Nesta segunda a coluna do advogado Rodrigo Salomão aborda a questão dos cambistas sob o aspecto legal.

Cambismo in Rio

Para muitos que moram no Rio de Janeiro, chegou um dos momentos mais marcantes do ano. Cercado de muita expectativa por milhares de fãs, o Rock in Rio desperta paixões musicais nos mais variados gêneros e em praticamente todas as idades. Sendo esta a primeira coluna minha do mês de setembro, não poderia ser outro que não esse o pano de fundo para conversarmos por aqui.

Provavelmente você já se deparou, seja em seu Facebook, trabalho, Whatsapp, Twitter e o que mais existir de meio social, com conversas e postagens girando em torno do festival. Até aí, tudo bem natural, pela enorme abrangência que tem o alcance dele. Mas o que realmente vem me chamando a atenção, desde o Rock in Rio de 2011, é a grande quantidade de vendas e trocas de ingressos a poucos dias do evento.

Novamente invoco as redes sociais para refletir sobre o assunto. Você, que está lendo este texto agora, por acaso, não viu nenhum amigo ou conhecido, nas redes sociais, “oferecendo” ingressos para os shows? Acho bem improvável que não tenha visto. Virou uma febre. Uma pena.

É uma pena, de fato, esta prática ser reiterada de modo a empestar as timelines por aí. E é uma pena, sim, pois em muitos desses casos há um crime sendo cometido para quem quiser ver. Afinal, cambismo é crime, sabiam? Há muito tempo, aliás. Sua atividade é considerada crime, previsto na Lei nº 1521, de 1951, que dispõe sobre os crimes e contravenções contra a economia popular. Em seu artigo 2º, inciso IX, está lá exatamente a vedação a esse tipo de conduta. É estabelecida, também, pena de detenção de 6 meses até 2 anos. Além disso, em proposta legal que já tramita no Congresso, sobre o Novo Código Penal, há expressamente a previsão do crime de cambismo. Não tem jeito não, galera.

Passada a informação de que há muitos criminosos espalhados por aí no seu círculo de amizade, pode ser que venha o seguinte questionamento: “Ah, Rodrigo, mas eu só estou vendendo porque está sobrando, porque fulano desistiu, porque ciclano quer trocar de dia…” Ok, vamos esclarecer: nem toda negociação envolvendo ingressos de shows, eventos, espetáculos, dentre outros do gênero, constitui na prática de cambismo. Evidente que não. A própria lei é subjetiva, sendo que os precedentes mais corriqueiros em nossos tribunais indicam que cobrar na faixa de até 20% a mais do preço que gastou à época não configura cambismo.

Falando em jurisprudência (ou seja, decisões anteriores vindas do Poder Judiciário), trago uma bastante interessante, encaixando a prática do cambismo justamente na lei de 1951, que trouxe acima. Assim está lá: “Configura, em tese, o delito do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/51, a conduta do cambista que compra ingressos de espetáculo e os revende por preço superior ao real, máxime porque os cambistas, atuando de modo organizado e ardiloso, têm constantemente saqueado a economia popular com suas investidas, condicionando a diversão da população ao próprio enriquecimento.”.

Sim, a decisão pegou exatamente no ponto principal em que eu queria chegar: a intenção daquele que está vendendo. É muito difícil, pra não dizer impossível, projetar o que se passa na cabeça das pessoas. Qual o objetivo delas em falar determinada coisa ou qual o plano envolvido quando se faz algo? É o que, no direito, chamamos de dolo (obs: pronuncia-se “dólo”, não “dôlo”). Muito comum no direito penal (quem nunca ouviu falar em “crime doloso”?), ele se faz presente também aqui, evidentemente. Ou seja, se você comprou, lá atrás, os ingressos já com a ideia de revendê-los agora por um preço além do razoável, lamento te dizer: você está cometendo um crime.

Mesmo porque, por mais que a lógica de “livre mercado” te permita fazer isso, é importante lembrar que muitos das pessoas que estão pagando altos preços hoje só estão se submetendo a isso porque os ingressos estão esgotados. E quem está praticando essas revendas hoje, certamente, ao “investir” nisso quando havia ingressos, tirou o direito de quem queria comprá-los apenas para se divertir.

Em resumo, além de moralmente questionável, legalmente é deplorável. Caso você, leitor, se sinta ofendido ou até mesmo abusado por algumas “ofertas incríveis de R$ 800,00”, pode dar print screen, reclamar junto ao Ministério Público e ‘mandar bala’.

Portanto, se você, meu amigo, pretende vender ingressos ou se já os vendeu – por preços exorbitantes – meus parabéns. Está sambando na cara da sociedade. Pena que o festival é de rock. Não dá para sambar. Você ficará preso. Se não for à cadeia, ao menos, à sua consciência. Aí não tem lucro que compense, né?

Dançou, malandro.