Nesta quarta feira, a coluna “Made in Usa”, do advogado Rafael Rafic, mostra como funciona o sistema de partilha de receita dos esportes norte americanos a as lições que ele pode oferecer aos futebol mundial como um todo. 
Na semana em que o Flamengo está a ponto de descartar seu melhor parceiro – a Olympikus – porque ouviu um “não” a determinado pedido, é uma boa medida de como estamos pelo menos 30 anos atrasados em termos de gestão esportiva.

A “Revenue Sharing” e suas lições ao futebol

Após falar sobre o Salary Cap na semana retrasada, não posso perder a oportunidade de arrematar a relação entre faturamento, custos e competitividade sem falar de outro mecanismo americano para diminuir o fosso entre os times ricos e pobres. Este, igualmente, é totalmente desconhecido do Brasil e do mundo futebolístico mundial: a “revenue sharing” (ou partilha de receitas, em português).

Diferentemente do Salary Cap, a “revenue sharing”, em relação à competitividade (para não entrar em discussões contábeis e administrativas), basicamente consiste em fazer com que os times que tenham um mercado maior, e por isso tenham mais lucros com vendas de itens tais quais uniformes, ingressos e transmissão de jogos, tenham que ceder uma parte desses ganhos para os times de menor mercado. Isso é feito para que a diferença de poderio financeiro entre eles não chegue ao absurdo de inviabilizar investimentos em jogadores dos times menores, já os eliminando da disputa pelo título antes do início do campeonato. Mais uma vez cada uma das ligas tem a sua fórmula.

A MLB (baseball) tem um sistema complicado. É onde há maior disparidade entre os times grandes e pequenos, além do fato que a maior parte dos ganhos dos times da liga vem justamente dos mercados locais dos times, sendo os contratos nacionais (normalmente feitos com a liga, não com times em si) responsáveis apenas por uma pequena parte das entradas. Para complicar ainda mais, como eu já disse na coluna passada, o baseball não tem um sistema de Salary Cap.

Todos os times devem contribuir com 31% de seus lucros sobre licenciamento para um fundo único. Após a arrecadação, esse fundo é distribuído igualmente entre todos os times. Como os times maiores pagam mais do que levam se tem uma redistribuição. Além disso, os ganhos nacionais (via contratos diretos com a MLB), são distribuídos aos times de forma inversamente proporcional ao tamanho dos mercados.

Para complementar o sistema, a partir de 2016 os quinze maiores times da liga (ou seja, a metade dos times) não receberão nenhum dinheiro desse fundo, sendo parcialmente indenizados pela distribuição menos “injusta” dos contratos nacionais. Porém, o time que constantemente ultrapassar o limite da luxury tax (vide coluna passada) terá fortes descontos nessa indenização. Pelo que se noticia, tudo indica que, após dez anos ignorando a luxury tax o NY Yankees finalmente tentará ficar abaixo do limite da mesma em 2014 ou 2015, a fim de evitar essa nova punição.

A NHL (hockey) aqui também tem complicações do fato de ser uma liga forte em dois países diferentes. Ela também é fortemente baseada nos mercados locais, mas os mercados canadenses funcionam de forma um tanto diferente dos americanos. De forma geral a “revenue sharing” da NHL é paga também por um fundo comum, porém apenas os dez times que mais ganharam dinheiro no ano contribuem para esse fundo. O valor da contribuição é calculado por uma fórmula matemática um tanto complicada, que não cabe explicar aqui.

Se os 10 maiores só pagam, apenas os 15 menores podem receber (também são 30 times). Ainda sim eles precisam cumprir dois requisitos para ganhar sua cota cheia: ter média de pelo menos 80% de lotação em seus jogos em casa e mostrar um aumento nas receitas de venda maior do que a média da liga. A cada requisito não cumprido, segue um desconto no valor da cota. A penalidade nunca pode chegar a anular a cota, mas pode causar um bom corte no valor da mesma. De qualquer forma, times que ficam em mercados com mais de 2,5 milhões de lares com televisão em hipótese alguma poderão receber dinheiro proveniente do fundo da “revenue sharing”.

A NBA (basquete) após dificílimas negociações entre os donos de time entre outubro e dezembro do ano passado, chegou a uma “revenue sharing” de fórmula louca que só entrará totalmente em ação durante a temporada 2013-2014. É impossível explicar exatamente seu funcionamento aqui. Mas, de modo geral será parecido com o fundo do baseball, com todos os times pagando uma percentagem para um fundo comum e todos recebendo a mesma quantidade absoluta de dinheiro deste fundo.

Já a NFL (futebol americano) funciona de forma oposta às outras três ligas.

A maior parte de seus ganhos vem de contratos nacionais fechados com a liga, na ordem de US$ 4 bilhões, e os mesmos são distribuídos igualmente entre todos os times (ou seja, exatamente o inverso que ocorre hoje no Brasil, em que cada time negocia por si ganhando cotas desiguais). O mesmo ocorre com os ganhos de licenciamento.

Já as receitas de ingresso para cada jogo são dividas de forma que 60% delas ficam para quem joga em casa e 40% vão para o visitante (no Brasil tenho a impressão que é uma civilidade inaceitável dar receita de ingresso ao visitante, pelo menos nos dias de hoje). No novo CBA, ainda entrou uma espécie de “luxury tax” que, ao invés de se aplicar a folha de pagamento, se aplica aos ganhos dos times com estádios melhores (leia-se maiores camarotes, lounge para patrocinadores, etc.) para que esse excesso se reverta em parte para os times menos privilegiados.

De qualquer forma, quero mostrar que em todas as ligas americanas há uma preocupação com a “paridade de armas” dos times, sendo os times de menor ganho ajudados pelos de maior ganho para que seja mantida a chance de todos os times, sendo bem geridos, terem condições de disputar o título.

Será que essa idéia é tão refratária ao futebol?

Apresentei aqui quatro fórmulas diferentes de contenção de salários mais três fórmulas de redistribuição de receitas. Será que nenhuma delas pode ser aplicada ao futebol, não só ao brasileiro como também ao europeu? Ou então utilizar uma outra, melhor adaptada à realidade diferente da estrutura de clubes esportivos brasileira/européia, mas com as mesmas finalidades?

Todos ficaram felizes com a campanha surpreendente do Apoel na Champions League. Se o futebol repensar sua total ignorância a esse tema, novos apoeis e são caetanos podem surgir para melhorar não só a competitividade como a própria qualidade do jogo. E o melhor, eles não serão passageiros como os exemplos citados: podem surgir para ficar. É só dar as armas necessárias aos times menos privilegiados.

O Tampa Bay Rays (MLB) e o Green Bay Packers (NFL) são ótimos exemplos de times bons em mercados pequenos que toda essa estrutura pode proporcionar. O primeiro foi finalista da liga em 2008 e o outro era o atual campeão até esse último janeiro.

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