A Espanha, ao longo da história, ficou marcada por montar bons times de futebol e, ao mesmo tempo, por ser uma seleção “perdedora”. A sina de ter grandes gerações e com elas sofrer grandes derrotas é antiga, bem antiga.

Já na segunda Copa do Mundo, em 1934, os espanhóis montaram aquele que, para muitos, foi um dos melhores da história do país. A competição era disputada toda no sistema de “mata-mata” e, após derrotar o Brasil na estreia, a Fúria foi ao encontro da anfitriã Itália, embalada pelo regime fascista de Mussolini, nas quartas de final e conseguiu um empate por 1 a 1. Como à época não existia disputa por pênaltis, foi realizada uma nova partida na qual, com uma arbitragem polêmica, os donos da casa venceram por 1 a 0 e rumaram para sua primeira conquista.

Quatro anos depois, os espanhóis eram novamente favoritos para levarem a taça, mas sequer foram à França devido a Guerra Civil que culminou no início da ditadura franquista no país. Passada a Segunda Guerra Mundial, os europeus voltariam a aparecer com destaque no futebol na Copa de 1950, no Brasil. A missão de se classificar em um grupo que tinha a inventora do futebol, a Inglaterra, era difícil, mas, com três vitórias em três jogos, a Fúria conseguiu avançar para o quadrangular final – a Copa de 50 foi a única da história a não ter uma final – ao lado de Brasil, Suécia e Uruguai.

Depois de empatar em 2 a 2 com os uruguaios na primeira partida, a Espanha foi ao Maracanã enfrentar a Seleção Brasileira que, também no Mário Filho, havia enfiado 7 a 1 na Suécia. Apoiados por 152 mil torcedores, os brasileiros não tiveram piedade da Espanha e golearam mais uma vez, agora por 6 a 1. A humilhação espanhola foi completa com o hoje tradicional grito de “olé”, copiado das touradas espanholas e que, até onde se sabe, jamais havia sido usado antes.

A grande marca daquele jogo, no entanto, é o fato do estádio inteiro ter entoado uma Marcinha de sucesso, que dizia: “ih, foi às touradas em Madri / ih, quase não volto mais aqui…”. Uma humilhação total para os espanhóis, que ainda foram derrotados pelos suecos no último e esquecido jogo que aconteceu no Pacaembu, paralelamente ao Maracanazzo que calou um país. Derrotada, humilhada e sapateada, a Espanha teria todos os motivos para guardar péssimas recordações do Brasil.

Nos anos seguintes, novas decepções. Em 1962, no Chile, o excelente time espanhol acabou derrotado pela Tchecoslováquia e precisava vencer o então detentor do título, novamente o Brasil, para avançar de fase no grupo mais forte do torneio. Os europeus saíram na frente e só não tiveram a chance de ampliar o placar por conta daquele conhecido lance em que um malandro Nílton Santos cometeu um pênalti, mas saiu sorrateiramente da área, levando o árbitro a marcar apenas a falta. Os espanhóis tiveram um gol mal anulado e acabaram sofrendo a virada, deixando precocemente o torneio e abrindo caminho para o bicampeonato dos brasileiros.

A única exceção na história de derrotas da Fúria foi a Eurocopa de 1964, disputada em um sistema eliminatório de jogos em ida e volta e que só chegou a uma sede fixa – a própria Espanha – na semifinal. Derrotando Hungria e União Soviética, os espanhóis sagraram-se campeões, o que não lhes tiraria o rótulo de perdedores décadas mais tarde.

Longe de ter um dos melhores times daquele torneio, a Espanha de 1978 só não eliminou o Brasil – sempre ele – na fase de grupos porque teve um gol não validado (a bola entrou e os árbitros não viram) na partida que terminou em zero a zero. Quatro anos depois, como sede do Mundial, a Fúria até conseguiu passar de fase, mas logo foi eliminada em um grupo com Alemanha Ocidental e Inglaterra.

Na Eurocopa de 1984, a Espanha voltou a apresentar um bom time ao mundo. Em terras francesas e em um já consolidado torneio continental, os espanhóis fizeram bonito, chegando até a final. O bicampeonato, no entanto, acabou esbarrando em um dos melhores times franceses da história. Platini e companhia venceram por 2 a 0 e levaram a taça.

Apesar dos fracassos anteriores, a sina de perdedora começou a perseguir mesmo os espanhóis em 1986. Na Copa do México, a Fúria não era muito notada e chegou as oitavas de final longe de ser favorita contra o fortíssimo time da Dinamarca. O 5 a 1 aplicado na “dinamáquina”, no entanto, credenciou os espanhóis a disputa pelo título. A disputa com a Bélgica nas quartas de final foi intensa e acabou empatada em 1 a 1. Nas cobranças de pênaltis, nove dos 10 chutes foram para as redes. Apenas a cobrança do espanhol Eloy teve destino diferente: as mãos do goleiro Pfaff, acabando assim com qualquer euforia causada pelos espanhóis.

