Neste sábado, mais uma edição da coluna de contos do compositor Aloisio Villar.

Embalos de uma noite qualquer

Uósto. Sim, esse era o nome dele. Era para ser Washington em homenagem a capital americana, era muito bom de bola, muito bom mesmo. Um cracaço.

Moleque da zona Norte carioca, peladeiro de rua. Uósto teve uma infância feliz e típica dos garotos do subúrbio. Soltava pipas, jogava bolinhas de gude, rodava pião, acertava latas com maestria no jogo de taco e, claro, brincava de médico mostrando desde cedo seu lado mulherengo.

Mas o que o danado gostava mesmo era de jogar bola e ali mostrava seu talento. Uósto ficava na dele na hora do par ou ímpar dos times sabendo que seria logo o primeiro escolhido. Dito e feito. Escolhido ia para o lado do “capitão” e esperava o restante do time ser formado.

E evidente que o time que Uósto estava venceria. O moleque dava show, lençol, ovinho, drible da vaca e gols, muitos gols no campinho de terra perto de sua casa. Seu talento atraía o público e muitos moradores da redondeza iam assistir seu show.

Chegava em casa cheio de fome doido pela comida de dona Jandira, sua mãe. Seu pai, um bom marceneiro da região chamado Rodolfo era fanático por futebol, torcedor do América conversava empolgado com o filho sobre seu talento e falava que ele seria o melhor jogador do mundo. Uósto sorria e sonhava.

A comida era posta na mesa e os pais, Uósto e mais dois irmãos sentavam e Rodolfo puxava a oração. Depois Uósto caía de boca naquela comida maravilhosa coma voracidade que partia ao gol adversário. Depois o menino agarrado com a bola dormia porque tinha colégio logo cedo e sonhava em jogar na seleção brasileira.

Entrou para a seleção do colégio e foi jogar inter estadual. Foi o craque do campeonato e seu colégio campeão. Enquanto Uósto brilhava um homem observava com atenção. Era seu Neném, um antigo olheiro do futebol carioca, olheiro é um descobridor de talentos.

O homem se entusiasmou com o futebol de Uósto e perguntou se ele tinha empresário. O menino respondeu que não e Neném contou que agora ele tinha. Levaria para fazer teste em um clube, no Bangu. Uósto se entusiasmou, contou para todo mundo em casa, nas redondezas e comprou chuteira nova para fazer teste no clube de Moça Bonita. Chegou humilde levado por Neném que conversou com o treinador das categorias de base do clube e este chamou Uósto. O Menino se aproximou e o treinador perguntou de que posição ele jogava. Uósto respondeu que de meia.

O treinador mandou que o menino pegasse um colete e entrasse em campo. Uósto foi correndo e recebeu autorização para entrar no coletivo. Fez o sinal da cruz e pela primeira vez treinava em um clube.

E o tempo passou. Uósto dez anos depois lembrava de tudo isso no vestiário do estádio de Wembley na Inglaterr,a enquanto se preparava para entrar em campo com o Barcelona contra o Milan pela final da Uefa Champions League, que vem a ser a maior competição entre clubes de futebol da Europa.

Sim Uósto deu certo no futebol. Do Bangu foi visto por dirigentes do Corinthians e se mandou à capital paulista. Foi campeão pelo clube e caiu nas graças da Fiel torcida, depois indo jogar na Europa até chegar ao Barcelona.

Virou craque milionário, dono de grandes contratos de publicidade e ídolo da seleção brasileira. Era o principal astro do Barcelona tendo uma copa do mundo para disputar em poucos meses e tinha tudo para ser eleito o maior jogador do mundo pela FIFA no fim do ano, realizando assim todos os seus sonhos.

Foi tirado de seu transe pelo treinador que chamou a todos para a preleção. O time entrou em campo com estádio lotado e o mundo inteiro assistindo.

E Uósto deu show como nas peladas em seu bairro do subúrbio. Fez três gols e garantiu o título para o time catalão. Considerado o melhor em campo foi ovacionado pela torcida e recebido com festa em Barcelona, mas Uósto tava doido mesmo era pra voltar ao Rio de Janeiro.

Estava recém separado de Marizete, mulher que conheceu ainda jogando pelo Bangu e com quem se casou tendo quatro filhos. Teve uma separação conturbada, com a mulher acusando o jogador de traição e atraso de pensão. Uósto chegou a ter que passar uma noite na cadeia por esse atraso.

Era o melhor partido do Brasil. Não era muito bonito, mas se vestia bem, se cuidava, tinha corpo atlético por causa do futebol e por isso atraía muitas “marias chuteira”, Jovem e milionário estava doido para voltar ao Rio. Queria curtir enquanto esperava a convocação para a copa.

Curtiu a noite, bebeu todas, vivia na farra com uma mulher por noite ou várias ao mesmo tempo até que saiu a convocação e estava no grupo. Comemorou estourando champanhe com a família sua primeira copa do mundo. Apresentou-se a seleção e seguiu com a delegação para a concentração já que teriam um jogo amistoso contra a Argentina na noite seguinte. Mas Uósto o que tinha de cracaço de bola tinha de boêmio e namorador.

Andando pelo saguão do hotel viu uma morena interessante e não se conteve. Papo vai, papo vem descobriu que era jornalista e estava lá cobrindo a seleção. Seu nome era Andressa. Marcaram pra mais tarde um encontro e a moça perguntou como ele faria. Uósto mandou que não se preocupasse que daria um jeito.

Mais tarde notou que todos dormiam e saiu do quarto devagar para que ninguém acordasse. Desceu até o segundo andar e de lá viu uma janela aberta de onde saltou. Pegou um táxi, foi até seu apartamento e de lá ligou para Andressa.

