Neste sábado, mais um conto do compositor Aloisio Villar.

Primeiro Amor

Jean era um menino ainda. Treze anos de idade, morador da Ilha do Governador no Rio de Janeiro, era um garoto como outro qualquer de sua idade. Estudava de manhã, odiava acordar cedo e quando não tinha aula de inglês à tarde corria para jogar bola na rua ou vídeo game.

Não era muito bom de bola; na verdade era péssimo e só conseguia jogar porque era o dono da bola. Seus companheiros de time mandavam que ele ficasse atrás apenas rebatendo as bolas e assim ele fazia: ninguém tocava a bola para ele e quando um adversário chegava à sua frente Jean seguia o lema “do cabelo pra baixo é tudo canela”, sendo defensor do tipo “carniceiro” e muitas vezes provocando confusões.

Era craque mesmo no vídeo game. Adorava jogos de esportes e explosivos, muito explosivos. Gostava de jogos de lutas também e não era raro reunir toda a meninada na sala de casa para grandes embates de vídeo game.

Com o pai aprendeu a jogar botão e ele mesmo fabricava seus jogadores e podia passar horas jogando com “seu velho” que também o levava ao Maracanã torcer pelo Flamengo e dividirem assim suas vitórias e derrotas. Um grande amor e cumplicidade.

Jean era um pouco gordinho e isso lhe fazia tímido em relação às meninas. Enquanto os meninos de sua idade falavam que faziam e aconteciam, mesmo sendo mentira, Jean ficava quieto e se perguntava porque os outros meninos conseguiam conhecer meninas e namorar e ele não. Sua mãe lhe acalmava e dizia que um dia ele conheceria uma menina legal.

Filho único, tinha todo o amor dos pais e uma vida tranqüila, mas toda tranqüilidade um dia pode ter fim e foi assim com sua vida.

Jean notou que o clima em casa estava estranho, seus pais afastados um do outro mal se falavam, mas preferia não se meter. Estranhou ver sua mão chorosa pelos cantos e nem dando broncas quando tirava notas baixas, assim como estranhou seu pai não levá-lo mais ao Maracanã nem jogar botão com ele.

Chegou a pensar que o problema fosse com ele quando começou a ver discussões dos pais que sempre procuraram preservar o filho nesse sentido, mas não conseguiam mais. As discussões tornavam-se diárias e cada vez mais acaloradas. Jean sofria por ver os pais assim.

A situações tornava-se insustentável, até que os pais chamaram Jean para conversar. Não tinha mais jeito.

O menino sentou no sofá e o pai comentou que como Jean já notara a situação entre eles não estava muito boa e ninguém estava feliz, nem eles nem o filho e aquela história não poderia continuar.

Deu uma respirada enquanto a esposa chorava e continuou dizendo que o casal tinha decidido se separar, era a melhor opção cada um seguir sua vida, mas que se separavam como casal, não como pais e estariam sempre perto de Jean quando ele precisasse.

O menino ficou com lágrimas nos olhos e pediu que os pais não fizessem isso. O pai pediu desculpas e respondeu que não tinha mais como, era decisão já tomada e abraçou Jean dizendo que sempre estaria com ele e ainda iriam muito ao Maracanã.

A mãe limpou as lágrimas e contou a Jean que tinha conversado com seu pai e como as férias se aproximavam decidiram que era melhor ele passar aquelas férias de julho em Curitiba com a tia Suely, que vinha a ser irmã de sua mãe.

Jean relutou e disse que não queria ir, mas o pai contou que era a melhor saída e que no começo de agosto ele já estaria de volta ao Rio para comemorar seu aniversário de quatorze anos. Não tinha jeito: a separação estava conturbada depois, seria litigiosa com muita briga ainda por vir e o melhor que podiam fazer era preservar o menino mandando-o para longe.

A mãe arrumou sua mala enquanto Jean olhava o quintal pela janela da casa pensando que sua família se desestruturava e não podia fazer nada. Queria poder fazer alguma coisa, ajudar seus pais, fazer o amor entre eles voltar; mas amor perdido dificilmente tem recuperação.

Jean, um menino ainda, não entendia o amor. Não entendia como duas pessoas que se amaram tanto podem acabar daquela forma e tinha na mente não se apaixonar nunca. Só via as pessoas a sua volta sofrerem com o amor e tinha medo de um dia passar por isso, não queria.

