Neste sábado de carnaval, a coluna “Orun Ayé”, do compositor Aloisio Villar, vem contando um pouco da expectativa dos desfiles, que se iniciam hoje com o Grupo de Acesso A.
Por meu turno, digo que estou muito esperançoso em uma verdadeira redenção da Majestade do Samba na noite de amanhã. Vamos pisar o asfalto com o samba do século dispostos a retornar ao lugar de onde nunca deveríamos ter saído. Afinal de contas, como diz o samba de 91:
“Eu sou, sei que sou
Mais fascinante, deslumbrante, mais amor
Bem sei que você aprova
Pois meu visual comprova
Eu sou luxo e esplendor

Olha eu aí
Cheguei agora
Cheguei pra levantar o seu astral
Posso perder, posso ganhar, isso é normal
Vinte e uma vezes campeã do carnaval”
Passemos ao texto.
É Hoje o Dia
“Será que eu serei o dono dessa festa 
O rei no meio de uma gente tão modesta” 
É amigos, chegou mais um carnaval. O trigésimo sexto da minha vida, o mais importante dela. O carnaval que me fará realizar um dos maiores sonhos que já tive: o de ver a União da Ilha desfilar com um samba meu.
Segunda-feira de carnaval ouso dizer que será o dia mais importante da minha vida. 
Além desse sonho que se realizará, também desfilarei no Acadêmicos do Dendê com o samba que considero o nosso melhor para a agremiação até hoje, samba com o qual me tornei recordista de vitórias na agremiação. Mais uma vez tive o prazer de ser parceiro do Pedro Migão. O Dendê vem muito forte e é um dos favoritos à vitória. 
“Xepar de lá pra cá xepei
Sou na vida um mendigo
Na folia eu sou rei” 
Mas domingo também me reserva momentos de emoção. O reatamento de um caso de amor. 
Domingo é o desfile do Boi da Ilha na Intendente Magalhães. A escola que na década passada desfilou no Grupo A com enredos e sambas memoráveis e ganhou prêmios agora está no grupo C do carnaval carioca e luta para voltar à Sapucaí.
E eu tenho a ver com essa história. Meus melhores momentos no samba até hoje foram no Boi da Ilha. Na agremiação cheguei a minha primeira final, primeira vitória e ganhei meu Estandarte de Ouro, S@mbaNet e o troféu Jorge Lafond. Foram cinco vitórias no Boi, escola onde cheguei adolescente e virei homem. 
Depois de um breve afastamento estou de volta ao Boi da Ilha e desfilarei domingo em sua ala de compositores, quem sabe na sua dependida da Intendente. Uma história de amor não acaba se acaba não era amor – e meu amor pelo Boi é para sempre. 
“Iara mandou Jaci clarear
E seu caminho iluminar” 
Por que amo carnaval? 
Não sei explicar, mas carnaval sempre esteve presente na minha vida. Minha memória mais antiga sou eu com quatro anos de idade no carnaval de 1981 no bairro do Cacuia, Ilha do Governador de mãos dadas com minha mãe. 
“Pergunte ao criador
Pergunte ao criador quem criou essa aquarela
Livre do açoite na senzala
Preso na miséria da favela” 
Sempre tive grande expectativa com o carnaval. No começo me vestia de índio e depois de carrasco. Teve uma vez em que vestido de carrasco olhei no espelho e corri de medo – coisa de criança. Tinha grande medo e fascinação em relação à figura do bate-bola, morria de medo quando via grupos deles e ao mesmo tempo sonhava em me vestir assim. 
“Valeu Zumbi, o grito forte dos palmares
Ecoam terras, céus e mares
Influenciando a abolição” 
Consegui um dia me vestir de bate-bola e sair com meus amigos. Hoje olho para trás e penso como conseguia colocar aquela fantasia tão quente e não sentir calor. 
Mas realmente não sentia calor, apenas uma grande alegria de estar com aquela roupa toda batendo com bexiga no chão e “assustando” as pessoas. Nosso grupo era tão bacana que fomos fotografados para “O Globo Ilha”. Único problema é que uma vez fui atropelado por uma bicicleta e passei o carnaval com braço roxo, mas valia a pena. 