Pegou o carro e foi até o encontro da moça. Foram a uma boate dançar e beber. Uósto brigou com um fotógrafo que tentava lhe filmar e para não correr riscos de ver sua cara em jornais decidiu ir embora e levar Andressa até seu apartamento.

Entrou com a moça e pegou champanhe para que bebessem. Beberam e ele tentou beijá-la. Andressa se desvencilhou e abriu a bolsa pegando um papelote perguntando se Uósto queria.

O craque logo entendeu o que ela queria e respondeu que não estava a fim. Andressa abriu o papelote na mesa de estar e lá continha algumas gramas de cocaína, perguntou de novo se ele tinha certeza que não queria e Uósto respondeu que não curtia dizendo que iria ao banheiro e já voltava.

Uósto urinou e depois de lavar as mãos olhou para o espelho pensando na roubada que se metera. Odiava drogas e a cena da mulher cheirando na sua sala lhe tirou todo o tesão. Pensou ser melhor voltar para a concentração e se encaminhou para comunicar isso a Andressa.

Chegou na sala dizendo que teria que ir embora, mas não achou Andressa. Reparando melhor encontrou a jornalista desmaiada no seu sofá. Correu até ela e encontrou a mulher espumando e com sangue saindo pelo nariz. Botou as mãos na cabeça e ficou dizendo “que cagada!! Que cagada!!”. Não sabia o que fazer e ligou para o Neném dizendo que estava com problemas.

O homem perguntou porque ele não estava na concentração e Uósto pediu que desse broncas só depois e lhe ajudasse, pois, estava com problemas sérios no apartamento. Neném entrou e encontrou a mulher desmaiada. Uósto pediu que ajudasse e Neném pegou no pulso da mulher dizendo “está morta”.

Uósto botou as mãos na cabeça se desesperando e repetindo “Que cagada!! Que cagada!!” e Neném reclamava que se ele tivesse na concentração nada teria acontecido. O jogador respondeu que não era hora pra broncas e teriam que pensar em algo a fazer.

Neném argumentou que tinham duas soluçõe:s ligavam pra polícia e contavam o “acidente” ou escondiam o corpo. Uósto contou que envolver a polícia seria o fim de sua carreira então Neném respondeu que não havia alternativa que senão se livrarem do corpo.

Perguntou se Uósto tinha sacos de lixo e o jogador respondeu que sim, mandou que pegasse. O rapaz voltou com o saco e Neném pediu que lhe ajudasse a colocar o corpo no saco, botaram e Neném contou que vinha a segunda etapa, sair com o corpo do apartamento.

Carregaram o corpo pelo elevador e saíram do prédio pelos fundos, colocaram a mulher no porta malas e partiram com Uósto ao  volante. No meio do caminho foram parados por uma blitz. Uósto gelou, o policial reconheceu o craque e pediu um autógrafo liberando o carro logo depois para alívio do artilheiro.

Neném mandou que fossem até um lixão e chegando lá tiraram o corpo do carro e colocaram no local. Uósto perguntou o que fazer naquele instante e Neném mandou que ele voltasse à concentração imediatamente e esquecesse aquela história.

Uósto voltou a tempo que ninguém desconfiasse de sua saída e jogou normalmente contra a Argentina inclusive marcando um gol. Foi para a copa, sendo campeão com o Brasil, artilheiro do campeonato e eleito pela FIFA o melhor jogador do mundo no ano realizando todos os seus sonhos.

Na volta ao Brasil cercado por muitos torcedores e imprensa dois policiais chegaram até ele e pediram que acompanhasse até a delegacia. Uósto quis saber o motivo e responderam que lá ele saberia. Na delegacia soube que estava sendo acusado de assassinato da jornalista Andressa Martinho. Uósto gelou lembrando da história e contou que só falava algo na presença de seu advogado.

Com a presença dele soube que havia provas de seu envolvimento no assassinato, inclusive com um vídeo. Uósto fora pego pelo circuito interno de seu prédio. Nele apareceram cenas de Uósto de boné e jaqueta acompanhado de Neném descendo com o corpo e depois num corte mostrava Uósto com uma faca furando o corpo e enterrando em um jardim. Uósto deu um salto da cadeira dizendo que aquele não era ele. Não esfaqueara ninguém nem enterrara no jardim e sim levado a um lixão. Sem querer Uósto se denunciou.

A prisão preventiva foi pedida e alguns meses depois Uósto era condenado a mais de trinta anos de cadeia gritando e jurando que não enterrara Andressa no jardim.

Na penitenciária, acabado para o futebol e para a vida, Uósto entrou em depressão jurando que não fizera nada. Tinha uma vida pela frente, uma grande carreira e jogou tudo fora pela irresponsabilidade de fugir da concentração.

Jogando pelada no presídio arrumou confusão com alguns integrantes do time adversário e a vingança veio à noite. Uósto dormia quando foi esfaqueado, levando mais de 100 facadas. Morreu na hora.

O velório chamou bastante atenção da mídia e da população em geral, que gritava seu nome. O menino pobre que ganhou o mundo com a arte de seu futebol estava morto e Marizete velava o corpo do ex marido acompanhada dos filhos chorando quando viu uma mulher observando de longe. Não acreditou no que via e saiu de onde estava para ver mais de perto, mas a mulher desaparecera. Olhou para o céu e pensou estar vendo coisas, voltando ao velório.

Do lado de fora Andressa caminhava mais viva do que nunca e sentindo-se vingada.

Bola fora do artilheiro.