Sua mãe, com a mala na mão, chamou Jean e ele com os pais partiu para a rodoviária. Chegando à frente do ônibus que lhe conduziria deu um beijo nos pais e entrou sentando-se na janela e acenando vendo os dois acenando de volta. Sabia, quando o ônibus partiu, que dificilmente veria aquela cena de novo. Ligou o notebook, usou um pouco a Internet e desligou dormindo até Curitiba.

Chegou à capital paranaense e foi recebido na rodoviária pela tia Suely, o tio Flávio e seu primo Marcel. A tia deu um abraço apertado em Jean, dando-lhe boas vindas e contando que ele teria uma estadia feliz no local.

Entraram no carro com Marcel contando que teriam muito para curtir e foram ao prédio que a família morava. Chegaram ao prédio, pegaram o elevador e quando a porta fechava uma menina gritou “segura”. Jean segurou e ela entrou dizendo “obrigada”.

A partir do momento que Jean olhara aquela menina entrando no elevador e agradecendo por ter segurado a porta sua vida mudou. Era uma menina branca, ruiva, um pouquinho gordinha como ele e linda, muito linda. Ela entrou no elevador e Suely cumprimentou “oi Bia”. Jean só pensava “Bia… Bia..”, a menina retribuiu o cumprimento e o elevador subiu.

No oitavo andar ela desceu com Suely mandando recomendações a sua avó. Jean acompanhou a menina pelo olhar até onde pôde e Flávio contou que assim como ele Bia era carioca e passava férias em Curitiba.

Jean pensava “como assim? Carioca? É o destino, minha alma gêmea, escrito nas estrelas desde a criação do universo!!” e para o tio respondeu “legal”.

É, a estadia em Curitiba começava a ficar interessante e o menino que prometera nunca se apaixonar começava a ser tocado pelo amor.

Naquela mesma noite para seu azar Jean descobriu que estava com umas pintinhas vermelhas e sentiu febre. Suely correu com o menino a um hospital e descobriu que ele estava com catapora. Suas férias começavam de cama no apartamento da tia.

De manhã Marcel com uma bola de futebol na mão contou ao primo que iria ao clube lamentando que ele não pudesse ir. Jean também lamentou, mas disse que logo poderia acompanhar, Marcel então contou que ele podia jogar vídeo game pra se distrair.

Jean lamentava sua falta de sorte jogando quando a campainha tocou, Suely atendeu e era uma senhora com um bolo de fubá acompanhada de uma menina. Bia.

Suely convidou as duas para entrar e a senhora, avó de Bia, comentou com Suely que trazia o bolo para seu sobrinho experimentar, Suely agradeceu e contou que aquilo iria fazer bem a ele que estava com catapora levando as duas até seu quarto.

Jean jogava vídeo game quando Suely bateu na porta perguntando se podia entrar. Jean concordou e a tia entrou com a senhora e Bia.

O coração de Jean quase parou quando viu a menina, ficou de tal forma sobressaltado que até perdeu no jogo. A senhora perguntou se Jean estava melhor e o menino respondeu que sim, então ela contou que fizera um bolo de fubá e deixaria na mesa de jantar para ele. Jean agradeceu e ela saiu com Suely.

Bia em vez de sair ficou, sentou ao lado de Jean perguntando qual jogo era aquele. Jean respondeu e ela perguntou se podia jogar com ele. O menino tremendo de nervoso respondeu que sim e eles começaram a jogar.

Enquanto jogavam Jean perguntou se Bia não tinha medo de pegar catapora e ela respondeu que não, já tivera e ela perguntou se era verdade que ele era do Rio, com Jean respondendo que sim.

Bia logo depois gritou que tinha vencido e Jean brincou que era marmelada e queria revanche. A menina venceu várias vezes Jean e depois ficaram conversando. Jean contou da separação de seus pais e que ficaria ali até o início de agosto, Bia contou que estava com a avó também até o começo do mês e que seus pais já eram separados; que ele não ficasse triste porque a vida continuava.

Transformaram-se em bom amigos e Bia ia todos os dias até o apartamento visitá-lo e fazer companhia. A menina também reclamava de solidão, não tinha amigos em Curitiba e contou que a melhor coisa que poderia ter corrido foi conhecer o menino.

Mal ela sabia que Jean não lhe via como amiga. O menino estava completamente apaixonado e tímido não sabia como se declarar. Ensaiou várias vezes na frente do espelho, sonhava com a declaração, tinha tudo pronto, mas na hora de falar travava e deixava apenas na amizade. Depois que Bia ia embora Jean socava sua cabeça e reclamava de sua timidez.

O menino ficou bom e logo pôde ir com Marcel jogar bola. Bia foi junto e ficou na arquibancada assistindo e torcendo. Jean fez o de sempre e ficou na defesa rebatendo as bolas e acertando os adversários.

O jogo estava difícil e foi empatado até o fim, até que Jean rebateu uma bola com tanta força que acertou o gol do outro lado, o primeiro gol da vida de Jean que nem sabia como comemorar. Seu time venceu e ele foi carregado pelos outros meninos como herói, ganhando um beijo no rosto de Bia ao final.

Bia e Jean não se desgrudavam, saindo para todos os cantos. Iam a pizzarias, sorveterias, conversavam na praça, passeavam pela rua das flores, tiraram fotos no palácio de Cristal. Jean saía de manhã de casa e só voltava de noitinha, mal sua família lhe via. O menino estava feliz e nem lembrava mais da separação dos pais.

O fim das férias chegava e os dois decidiram comprar passagens de volta para o mesmo dia e o mesmo ônibus prometendo manter a proximidade no Rio de Janeiro. Jean se sentia confuso com tudo aquilo, tinha certeza que a menina também gostava dele, mas não sabia se declarar.

Um dia cheio de coragem chamou Bia para um programa mais romântico, para o cinema. A menina topou e na noite da saída Jean botou sua melhor roupa, se perfumou e ficou na frente do espelho ensaiando o que diria, tinha que conseguir se declarar.

Jean foi até o apartamento de Bia e sua avó elogiou a elegância do rapaz e na frente da Bia contou que adoraria que eles namorassem. Bia sem graça pediu que a avó parasse e Jean por dentro concordava com a senhora e torcia para o mesmo.

Foram ver um filme de terror e não foram poucas as vezes que a menina se assustou e agarrou o braço de Jean. O rapaz se sentia o superman pronto pra proteger sua Louis Lane e sorria.

No fim levou Bia até a frente de seu apartamento e se olharam por um tempo. Bia comentou que parecia que ele queria dizer alguma coisa e pediu que dissesse. Jean fraquejou, disse que não era nada e se despediu.

Chegou furioso ao apartamento da tia e sentou no sofá desolado com sua falta de coragem. Seu tio que havia levantado para beber água foi até ele e deu um tapinha em sua cabeça comentando “tá na cara que você gosta dessa menina, conte pra ela, o máximo que acontecerá é ela dizer não, ninguém morre de tentar”.

Os dias passaram e chegou a hora dos dois irem embora. Jean com a mala arrumada esperava a tia na sala e ela apareceu perguntando se ele estava pronto. Jean respondeu que sim e se despediu de Marcel e do tio. Flávio chegou em seu ouvido e mandou que ele não esquecesse seu conselho enquanto Suely chamava Jean para buscarem Bia em seu apartamento.

Os dois foram com Jean cheio de coragem pra se declarar. Tocaram a campainha e a avó atendeu pedindo que entrassem. Os dois entraram e aí veio a punhalada no peito de Jean.

Jean da sala viu Bia com um menino na sacada do apartamento. Eles estavam abraçados trocando beijos.

Seu coração sangrou de uma forma como ele nunca imaginara na vida. O chão sumiu, o ar também, a vontade que ele tinha era de gritar, chorar, desaparecer e o máximo que conseguiu dizer foi “oi Bia”.

A menina puxando o garoto que beijava pela mão apresentou a Jean e sua tia como Anderson, seu namorado. Anderson cumprimentou os dois contando que era de São Gonçalo, cidade do estado do Rio e também voltaria ao Rio no ônibus deles. Bia perguntou se Suely poderia levar Anderson com eles de carro.

Sabendo do amor que o sobrinho sentia por Bia Suely olhou para ele buscando sua aprovação ou não e Jean de cabeça baixa respondeu que tudo bem. Bia se despediu da avó e eles partiram. Suely e Jean na frente do carro, Bia e Anderson atrás de mãos dadas e Jean vendo a tudo pelo retrovisor.

Chegaram à rodoviária e Suely se despediu dos três. Bia e Anderson sentaram juntinhos logo na frente do ônibus e Jean foi pra trás, sentou sozinho numa posição que dava pra ver o casal se beijando.

Pegou o celular e apagou o número de Bia. Ligou o note e excluiu a menina de todas as suas redes sociais, depois desligou o computador, encostou o mesmo em seu peito e enquanto o ônibus partia fechou os olhos e começou a chorar. Um pranto doído, ferido, daqueles que dá vontade de abrir um berreiro desesperado, mas por estar em público fica contido, um choro amargo, com gosto de fel.

O ônibus partia junto com as esperanças de Jean.

É menino…

… quem foi que disse que amar é fácil?