“Se um dia o mundo acordar
Verá, verá, verá
Uma luz brilhando no horizonte
E vai se transformar” 
Nessa época, anos oitenta, os grandes carnavais da Ilha do Governador eram no Cacuia e na Freguesia, bairro onde moro. Meu carnaval era na Freguesia com a praça lotada de foliões. Nas barracas salsichões, churrasquinhos, bebidas e TVs ligadas nos desfiles das escolas de samba esperando a grande atração e orgulho do bairro desfilar. 
A União da Ilha do Governador. 
“Quero ser a pioneira
A erguer minha bandeira
E plantar minha raiz” 
No palanque sambas de enredo e marchinhas tocavam, também axés que começavam a ter sua participação no carnaval carioca. Eu normalmente ficava em uma barraca baiana que vendia produtos típicos de lá e tocava axé e timbalada. O dono era namorado da minha mãe e além da barraca tinha um bloco afro chamado “baranijé”. O carnaval da Freguesia durou perto de vinte anos, mas desde que um assassinato ocorreu nele foi decaindo, até infelizmente acabar. 
Infelizmente também não existe mais o carnaval do Cacuia. O principal carnaval da Ilha hoje é realizado no bairro do Cocotá, mas sem a força que tinha antes. 
“Nesse palco iluminado
Só da lalá
És presente, imortal” 
Não cheguei a pegar o tempo do banho de mar a fantasia e até hoje ouço das pessoas mais velhas suas histórias. Mas peguei o bloco do “Carijó”. Saía nas tardes de folia pelas ruas com homens fantasiados de mulher. Passava na minha rua e quando ouvíamos o bloco corríamos para rua para assistir. Uma das atrações do bloco era meu pai vestido de mulher e sambando muito. 
Meu pai, portelense fanático [N.do.E.: bom gosto], era passista do Boi da Ilha. Conhecido como China, por isso para muitos ainda hoje sou o “Chininha”, meu pai é um dos grandes nomes da história do Boi e até hoje samba muito mesmo não sendo mais passista e agora sendo harmonia da Imperatriz Leopoldinense. 
Meu sonho era que meu pai ganhasse um Estandarte de Ouro, que ironia: quem ganhou fui eu. 
“Deixa me encantar
Com tudo meu
E revelar lalaiá lá
O que vai acontecer
Nessa noite de esplendor” 
Vem dos anos oitenta, como já contei, minha fascinação com as escolas de samba. Aconteceu comigo o que ocorreu acredito com grande parte dos sambistas, me apaixonei através dos meus ouvidos graças as baterias e aos sambas de enredo. 
“É hora de seguir com fé 
E pedir axé, para o Deus maior 
Chega, de violência, sofrimento e dor 
O pelourinho ainda não findou 
Para os ocultos opressores da nação 
Há de vir um negro rei, para purificar 
Nossa libertação com as águas de Oxalá”
Como disse na coluna anterior, vi através de noticiários os títulos da Beija-Flor em 1983 e Mangueira em 1984, com o tempo descobri que a Mangueira voltara através da pista da Sapucaí num dos grandes momentos do carnaval. 
“Endiablado eu sou e vou sacudir 
Nas garras do tigre se liga 
Se liga eu vou deixar cair” 
Eu posso dizer que sou um privilegiado porque comecei a acompanhar os desfiles de escolas de samba no seu auge. 
Nos anos 80 o disco das escolas de samba chegou a vender mais de um milhão de cópias e sambas consagraram-se por todo o país. Os sambas dessa época me moldaram como compositor, eu como letrista busco inspiração e escrever como os compositores daquele tempo. Tempo que os sambas não serviam apenas para defender enredo, mas para fazer as pessoas felizes. 
“Olê olê olê
Vim de terras mexicanas
Mandei buscar pra você” 
Começando pelos sambas passei a acompanhar os desfiles e me apaixonar por eles. Torcedor da União da Ilha, vivi grandes momentos com Mangueira, Portela, Salgueiro, Império, Mocidade, Imperatriz, Beija-Flor, Estácio, Vila, Caprichosos, Ponte, Cabuçu e tantas outras que alimentavam meus sonhos de criança e me faziam viajar por seus enredos. 
“Enfeitei meu coração
De confete e serpentina
Minha mente se fez menina
Num mundo de recordação” 
A noite começava com todos em minha casa assistindo os desfiles e aos poucos um a um dormia até eu ficar acordado sozinho. Minha avó pedia para acordá-la na hora da Beija-Flor, por ser apaixonada pelo Joãosinho Trinta: então ficávamos nós dois vendo a Beija-Flor em um momento de cumplicidade de avó e neto. 
