Segundo jogo da Copa em Porto Alegre. Ir ao Beira-Rio é fácil para mim: Moro a menos de 2km do estádio. Fui a pé e cheguei em vinte e poucos minutos, caminhada agradável nesse clima de Copa, com torcedores de dois países tão simpáticos perambulando pela minha área. Uma banda da Polícia Militar animava o ambiente.

De quem foi de carro, um estacionamento perto da minha casa cobrava R$ 25. Outro, bem próximo ao perímetro de segurança, cobrava R$ 50. Um supermercado ao lado não cobrava nada. Mas a opção mais utilizada foi o estacionamento de um shopping center a 1,5km do estádio, recém-ampliado e com muitas vagas: R$ 6.

DSCN1668Não vi cambistas próximos ao perímetro. Um hospital vizinho está em obras, e colocou um mural em frente ao canteiro para as pessoas escreverem seus votos para esta Copa: como sói acontecer em Porto Alegre, alguns fizeram questão de mostrar sua indiferença pelo scratch, manifestando torcida pelo Grêmio ou pelo Internacional no Brasileirão. Outros rogaram pragas contra os políticos e contra o PT, outros ainda escreveram declarações de amor ou agradeceram aos céus pela recuperação clínica da mãe ou da avó. Também tinham algumas mensagens de apoio à seleção, mesmo.

Havia muitos holandeses e australianos, mas os brasileiros ainda eram maioria. E os que faziam mais barulho eram, de forma incomum, os torcedores do Inter, orgulhosos de seu estádio padrão FIFA. Os gremistas eram poucos e quietos: Historicamente, são adeptos do “Vai ter Copa do Brasil”, e cultivam uma atitude blasé não apenas em relação à Copa do Mundo, mas a qualquer outra coisa inferior à conquista de uma vaga para a Libertadores.

DSCN1684O orgulho colorado fora arranhado na primeira partida da Copa em Porto (França x Honduras), quando uma pane no sistema de áudio do Beira-Rio impediu a execução da Marselhesa antes do jogo. Dessa vez, deu tudo certo, mas fica uma observação: na cobertura dos problemas nos estádios o poder público é sempre apresentado como incompetente. Ninguém notou que os maiores atrasos e as piores falhas de organização aconteceram exatamente nas três arenas privadas desta Copa: Baixada, Itaquera e Beira-Rio.

Havia cerveja a R$ 5 na zona de segurança ao redor do estádio. A chegada foi fácil e a entrada, bem organizada, sem demoras (a saída foi um pouco mais lenta, mas nada que comprometesse). O detector de metais acusou um objeto no meu bolso. Tirei o celular, e ele apitou de novo. Sem ter mais o que tirar, blefei: falei uma frase em inglês e esperei uma reposta que não veio. A mulher da segurança me olhou, intrigada, e me mandou passar.

Uma bandinha holandesa estava barrada na entrada, tentando negociar com a organização do evento. Pelas regras da FIFA, não é permitido ingressar com instrumentos musicais “que produzam volume excessivo”. Não sei se conseguiram, não ouvi nenhuma banda tocando no estádio.

Os voluntários eram simpáticos, e alguns chegaram a fazer o papel de animadores de circo: em cadeiras altas, com megafones, diziam frases como “vamos lá, garotada!” e “isso mesmo, todos tirando muitas fotos!”. Ninguém cumpriu a promessa de conferir se eu era mesmo o titular do ingresso.

DSCN1675Nas lanchonetes da FIFA dentro do estádio a comida estava ruim, a Coca-Cola custava R$ 8, a cerveja Brahma estava por R$ 10, a Budweiser por R$ 13,00, e as filas tinham padrão SUS. Melhor não reclamar, afinal só a FIFA mesmo para nos fornecer cerveja em estádio brasileiro hoje em dia.

O jogo não foi um show da Holanda, como se esperava depois da goleada imposta à Espanha, mas foi excelente, com duas viradas e belos gols. O primeiro saiu de uma arrancada clássica de Robben. No segundo da Holanda, Van Persie confirmou seu oportunismo. No gol da vitória tive a impressão de uma falha do goleiro, mas no replay dá para ver que a bola fez uma curva depois do quique, enganando Mat Ryan. Porém o gol que eternizou a partida foi o de Tim Cahill para a Austrália, talvez o mais bonito da Copa até agora. Os socceroos caíram de pé, ao contrário dos espanhóis, que parecem ter acreditado no “Não vai ter Copa”.

DSCN1688A melhor parte foi a inusitada sensação de ver ao vivo craques como Robben, Van Persie e Sneijder, que nos acostumamos a só acompanhar pela TV, nos jogos das grandes ligas europeias. Demora um pouco para nos acostumarmos com a ideia de que eles estão ali de verdade; é como encontrar o Batman e o Homem-Aranha em carne e osso. Pensando nisso, me lembrei de jornalistas esportivos que proclamam de um pedestal que o Brasil não deveria sediar um evento como este. Claro, para eles não importa: o privilégio de assistir à Copa nos estádios lhes estava garantido de antemão, onde quer que o torneio acontecesse.

A FIFA Fan Fest ficou lotada para o jogo seguinte, no qual o Chile bateu a Espanha e eliminou, de quebra, os inconsoláveis australianos. Torcida maciça pelos sul-americanos, como tem sido a regra nesta Copa. Os shows que aconteciam no intervalo estavam agradáveis, mas com a temperatura na casa dos 10°C, quase ninguém ficou para o jogo da noite, Croácia x Camarões.

Já na Cidade Baixa, o bairro boêmio de Porto Alegre, a festa estava apenas começando. O trânsito foi fechado nos quarteirões mais movimentados, e a bandinha holandesa ficou tocando no principal cruzamento. Nunca vi um clima tão alegre na cidade. Só por isso já valeu a pena.

ADSCN1692s gaúchas entraram em parafuso, eufóricas com a quantidade de forasteiros disponíveis. Isto virou notícia no Brasil e gerou uma série de críticas dos homens porto-alegrenses nas redes sociais, supostamente envergonhados com a desinibição de suas conterrâneas. Como se eles não tivessem ido para a rua com o mesmo espírito, com diferença apenas no resultado, já que as turistas solteiras eram raras. Calma, rapazes… tem diversão para todo mundo.

Alguns australianos com quem conversei estavam positivamente surpresos com a atmosfera amigável e a estrutura adequada do evento. A imprensa de seus países os havia amedrontado com avisos de protestos, caos e clima anti-Copa no Brasil. Yeah mate. Seus jornalistas leem o mesmo que eu.

#JáTemCopa

Imagens: Arquivo Pessoal