Alves está sendo crucificado por comprometer na cobertura, mas ele se posiciona mesmo bem à frente da zaga, ao contrário de Marcelo. Parece claro que isso faz parte do esquema de Scolari. Nos esquecemos que Dani têm sido eleito sucessivamente pela FIFA o melhor lateral-direito do mundo nos últimos três anos. O problema é que no Barcelona ele tem com quem trocar passes. Como o meio-campo brasileiro é um deserto, de fato não parece ser o caso de escalar um jogador com as suas características.

O fim do jogo e a prorrogação, como se sabe, foram uma agonia interminável. Era certo que, se o Chile fizesse um gol, e tinha boas chances de fazer, o Brasil não conseguiria mais empatar. Neymar mancava. O torcedor ao meu lado tentava se consolar: “Se o Brasil perder, pelo menos, quem sabe, a Dilma perde a eleição…”

IMG_3043Pinilla, ao mandar uma bola no travessão no último minuto, esteve a poucos centímetros de fundar o mito do Mineirazo. Dei graças aos céus por não estar ouvindo à narração do Galvão Bueno. A torcida estava muda. Entendi perfeitamente porque o público ficou atônito em 1950.

A história dos pênaltis, do heroísmo de Julio César, da choradeira, já foi contada muitas vezes. Duvido que os chilenos tenham ficado menos emocionados. Consolei alguns na saída, sinceramente consternado com o sofrimento deles.

Caetano Veloso uma vez usou a seguinte ilustração para descrever a diferença de talento entre Chico Buarque e Geraldo Vandré: no Festival da Canção de 1966, a pior música de Chico (A Banda, segundo ele) empatou com a melhor de Vandré (Disparada). Somos como o Chico Buarque nesta Copa, e nosso azar é que o festival ainda não acabou.

Na volta da Pampulha, de carro, os motoristas eram avisados que a fan fest, que fica bem longe do Mineirão, estava lotada. Mas a verdadeira happy hour do jogo era na Praça Savassi e nas ruas afluentes. O velho sistema brasileiro de street party com venda informal de cerveja em lata. Havia um palco onde se tocava música, e o esquema de segurança era bom.

IMG_3093Apesar de muito cheio, não havia tumulto, e era possível transitar tranquilamente. Ajuda o fato de a praça ser ampla. Em Porto Alegre várias ruas foram fechadas, mas o que fazia as vezes de largo era uma simples esquina, que ficou saturada de gente. Não houve caça aos estrangeiros dessa vez porque não havia estrangeiros. Os chilenos se esconderam nos hotéis ou trocaram de roupa.

IMG_3096Mas vi alguns colombianos assistindo ao jogo contra o Uruguai em telões. Comemoraram com comedimento o golaço de James Rodríguez e a vitória que os levou às Quartas de Final pela primeira vez na história. Pareciam ver aquela partida como mera formalidade que confirmaria sua superioridade irresistível. Os brasileiros ficaram mais felizes, e com certeza mais aliviados, mas os colombianos estavam mais confiantes.

Remate: contadas as conexões, passei por quatro aeroportos naquele fim de semana – Porto Alegre, Curitiba, Confins e Guarulhos. Estão todos cheios, mas não há impressão de superlotação, e os voos estão no horário. A estrutura continua modesta, como sempre foi. No Galeão, onde aterrissei uns dias depois, não há táxis suficientes para os viajantes que chegam. Como sempre foi.