“Bota, bota, botafogo nisso
A virgindade já levou sumiço” 
Em 1990 ocorreu um momento especial para mim. Família e amigos reunidos na sala para assistir o desfile das escolas de samba. A União da Ilha era a última de segunda-feira a desfilar com um samba que sou apaixonado: “Sonhar com rei dá João”, enredo em homenagem a Joãosinho Trinta. Estávamos todos assistindo quando a União da Ilha fez um começo apoteótico, arrasador. 
“Faz a festa me abraça
Pôe champagne na taça 
A São Clemente é alegria”
Os compositores Bujão e J.Brito emocionados davam entrevistas, Franco, outro brilhante compositor da agremiação aos prantos comandava e regia o setor 1 e um membro da velha guarda não aguentou e sentou chorando. Meus olhos se encheram de lágrimas no momento e tive a certeza que amava a União da Ilha do Governador. 
“Os jagunços lutaram até o final
Defendendo Canudos naquela guerra fatal” 
Todos os anos companhando, sofrendo e vibrando com a União da Ilha. Em 1997 virei compositor de samba-enredo começando pela escola e quatorze anos depois realizo o sonho de passar o que passaram aqueles homens em 1990. A escola está linda, barracão e fantasias com certeza entre os melhores do grupo especial e samba crescendo nos ensaios. 
“Hoje a natureza canta
A musa se encanta
E vem pra festejar
E vem sorrir que a vida é bela
Nas cores do seu despertar” 
A União da Ilha sempre foi conhecida como a escola simpatia, alegre que vem para se divertir e divertir, mas seu caminho hoje é outro. A União da Ilha quer ser campeã, ser respeitada e não ser vista mais como um “bloquinho”. 
Quer ser alegre, feliz, mas com faixa de campeã no peito. 
“Sou Dendê de azul e branco, eu sou eu sou
O folclore popular eu vou contar
Com a minha bateria, bate forte contagia
Faz o povo delirar” 
[N.do.E.: ei, esse samba aí de cima também é meu (risos)]
E chegou o grande momento…
Acho que só quem é sambista mesmo, aquele que sabe que carnaval não são quatro dias, mas começa em junho ou julho sabe o que sentimos nesse sábado, quando oficialmente começa o carnaval e as primeiras escolas de samba do Rio de Janeiro entram na avenida. 
É uma mistura de sentimentos, de tensão, ansiedade, agonia, felicidade, emoção à flor da pele.
A gente se emociona ao ouvir o samba antigo de uma escola do terceiro grupo, de ver um carro alegórico de nossa escola pronto, com seu último ensaio ouvindo o samba que ela escolheu que a gente odiava na época da escolha, mas hoje é nosso hino nacional e que ninguém se atreva a falar mal dele. 
“E de repente
Uma lei surgiu
E os filhos dos escravos
Não seriam mais escravos
No Brasil” 
Quem vê uma escola na avenida, seja no rico grupo especial ou no grupo E na Intendente não tem noção do esforço que é para botar esse carnaval na rua. O sacrifício que milhares de pessoas fazem todos os anos sem receber nada em troca, suando, se machucando, ficando sem dormir para que tudo dê certo. 

“Tem com seu talento, reconhecimento
No desfile magistral
O grêmio do morro venceu
O samba no negro Orfeu
Fez um retorno triunfal”
Samba é arte, é cultura, produz empregos, alimenta a alma e faz de um povo sofrido mais feliz. Estava na hora do samba ganhar um Nobel da Paz. 
“Odudua vá falar com Orumilá
Consulte o Oráculo de Ifá
Não se esqueça da oferenda
Não tenha vaidade
A nossa força vem da humildade” 
É o maior espetáculo da Terra pedindo passagem e dizendo que está chegando sua hora. 
“Vou botar molho inglês na feijoada 
Misturar chá com cachaça” 
Hoje é dia de carnaval. Aproveite, curta, beije na boca, beba com moderação e deixe estravasar toda a alegria presa no peito. Deixe seus sentimentos explodirem, desate o nó da garganta com os problemas do dia a dia e na avenida dos sonhos viaje e se emocione. 
Não importa se você vai atrás de blocos, trios elétricos, ver pela TV, desfilar no grupo especial ou na Intendente Magalhães. É o nosso dia, do povo brasileiro. Diga ao espelho que hoje ninguém é mais feliz que a gente. 