Oito anos depois, aquela que talvez seja a mais traumática derrota da história da Espanha. No Mundial dos Estados Unidos, a Espanha chegou novamente às quartas de final, agora para disputar com a Itália uma vaga na semi. O jogo foi tenso e a Itália vencia por 2 a 1 até os minutos finais, quando o lateral Tassotti deu uma cotovelada no espanhol Luis Enrique. Nada foi marcado pelo árbitro e a cena do jogador sangrando reclamando com o juiz foi uma das mais emblemáticas da Copa de 1994. Uma derrota dolorida e que seria guardada por muito tempo.

espanha1998Em 1998, a Espanha era tida como favorita, mas, no grupo da morte, foi derrotada pela Nigéria, empatou com o Paraguai e, mesmo após golear a Bulgária, se despediu da Copa da França ainda na primeira fase. Quatro anos depois, mais uma vez entre as favoritas, a Espanha sofreu mais uma dolorosa derrota nas quartas de final. Enfrentando a Coreia do Sul, que dividiu a organização daquele mundial com o Japão, a Espanha teve dois gols absurdamente mal anulados e não saiu do zero a zero com os coreanos. O pênalti perdido por Joaquín, que levou a vitória dos coreanos por 5 a 3 nas penalidades, foi defendido por um muito adiantado goleiro dos locais. No entanto, o árbitro validou o lance e a Espanha ficou mais uma vez no quase.

A Copa de 2006 foi a maior expoente do que sempre foi a Espanha: bons times, um futebol maravilhoso de se ver, superior a quase todos os times do planeta… mas sem qualquer vocação para a vitória. Na Copa da Alemanha, a Fúria triturou Ucrânia, Arábia Saudita e Tunísia na primeira fase e se tornou muito favorita ao título e a vencer uma França que avançou para as oitavas aos trancos e barrancos. Quando os espanhóis abriram o placar no primeiro tempo, a vitória parecia encaminhada, mas aí começou a aparecer a França que seria vice-campeã Mundial e que virou o jogo, vencendo por 3 a 1 e escrevendo mais um trágico capítulo da história espanhola.

Veio então a Eurocopa de 2008 e as chances da Espanha eram altas. Ainda sob o comando de Luis Aragones, os espanhóis mudaram seu estilo de jogo. Mais do que isso: inventaram um estilo que jamais havia sido usado antes. O toque de bola, a paciência, a valorização da posse de bola, os ataques letais e um time muito inteligente. Ingredientes que começavam a dar ao mundo do futebol uma nova potência.

Na Euro da Áustria e da Suíça, foi exorcizado o fantasma de 1994 com a vitória sobre a Itália nas quartas de final. Foi exorcizado o fantasma da falta de um título importante na era moderna do futebol com a vitória por 1 a 0 sobre a Alemanha na decisão. Diferente sim daquela Espanha de um futebol-arte, a Fúria virava La Roja e começava a inaugurar uma nova era no futebol.

Ainda havia quem visse a Espanha, agora comandada por Vicente del Bosque com desconfiança, principalmente após a derrota para os Estados Unidos na semifinal da Copa das Confederações de 2009 e da derrota para a Suíça na estreia pela Copa de 2010, na África do Sul. Irritando uns e conquistando outros, a Espanha venceu, ao seu novo estilo, quatro dos seus cinco jogos seguintes por 1 a 0 ou 2 a 1 (a exceção foi um 2 a 0 sobre Honduras) e chegou à final.

O mundo teria um oitavo campeão. Espanha e Holanda, de tantas derrotas marcantes, estavam a um jogo da primeira conquista em Copas do Mundo. O jogo foi nervoso, a Holanda foi inferior, mas perdeu as chances mais claras de gol. A quatro minutos do fim da prorrogação, Iniesta dava ao mundo do futebol um novo dono. Levava a Espanha ao incontestável posto de melhor time do planeta.

Os antagonistas do tiki-taka, como ficou conhecido esse estilo de se jogar, ainda sofreram mais um duro baque em 2012, quando os espanhóis levaram sua terceira grande taça em quatro anos, a Eurocopa, com uma ainda mais incontestável vitória por 4 a 0 sobre a Itália.

espanha2014O Maracanã, onde a Espanha foi humilhada em 1950, foi o palco da primeira grande derrota dessa geração espanhola. Foi na final da Copa das Confederações de 2013, quando os europeus caíram por 3 a 0 para o Brasil. Nada, porém, que lhes tirasse o posto de melhor time, de grande favorita ao título.

Mas futebol é feito de hegemonias e todas elas tem um início e um fim. A da Espanha começou em 2008 e terminou no dia 18 de junho de 2014. No mesmo Maracanã, palco de duras derrotas, uma irreconhecível e abatida Espanha foi derrotada pela segunda vez em dois jogos na Copa do Mundo e ficou sem qualquer chance de classificação. No Maior do Mundo, chegava ao fim uma das mais brilhantes gerações do futebol mundial em toda sua história.

Goste você ou não do tiki-taka, admita que ele não morreu. Está vivo em muitos outros times, influenciou todo o futebol mundial. Seja adotando ou armando esquemas para combate-lo, quase ninguém passou imune ao tiki-taka espanhol. E ele deve prosseguir na própria Espanha, que tem tudo para ter gerações tão brilhantes quanto essa.

Esses seis anos nos deram uma nova potência entra as seleções, mais uma daquelas que serão respeitadas só pelo nome que carrega. Se em 1950 a humilhada a Espanha pensou em não voltar mais aqui, essa sai do Maracanã novamente humilhada, mas agora com a certeza de que estará sempre pronta para, caso tenha que jogar novamente aqui, exorcizar o último fantasma: vencer no lugar em que deixou de ser a melhor do mundo para entrar, enfim, para a história.