Nesta quinta feira, a coluna “Sabinadas”, do jornalista Fred Sabino, toca em um ponto importante: a perda de importância dos sambas de enredo e a respectiva queda na vendagem do cd.

Esquentando os Tamborins

Estamos chegando ao fim do ano e esquentando os tamborins para mais um Carnaval que se avizinha. E, mesmo com um começo de resgate da qualidade do gênero samba-enredo nos últimos anos, com grande contribuição das tradicionais Portela (principalmente), Vila Isabel, Império Serrano e Mangueira, ainda falta muito para que se chegue ao patamar do que, um dia, já foi fenômeno de vendas.

Quando comecei a acompanhar as escolas de samba, ainda criança, o ‘bolachão’ com os sambas-enredo era aguardado ansiosamente. As rádios cariocas executavam seguidamente as obras e os cantores, amplamente identificados com as agremiações, eram vozes que chegavam não só ao ouvido, mas ao coração dos apaixonados pelo Carnaval.

Afinal, com uma ou outra troca eventual, era de lei escutar os brilhantes Jamelão na Mangueira, Neguinho na Beija-Flor, Ney Vianna na Mocidade, Aroldo Melodia na União da Ilha, Rico Medeiros no Salgueiro, Silvinho na Portela, entre outros… Havia uma identidade auditiva quase imediata.

E as obras não eram feitas a priori para servirem meramente como trilha sonora para um desfile e arrancar uma nota 10 do jurado. Mais do que isso: eram feitas para cativar o componente e o público antes, durante e depois do desfile.

Houve até casos extremos como o da Portela, em 1981 (Das maravilhas do mar, fez-se o esplendor de uma noite, que será reeditado em 2013 pela Tradição), quando o samba gerou tanta empolgação antes mesmo do desfile, que o público invadiu a pista e atrapalhou a evolução da escola. A Portela acabou apenas com a terceira colocação naquele ano.

[N.do.E.: parte deste resultado deve ser creditado ao hoje presidente da Tradição Nésio Nascimento, que na ocasião grampeou errado o caderno com o roteiro de desfile. Resultado: alas entraram em ordem trocada e a escola foi penalizada.]

Meu grande amigo Carlos Alberto Vieira, imperiano de quatro costados, sempre me contou que em 1982 (acima), antes mesmo de o Império Serrano entrar na avenida, os versos de “Bum Bum Paticumbum Prugurundum” eram entoados a plenos pulmões pela arquibancada, tamanha a beleza e explosão do samba de Beto Sem Braço – executado incontáveis vezes na fase pré-carnavalesca.

Em 1989 eu já começava a entender as coisas e lembro que de imediato fiquei apaixonado pelo extraordinário refrão “Liberdade, Liberdade!/Abre as asas sobre nós/E que a voz da igualdade/Seja sempre a nossa voz”. Naquele ano foram vendidos simplesmente 1 milhão de discos. Um número impressionante.

Outros sambas muito cantados antes do desfile simplesmente não “aconteceram” na avenida. Talvez o exemplo mais evidente seja o da Mangueira, em 1994 (Atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu). Mas até hoje quem não se lembra desse samba empolgante, que mexe com a alma do sambista?

Não, leitores, não é simplesmente uma coluna saudosista, mas que apenas constata como as coisas mudaram. Como já escrevi, o foco de boa parte dos autores (e das escolas) passou a ser apenas a bendita funcionalidade do samba. Também não quero entrar aqui no assunto “escritórios”, já amplamente debatido. Mas é fato que a mercantilização das escolas, tal como no futebol, é um fator determinante para essa queda de vendas do CD de sambas-enredo – sinceramente nem sei quanto vendeu o de 2012, que teve uma safra boa, aliás.

Outro problema é a divulgação insuficiente na TV. Antes havia duas emissoras transmitindo os desfiles e ambas executavam os sambas por várias vezes durante a programação e com a passada completa.

Hoje, apenas quarenta segundos são exibidos pela detentora exclusiva dos direitos. Uma evolução nos últimos anos foi a exibição de um programa especial com todos os sambas gravados ao vivo num auditório. Sem dúvida elogiável, mas a passada inteira do samba sistematicamente exibida seria, de fato, o ideal.

[N.do.E.: contribui para isso a falta de uma estrutura de marketing por parte da Liesa e o fato de, hoje, os CDs serem lançados por uma gravadora própria.]

Mais um aspecto negativo é o nivelamento adotado pelos jurados. Por mais que em 2012 os melhores sambas tenham tido as melhores notas, a diferença de pontuação entre o melhor e o pior samba ainda é abaixo do que deveria ser.

No meu mundo ideal, samba e bateria teriam pontuação dobrada, pois assim obras como a da Portela no último desfile ou as baterias da Mangueira e Imperatriz nos últimos anos fariam a diferença num julgamento que ainda privilegia muito os aspectos estéticos. Afinal, é ou não um desfile de escola de SAMBA? Com um julgamento mais rigoroso dos sambas medianos, automaticamente a busca por qualidade melódica e de letra seria maior.

De qualquer forma, como já debatemos aqui neste Ouro de Tolo, ainda bem que está havendo um processo de recuperação da qualidade dos sambas. Imperatriz (2010 e 2011), Mangueira (2011 e 2012), Portela (2012 e 2013) e Vila Isabel (2010, 2012 e 2013) produziram recentemente obras de agrado incontestável.

Tomara que todas as escolas continuem escolhendo obras de boa qualidade, que haja uma melhor divulgação em rádios e TV e os sambas bons de verdade sejam valorizados nas apurações.

Quem sabe, num futuro próximo, voltemos a viver aquela expectativa incontida e saudabilíssima pelos sambas de todas as escolas e que as obras sejam cantadas para sempre.

 
(Foto: Extra)