Quem dera que a vida fosse sempre como esses quatro dias, mas como não é…
…viva o carnaval !! 
“É hoje o dia da alegria
E a tristeza nem pode pensar em chegar” 
Apostas
O Migão, obcecado como é em resultados, ainda mais se forem definidos antes do carnaval, pediu que eu falasse das possibilidades de cada escola pra esse ano. 
Não vou falar de disse me disse nem boatos sobre carnavais comprados porque ouço isso desde criança e a partir do momento que eu achar que é tudo uma farsa eu largo carnaval porque não sou idiota pra bater palma a algo viciado e corrupto. 
Como não apareceram em minhas mãos provas de nada analisarei apenas pelo ângulo da expectativa do que cada uma pode mostrar respeitando a elas e os concursos. 
Dificil definir porque ao contrário dele e de alguns eu acredito muito na força da esquina da Presidente Vargas com a Marquês de Sapucaí e acho que naquela esquina tudo pode ocorrer. 
Bem, a princípio vejo quatro favoritas ao título: Beija-Flor, Grande Rio, Tijuca e Salgueiro. Normalmente o título ficaria entre essas quatro, mais ainda entre as duas primeiras e Tijuca e Salgueiro dependendo da força de seus carnavalescos Renato Lage e Paulo Barros, os melhores da atualidade em minha opinião. 
Temos algumas incógnitas. 
A Portela vem com o samba do ano e se tudo der certo em seu desfile e ela ainda contar com a estrela que já surgiu tantas vezes na avenida para iluminar uma escola, se junta às quatro primeiras para brigar pelo título, mas tem contra ela a posição de desfile e o fato de muitas vezes perder para ela mesma. Acho que a escola vem nas Campeãs, mas até isso depende e muito dela. 
A Portela com seu grande momento e belíssimo samba para mim é a maior incógnita do carnaval. Sinceramente torço, mas não me passa confiança por seu passado recente. 
Vila e Mangueira vêm de grandes desfiles, mas têm dificuldades financeiras esse ano, precisam vir com a plástica pelo menos razoável e contar muito com seus quesitos de chão para voltar nas campeãs. As escolas têm pra mim o segundo e o terceiro melhor samba do ano respectivamente e a Mangueira já provou ano passado que não se pode duvidar dela. 
Para mim as duas brigam para voltar nas campeãs e se falharem tem Mocidade e União da Ilha esperando por essas vagas. A Mocidade parece tentar se reerguer depois de anos de marasmo vindo com uma poesia em forma de samba-enredo e bons profissionais e a União da Ilha desde 2010 vem mostrando que quer deixar pra trás seus tempos de “bloquinho” e se impor como escola grande. Pelo segundo ano consecutivo seu barracão vem sendo muito elogiado e considerado um dos melhores do carnaval. 
A Imperatriz assim como a Mocidade vem em marasmo nos últimos anos, mas ao contrário da escola de Padre Miguel não parece reagir. Veio com sambas tops nos dois últimos anos e não aconteceu. Nesse que tem um bom samba, mas não top, não acredito em muita coisa da escola. Até pode beliscar campeãs, mas acho dificil. 
São Clemente, Porto da Pedra e Renascer brigam pela permanência. São Clemente em um bom momento tenta se livrar da pecha de “escola ioiô”, é sua maior chance nos últimos vinte anos. Porto da Pedra vem com enredo polêmico, mas conta com a força de Niterói e São Gonçalo além de dinheiro do patrocinador e a dificuldade maior é da Renascer: estreante do grupo especial que só pôde usar a Cidade do Samba nos últimos meses. 
No grupo A apostas no Império Serrano que renasce nas mãos de seu novo presidente Átila e seus apoios, Inocentes que é uma força emergente e Viradouro que vem com um presidente que entende muito de samba e bom enredo. 
No grupo B toda minha torcida pela Caprichosos de Pilares que parece ser a favorita, no C o Boi da Ilha que vem com belo samba e apoio da União da Ilha e da Unidos da Tijuca e no D pelo Dendê que ficou em 3° ano passado e está cada vez mais organizado e profissional. 
No grupo E não tenho nenhuma informação então só posso desejar boa sorte a essas escolas guerreiras que conseguem botar carnaval na rua com pouco dinheiro e muita força de vontade. 
Semana que vem analiso como foi o carnaval e seus resultados. 
Boa sorte a todas as agremiações. Orun Ayé!