O leitor deste Ouro de Tolo sabe que evito ao máximo neste espaço abordar questões de minha vida pessoal, porque a meu juízo não é o perfil deste blog. Há blogs mais pessoais mas decididamente não é o estilo deste Ouro de Tolo.
Isto posto, quero discorrer um pouco sobre a diversidade de opções a quem tem a necessidade de comprar um carro, além das minhas desventuras com a burocracia do Detran.
Como me utilizo do veículo para trabalhar – moro em um bairro no Rio onde as opções de transporte público são bem escassas – costumo trocar de carro a cada três anos, haja visto que costumo trafegar em condições bastante adversas para o veículo, com muito tempo engarrafado. Então antes que a necessidade de manutenção se torne custosa demais tenho o hábito de trocar por um novo, embora sempre siga rigorosamente o plano determinado pela montadora – às vezes até mais rigoroso, como na troca de óleo e filtros.
Tinha uma Uno, modelo antigo mas bastante equipada, e comecei a ver as opções disponíveis em uma categoria acima – a chamada pelos “especialistas” em marketing de “sub-compacto premium”, seja lá o que isso signifique.
O leitor mais antigo em anos sabe que até o início da década de 90 tínhamos apenas quatro montadoras de veículos no Brasil: Fiat, Volkswagen, General Motors (Chevrolet) e Ford. A importação era proibida e eram poucos modelos, bastante defasados tecnologicamente e com poucos opcionais.
Quando se definia uma faixa de preço normalmente havia, quando muito, quatro opções de escolha: uma de cada fábrica. A escolha era razoavelmente fácil de se fazer e normalmente acabava sendo feita por uma questão de preferência pessoal.
A situação começou a mudar com a abertura empreendida pelo ex-Presidente Fernando Collor de Mello. Em uma frase que entrou aos anais da história ele declarou que os carros brasileiros “eram umas carroças” – o que, olhando em retrospectiva, está absolutamente correto. A importação foi liberada e as indústrias brasileiras tiveram de se modernizar para manter-se no mercado.
O aumento de renda proporcionado pelo Plano Real – embora efêmero, haja visto que a política econômica de Fernando Henrique Cardoso foi de compressão salarial – também forneceu estímulos a investimentos no setor. Data desta época, por exemplo, a instalação das fábricas da Toyota e da Honda no Brasil.
Com o governo Lula e a formação de um mercado de massa no Brasil, bem como da redescoberta do crédito após muitos anos dos bancos voltados apenas aos ganhos em tesouraria o mercado viveu um boom de vendas, o que motivou a construção de novas fábricas e acordos comerciais de importação com o Mercosul e o México. Hoje temos mais de 40 marcas diferentes atuando no Brasil, com uma infinidade de modelos.
Isto gera um novo “problema”: como comparar objetivamente as inúmeras opções de escolha que se tem hoje? Vivi isto na prática.
Eu precisava de um carro pequeno, econômico, mas equipado e onde coubessem pelo menos duas cadeirinhas de crianças no banco traseiro. Não preciso de porta malas grande pois dificilmente utilizo o carro para viajar.
Dentro destas premissas havia uma gama de veículos que atendiam a estes requisitos, uns mais, outros menos: Novo Uno, March, Fiesta, Ka, Sandero, Jac J3, Novo Palio, Agile e Corsa. Um pouco mais caros o Picanto e o Fiat 500.
Ou seja, 11 opções. E citei aqui apenas os que vi ou telefonei para saber o preço, porque ainda há outras opções como o Fox, por exemplo – embora eu deteste carros da Volks. Minha preferência inicial era o Picanto, mas a recente medida protecionista – e a meu ver questionável, como explicarei mais à frente – de aumento do IPI para carros importados o tinha deixado um pouco fora do meu limite. A princípio o Novo Uno seria minha segunda opção, por ter tido sempre carros da Fiat.
Ao começar minha pesquisa logo percebi que em especial os carros da Fiat estavam bastante caros levando-se em conta comparativamente os concorrentes na mesma faixa de preço. Uma Uno “Sporting” (nada mais que o modelo comum com uma cor externa diferente e algumas faixas na carroceria) estava custando cerca de R$ 36 mil com ar condicionado, vidros, direção, air bag e ABS e não muito mais que isso – para um interior espartano. A Palio, um pouco maior, cobrava R$ 38 mil com menos equipamentos.

O Fiesta estava R$ 39 mil, mas com um pacote maior, um motor mais forte e mais espaço interno. Mas o despreparo dos atendentes da Ford onde liguei chega a ser constrangedor: deram preço mais alto que o cobrado na prática e não deram outras orientações – como, por exemplo, que as faixas do Ka Sport podem ser retiradas. Este, a propósito, me impressionou pelo excesso de plástico em sua forração interna para uma versão top de linha.
