Nesta quarta feira, temos mais uma coluna do Mestre em História Fabrício Gomes. O tema de hoje é uma resenha de livro lançado recentemente sobre o Rock In Rio.

Não li o exemplar – estou alternando entre as biografias do ex-Presidente João Goulart e do dono da Fórmula 1 Bernie Ecclestone – mas parece em sua estrutura com livro sobre Woodstock que resenhei aqui em tempos idos.

Resenha Crítica: “Rock in Rio – A História do maior festival de música do mundo”

Confesso que quando estive com o livro pela primeira vez, me decepcionei. Achei que tinha muita imagem e pouco texto.

Como estávamos às vésperas da quarta edição do Rock in Rio, imaginei que o livro fosse mais uma das inúmeras publicações, em grande parte oportunistas, que pegam carona em assuntos que dominam o noticiário. Passado o Rock in Rio, vi o livro mais uma vez nas vitrines e pensei finalmente em comprá-lo, mais por curiosidade, para ver se ele trazia alguma informação nova, do que qualquer outra coisa.

Afinal, podia um festival de rock (que, diga-se de passagem, não é apenas de rock, mas de outros ritmos) gerar história capaz de sustentar uma publicação de quase 400 páginas? Como o autor poderia ter escrito um livro que trouxesse alguma novidade, sobre um festival cantado (e decantado) aos quatro ventos?

“Rock in Rio – A História do maior festival de música do mundo”, do jornalista Luiz Felipe Carneiro (Editora Globo, 383 páginas) nasceu de seu projeto de conclusão do curso de Jornalismo na PUC, no Rio. Luiz Felipe leu mais de 2 mil reportagens feitas sobre o Rock in Rio, entrevistou vários artistas do show business que participaram das edições do festival e contou com a preciosa contribuição de Roberto Medina, publicitário, empresário e mentor e idealizador do Rock in Rio.

O livro perfaz o caminho trilhado pelos organizadores do festival, desde a primeira idéia de se fazer um evento no Brasil que renascia na Nova República, após o longo período em que esteve mergulhado na ditadura militar. Sempre traçando um paralelo entre os ares de renovação política e o surgimento do Brasil como cenário para shows internacionais: o nosso país entrando parao o circuito internacional do show business.

Não precisa ser grande conhecedor de rock para se ter noção de que em 1985 o Brasil era praticamente um território desconhecido para os artistas internacionais.

Fora um ou outro artista de grande peso que visitou o Brasil (Frank Sinatra veio ao Rio e lotou o Maracanã, em 1980), não existia por aqui uma tradição para: 1) Receber artistas estrangeiros; 2) Infraestrutura para acolher um festival desse porte. Em 1982 o Kiss teve parte de sua parafernália musical extraviada . No mesmo ano o The Police levou calote por um show apresentado no Maracanãzinho, o que se repetiu no ano seguinte, com Van Halen.

O próprio Queen, em 1981, já com apresentação fechada e contratada para tocar no Maracanã, fora proibido pelo então governador Chagas Freitas – por puro capricho. Com isso, era tarefa árdua dar credibilidade a um evento que surgiu do nada na Ilha Pura, em Jacarepaguá. O Queen e o Iron Maiden, que foram duas das grandes atrações do Rock in Rio 1, em 1985, inicialmente nem quiseram conversar com Roberto Medina. Com muito custo, e com a luxuosa ajuda de Lee Solters, empresário de Sinatra, os artistas iam aceitando os convites e por fim, as principais bandas acreditaram no projeto de Medina. Um tiro no escuro que acabou dando certo.

As dificuldades para erguer o Rock in Rio não pararam por aí. Obstáculos físicos também impediam a realização do festival. Foram necessários 77 mil caminhões de terra para aterrar o terreno da Ilha Pura, cujo solo teria de subir 1,5m para ter condições de realizar o evento. Dificuldades políticas também ocorreram: em 1985, o governador Leonel Brizola queria vetar a realização do evento, só porque a Artplan, agência de Roberto Medina, havia produzido a campanha política de Moreira Franco para o governo do Estado em 1982. Não fosse a intervenção de Tancredo Neves, que ligou pessoalmente para Brizola, praticamente impondo a realização do Rock in Rio, o festival não teria acontecido.

