Hoje o colunista Rafael Rafic inicia a análise das sinopses das escolas de samba do Grupo Especial para 2014, com as agremiações que desfilarão no domingo de carnaval. Amanhã teremos as agremiações que desfilam na segunda feira.

Enredos e Suas Sinopses: Domingo

Mais um ano se passa, chegamos em julho e chegou a hora de fazermos a análise das sinopses do Grupo Especial do Rio de Janeiro para 2014. Admito que a sinopse não define o resultado da escola, muito menos a qualidade do samba. Já houve grandes sinopses que resultaram em sambas modorrentos (Ilha 2013), como também houve sinopses estabanadas que resultaram em ótimos sambas (Império da Tijuca 2013).

Porém, normalmente só a análise do tema escolhido pela escola e de sua sinopse já indicam com bastante propriedade quais são as expectativas da escola para a 4ª feira de cinzas.

A perspectiva para esse ano é bem melhor do que a do ano passado. Além de mais interessantes, as sinopses foram melhor feitas. Por óbvio, isso influenciou positivamente nas minhas notas e nesse ano fiz igual aos jurados da LIESA: fui bastante pródigo com a nota dez. Foram 4 notas máximas.

Sendo assim, vamos a mais uma temporada de análises de sinopses. Hoje as de domingo e amanhã as de 2ª feira, sempre na ordem dos desfiles que foi sorteada no último dia 8.

Império da Tijuca

Enredo: Batuk

Texto: Juninho Pernanbucano, Diego Araújo e Rafael Moreira

Carnavalesco: Juninho Pernanbucano

Após uma sinopse desastrosa no ano passado (salva por um ótimo samba e por um desenvolvimento claríssimo feito pelo carnavalesco), o Império da Tijuca mudou radicalmente sua estrutura de sinopse e para esse ano aposta em uma sinopse mais curta e mais direta. Muito bem feita, o seu grande defeito é ter um tema bastante parecido outro enredo que passou recentemente na Sapucaí; no caso o “Tambor”, campeão com o Salgueiro em 2009.

A crítica fica pelo fato de que a sinopse se concentra demais na parte afro do batuque e é possível que algum jurado mais chato possa descontar.

Nota: 8,5

Grande Rio

Enredo: “Verdes Olhos sobre o Mar, no caminho: Maricá”

Texto: Leandro Vieira e Roberto Vilaronga

Carnavalesco: Fábio Ricardo

A Grande Rio já começa o carnaval em posição delicadíssima. Já não bastasse as fortes críticas (justas) à presença injusta da escola no desfile das campeãs desse ano, a escola fez uma escolha arriscadíssima: se entregou de corpo e alma em um tema insosso e sem muito a explorar, no caso o pequeno município fluminense de Maricá, em troca de um polpudo patrocínio da prefeitura.

Como desgraça pouca é bobagem, a escola ainda ficou na temida posição de segunda escola a desfilar domingo. De certa forma foi parecido com o Salgueiro que nesse ano desfilou na mesma posição com o mesmo problema do tema.

Quanto a sinopse em si, a Grande Rio teve que fugir da fórmula clássica de desenvolvimento de um enredo CEP (cidade, estado, país ou o código de endereçamento postal) porque nem isso a cidade de Maricá consegue proporcionar. A saída encontrada foi muito interessante.

A sinopse focou na cantora Maysa, que morou na cidade no seu fim de vida e ela seria o fio condutor do enredo cantando versos em homenagem a cidade. Mas a sinopse foi infeliz em vários aspectos: pouco ou nada fala de Maricá e quando fala, só fala em praia e mata, anunciando um enredo monocórdio. A sinopse dá impressão que as partes em negrito seriam de autoria da própria Maysa, mas não são (ou não são do meu conhecimento até o momento).

Fatalmente, pela falta de assunto sobre a cidade, a sinopse fica por demais presa a Maysa, que passa do limite de fio condutor. Alias, quem lê a sinopse sem saber qual seu tema, jura que o tema é a cantora e não a cidade. Enfim será mais um ano de desafios para os compositores e o carnavalesco da Grande Rio.

Confio plenamente no último, o ótimo Fabio Ricardo que, para mim, é o melhor carnavalesco da nova geração (pelo menos enquanto Eduardo Gonçalves não trabalha no Especial). Vejamos o que os compositores conseguirão fazer. Ano passado o samba da Grande Rio foi um desastre na avenida, cansando em menos de 15 minutos.

Nota: 5

São Clemente

Enredo: Favela

Texto: André Diniz e Wladimir Corrêa

Carnavalesca: Bia Lessa

Quando a São Clemente divulgou seu tema sobre a favela, logo eu e o editor imaginávamos que a São Clemente iria fazer mais um enredo “chapa-branca” exaltando programas do governo, como ela fez em 2007, 2008 e 2010, mais uma vez rasgando a característica da “crítica irreverente” da escola.

Porém ao ler a sinopse fui tomado da mesma surpresa que tive ano passado ao ler a da Vila Isabel. Finalmente voltei a ver São Clemente em uma sinopse dela! A sinopse passa longe de qualquer governo, passando o dia-a-dia de um morador da favela, sua arquitetura peculiar, a dificuldade em lidar com o “asfalto”, a violência que as assola, etc.

Enquanto ela mostra essa realidade, insere em vários pontos a crítica a ser feita pelos erros do Estado em lidar com a favela e busca esse erro desde a falta de moradia aos libertos de 1888 e aos soldados de Canudos até o tráfico atual. Exatamente como a São Clemente se notabilizou em fazer em enredos como “E o samba sambou” (1990) e, principalmente, Capitães do Asfalto (1987).

A escola também inovou na contratação do carnavalesco. Para suprir a perda de Fábio Ricardo, a escola contratou a cenógrafa Bia Lessa. Bia tem uma ótima carreira no teatro, seja como atriz, diretora ou cenógrafa, mas nunca teve qualquer experiência com carnaval e já em sua estréia terá a missão de colocar uma escola do Grupo Especial na avenida.

É uma aposta interessante da escola da qual gostei bastante e que deve dar certo. Afinal, os três maiores gênios da profissão (Fernando Pamplona, Fernando Pinto e Joãozinho Trinta) vieram do teatro, sendo que dois deles eram cenógrafos.

Outra notícia interessante é que a São Clemente inovará e fará suas eliminatórias de samba a portas fechadas. Só a partir da semifinal é que a disputa será aberta ao público. O resultado disso será algo a se acompanhar, tenho minhas dúvidas se isso poderá dar certo.

Caso a escolha de samba não atrapalhe, prevejo um belo desfile da escola da zona sul. Não deverá ser difícil fazer um bom samba com uma sinopse tão boa feita pelo maior compositor da atualidade.

Nota: dez, dez, nota dez!

Mangueira

Enredo: “A festança brasileira cai no samba da Mangueira”

Texto: Osvaldo Martins

Carnavalesca: Rosa Magalhães

Caberá a Mangueira, com nova diretoria, começar a briga dos grandes favoritos ao carnaval 2014.

Sinopse muitíssimo bem escrita que cumpre o seu papel de mostrar as variadas festas do folclore brasileiro. Um ótimo tema com uma sinopse que, apesar de escrita em prosa, soa como música e tem tudo para dar um belo samba, no estilo que o mangueirense gosta de desfilar.

Conhecendo bem o trabalho da Rosa, é fácil imaginar como será o desenvolvimento do enredo e podem esperar uma Mangueira ao mesmo tempo bastante colorida, mas mantendo forte base em verde e rosa.

Um ponto positivo a ser destacada é que a sinopse é completa. Ela não se limita apenas as festas negras, brancas, índias, sulistas ou nortistas. Ela conseguiu fazer um ótimo mosaico brasileiro e por isso, merecerá a nota máxima.

Nota: dez, dez, nota dez!

Salgueiro

Enredo: “Gaia: a vida em nossas mãos”

Texto: Renato Lage e Márcia Lage

Carnavalescos: Renato Lage e Márcia Lage

Mais uma vez o Salgueiro se equivocou na escolha do tema. Segundo a escola o tema é sobre sustentabilidade, um daqueles temas que “não vale a pena ver de novo”. Não bastasse isso, a sinopse seguiu o mesmo defeito do ano passado e simplesmente não aborda o tema de maneira convincente.

Ela começa explicando rapidamente quem é Gaia para depois, sem qualquer motivo, introduzir um longo parágrafo sobre mitologia ioruba, que fica completamente deslocada do resto da sinopse. A impressão que dá é que esse parágrafo foi enxertado de qualquer jeito apenas para que o enredo tivesse uma seção africana.

Depois disso, a sinopse se prende longamente em explicações sobre os velhos 4 elementos, água, terra, fogo e ar, uma teoria deveras ultrapassada para tentar explicar um tema tão atual quanto o proposto.

Logo após os 4 elementos, o enredo se perde em mais algumas frases de lugar comum e, justamente quando ele menciona fontes de energia sustentáveis e novas técnicas de urbanização, 2 pontos que se bem desenvolvidos poderiam ser muito interessantes, a sinopse termina abruptamente sem solução.

Peço desculpas aos salgueirenses, mas terei que ser severo na nota mais uma vez.

Nota: 2

Beija-Flor

Enredo: “O Astro iluminado da Comunicação Brasileira”

Texto: Laila, Fran Sergio, Ubiratan Silva, Victor Santos, André Cezari e Bianca Behrends

Carnavalescos: Laila, Fran Sergio, Ubiratan Silva, Victor Santos, André Cezari

A Beija-Flor escolheu um tema riquíssimo: o ex-todo poderoso da Globo José Bonifácio de Oliveira, o Boni. Porém, é mais uma sinopse ao estilo Beija-Flor que parece desperdiçar uma das biografias mais interessantes do Brasil.

Com a desculpa de mostrar a “história” da comunicação a sinopse começa fazendo aquela volta ao mundo com escala nos mesmos lugares todos os anos. E assim passamos pelos sumérios, fenícios, babilônios,  egípcios e chineses…

Logo após essa viagem ao mundo (que é curta, pois a sinopse também não é longa), no momento de fazer a transição para o homenageado, a Beija-Flor cometeu o mesmo erro do ano passado: uma quebra abupta de argumentação retirando qualquer coerência ou coesão ao texto.

Tudo o que irá ser mostrado sobre o homenageado, que teve uma vida bastante movimentada e participou de todos os momentos cruciais da televisão brasileira desde a década de 70, se resume a um mísero parágrafo que não tem qualquer condição de dizer a que veio.

Os compositores nilopolitanos terão uma problema na mão. Mas é só incluir no samba “respeite a comunidade da Beija-Flor” e correr para o abraço. Como atenuante, pelo menos a sinopse se ateve ao tema o tempo inteiro e, por mais que não diga muito, não é sem sentido.

Nota: 6