Fui ver o JAC3. O carro, chinês, tem um nível de equipamentos que nenhum carro nacional tem na sua faixa de preço, inclusive sistema de som com seis auto falantes e regulagem de altura dos faróis com várias opções. Balancei, mas acabei não fechando por dois motivos: o carro é 2001 modelo 2012 e achei o acabamento interno ruim.
Como iria financiar parte do carro no meu banco, resolvi ir à Kia dar uma paquerada no Picanto, que era o meu ideal desde o início. O preço de tabela para o modelo de entrada mecânico – que é completo, só não tem ABS e teto solar: o primeiro para quem não viaja muito como eu não é indispensável e o segundo no calor carioca é impensável – estava em pouco mais de R$ 40 mil, mas na negociação consegui baixar este valor para algo mais próximo a seus concorrentes.
Vale lembrar que o preço “real” do carro é de cerca de R$ 35 mil, mas o Picanto é penalizado por uma medida protecionista que elevou o IPI de carros importados sem fábrica no Brasil e o deixou 30 pontos percentuais acima de seus concorrentes. A meu juízo isso se configura uma clara barreira à entrada, sendo uma forma de eliminar potenciais concorrentes. Não concordo.
Acabei fechando o carro, na cor amarela (fotos). Este é outro aspecto interessante: os carros que não sejam preto, prata ou branco acabam na prática sendo menos valorizados. Como detesto prata e carro preto nunca mais, isto é algo que não me importo – na verdade até prefiro.
No fim das contas minha escolha acabou sendo feita pelo meu ideal inicial antes da pesquisa, dada a dificuldade de se estabelecer comparações objetivas. A confusão gerada pelo excesso de opções acaba tornando em geral a escolha final muito mais na base da preferência pessoal que por critérios estritamente objetivos.
Evidentemente que estes últimos foram bastante considerados. Por exemplo, o Fiat 500 chegou a ser anunciado por pouco menos de R$ 40 mil, mas apesar de ter muitos equipamentos o tamanho diminuto do banco traseiro inviabilizava a compra para mim.
Fechada a compra, tive de enfrentar a burocracia do Detran carioca. O carro foi adquirido com o emplacamento incluído, mas como havia o financiamento bancário acabou havendo uma série de percalços.
O primeiro é que o órgão exige que o contrato feito com o banco seja registrado em cartório. Este demorou a entregar o registro e perdemos o prazo para dar entrada com a documentação antes da ‘Rio+20’ – o Detran ficou fechado de quarta a sábado na dita semana.
Quando nesta segunda feira finalmente o órgão reabriu, novamente ficou em exigência: havia diferença de uma letra (uma!) entre o endereço registrado no contrato do banco e o constante em meu comprovante de residência. Explico: o nome da rua onde moro pode ser grafado de duas formas possíveis.
Com isso o banco teve de expedir uma carta de correção, mas aí havia outro entrave: a carta tinha de ser assinada pelo gerente geral da agência e ter a firma reconhecida por autenticidade em cartório – ou seja, ele teve de ir lá. Além disso o órgão exigiu uma cópia autenticada da procuração que permitia ao gerente geral assinar a tal carta. Perderam-se mais dois dias com isso.
Na prática, o carro ficou uma semana liberado na concessionária aguardando a irritante e desnecessária burocracia do Detran. Isso porque o despachante ajudou bastante: se eu tivesse de resolver por conta própria talvez levasse uns quinze dias, até porque não tenho disponibilidade de sair do meu trabalho toda hora.
Bom, no fim das contas, no momento em que escrevo devo ter rodado uns 70 quilômetros com o carro. Por dentro é silencioso, bem mais espaçoso que o aparente, e contém uma quantidade de equipamentos típica de carros maiores. Sair de uma Uno e entrar em um Picanto é como se sair de 1984 e se transportar direto para 2012.
A impressão inicial é bastante positiva. Fica claro que o aumento do IPI é um estratagema para impedir a competição plena, porque este carro a R$ 35, 36 mil iria arrasar a concorrência nacional. O Picanto entrega muito mais pelo mesmo preço.
Voltarei ao tema das barreiras artificiais à entrada em outra oportunidade, mas este é um caso típico. E me parece curioso perceber que quanto mais opções de escolha temos mais temos dificuldade de definir o que racionalmente nos atende.
(Fotos: Elaine Fagundes, vendedora da Kia)
P.S. – o Banco do Brasil está com umas taxas bastante interessantes para financiamento de veículos.