Bandas que cancelaram suas apresentações na última hora, como o The Pretenders, o Def Leppard e o Men at Work, também puseram à prova o sucesso do primeiro Rock in Rio. Falta de verbas – Medina teve de alienar o prédio da Artplan, sua agência, para fechar contratos. Pouco interesse inicial pela venda de ingressos para o festival (o ingresso custava oito dólares o dia) foi outra barreira a ser vencida. Justamente a pouca tradição do Brasil em sediar eventos desse porte foi o motivo para tantas suspeitas de que fosse realmente dar certo. [N.do.E.: mesmo considerando a inflação, percebe-se como aumentaram os preços dos ingressos…]

Talvez a senha para que o livro tenha uma leitura agradável seja justamente o seu formato textual: escrito em forma de diário, relatando show por show, comentando performances, tecendo críticas comportamentais (do artista e do público) e mostrando conhecimento da causa, o autor mostra que entende do que está escrevendo, sem parecer parcial a determinado artista ou gênero musical.

Na primeira edição – assim como em todas as outras – os mais privilegiados foram, sem dúvida, os artistas estrangeiros. Em 1985 o distanciamento foi ainda maior: a qualidade de som para artistas como Rod Stewart, Queen, Al Jarreau, entre outros, era anos-luz melhor e mais limpa do que para artistas nacionais. O tempo destinado aos shows também: enquanto os estrangeiros tinham, em média, 1h30 de show, artistas como Kid Abelha, Alceu Valença e Elba Ramalho tinham pouco mais de 30 minutos para se apresentarem.

Na segunda edição do Rock in Rio, o primeiro obstáculo foi o sequestro do próprio Roberto Medina, em 1990. Naquele ano, o Rio de Janeiro vivia uma onda de sequestros sem precedentes. Outra barreira foi o Plano Collor, que atrapalhou. O festival, programado para ocorrer em julho de 1990, teve de ser adiado e foi acontecer em janeiro do ano seguinte.

As exigências de cada artista podem ser consideradas um capítulo à parte. A própria contratação de Amin Khader, para ser uma espécie de “babá” dos músicos que se apresentaram nas três edições do festival, é por si só pitoresca. Khader ao receber a ligação dos organizadores do festival não acreditou e achou que estava sendo vítima de uma brincadeira.

Os relatos feitos por ele das exigências dos artistas poderiam resultar numa publicação especificamente voltada para isso. Entre outras exigências curiosas, George Michael pediu 20 refeições kosher, devidamente benzidas por um rabino. Prince exigiu um camarim inteiramente na cor púrpura e uma limousine à sua disposição na cidade. Já Rod Stewart pediu 70 toalhas brancas. O Guns n´Roses solicitou macarronada e que nenhuma rádio transmitisse seu show ao vivo – detalhe: ao final do show, Axl Rose fez questão de dividir o macarrão com todo o staff do Rock in Rio 2, chamando-os para sentar à sua mesa nos camarins, no Maracanã.

O livro também conta a epopéia da segunda e terceira edição do festival em detalhes. Mas o trunfo maior é, sem dúvidas, contar os bastidores principalmente do Rock in Rio 1, em 1985. As fofocas, intrigas, exigências e performances das bandas, os ataques de estrelismo de alguns artistas (Freddie Mercury, em 1985, e Prince, em 1991, exigiam que ninguém os olhassem fixamente), compõem os grandes momentos do livro de Luiz Felipe Carneiro.

Uma deliciosa e curiosa viagem no tempo do Rock in Rio, o livro me fez rever meus pré-conceitos sobre o tema, já que eu duvidava que o Rock in Rio pudesse sustentar a publicação de um livro sem que caísse na canastrice literária. Ao fim da leitura, felizmente percebi que é possível sim escrever sobre o festival, sem cair em clichês ou se perder no texto.

Rock In Rio em Três Momentos:
1985 – Queen em “Love of My Life”:

1991 – Guns n´Roses em “Patience”:

2001 – R.E.M. em “Losing My Religion”: