Nesta segunda feira mais uma edição da coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro. Hoje o colunista faz algumas digressões sobre a televisão aberta, das quais discordo em parte – algumas destas discordâncias expressei em artigo sobre as novelas ainda dos primórdios do blog, que pode ser lido aqui.

Destarte, me incomoda muito a linha que a emissora adotou em seus jornalismos político e econômico, claramente a serviço de políticos e ideólogos conservadores e reacionários, quase fascistas. Mas este é papo para depois. Passemos ao artigo.

A televisão aberta, as novelas e a Globo

O debate sobre a programação detv é semelhante a um que participei por e-mail semanas atrás, quando do início do Big Brother. Este é um programa de que gosto muito, porque é uma obra ficcional com traços de realidade, com enredo em aberto e personagens ainda em construção.

A programação da TV, no mundo inteiro, é de consumo imediato e rasteiro. Programas de auditório, telejornais, transmissões esportivas, filmes já lançados, programas de calouros, seriados/novelas e, de uns dez anos para cá, shows de realidade. Você pode estar nos Estados Unidos, na França, no Brasil ou no México que o cardápio não varia muito – TV aberta é uma espécie de Mc Donald’s da indústria cultural, não há espaço (e nem deve haver) para grandes aprofundamentos.

Todo mundo aqui vai ao Mc Donald’s de vez em quando, não é? TV aberta é isso, você assiste quando não há nada melhor para fazer.

Sob essa perspectiva, a Globo, quando comparada aos seus concorrentes nacionais e seus referenciais internacionais, entrega um produto de alta qualidade – diria altíssima!

Além do aspecto político, que eu já comentei, o que incomoda as pessoas que não gostam da Globo não é culpa dela, mas sim de um hábito tatuado na alma brasileira: a paixão por novelas. Em nenhum outro país (talvez no México) esse produto é consumido por tanta gente, inclusive gente culta e instruída. Isso é surpreendente. O equivalente das novelas brasileiras, nos EUA e na Europa, são os seriados, mais curtos, mais espaçados, com mais diversidade de enredo e personagem.

A paixão do brasileiro por novelas é algo surreal. Como pode o mesmo enredo, a mesma estrutura, contada por mais de um ano, seis vezes por semana, para um final previsível, seduzir e cativar a elite brasileira? Mesmo nos outros países em que se consome novelas (e não são muitos), o produto é voltado para uma faixa muito específica de telespectadores pouco exigentes e não no horário nobre.

A elite brasileira é muito inculta, mas muito mesmo. Choca o nosso monoglotismo, nosso despreparo, nosso descuido cultural. Então a gente consome novela, se apaixona por elas, interage com elas, mesmo sendo uma espécie de loop sem saída – pois a história nunca muda. O que a Globo faz é simplesmente saciar a sede brasileira por novelas. E, convenhamos, para o que se propõe, o faz com qualidade invejável.

Sob essas perspectivas, as críticas à Globo precisam, sim, ser mitigadas. Até porque, como lembrou uma amiga em outro debate por e-mail, há produtos de elevada sofisticação, embora fora do horário nobre. Eu mesmo tenho um DVD da mini-série Capitu dirigida pelo Luiz Fernando Carvalho, algo revolucionário, inovador e profundamente respeitador com o melhor livro brasileiro. Tão boa que suscitou discussões acaloradas no meio acadêmico sobre a abordagem do episódio da traição da protagonista, que na mini-série é explícita, em contraste com a permanente indagação que permeia o livro.

Nos meus tempos de comunista, a gente se ufanava de gritar a plenos pulmões, “o povo não é bobo, fora Rede Globo”, Um dia eles tiveram coragem e lançaram uma campanha publicitária com um slogan que nos humilhava: “o povo não é bobo, prefere a Rede Globo”. Em síntese, é isso: quem detesta a Globo acaba detestando as preferências do povo brasileiro. O que, convenhamos, é preconceito puro, bem típico da Casa Grande/Senzala.