Maurício Beltramelli, 42 anos. Advogado durante 20 anos, mudou de ramo para se dedicar a um assunto onde é um dos maiores especialistas do Brasil: a cerveja. Hoje é uma das referências no assunto, comandando o site “Brejas” – um dos maiores repositórios de conhecimento sobre o “pão líquido” – e o Bar de mesmo nome, alvo de post recentemente aqui neste blog.

Contei neste mesmo texto sobre como conheci o especialista, em uma conversa especialmente calorosa. 

Maurício Beltramelli é o entrevistado de hoje da coluna “Jogo Misto”.

1 – Como foi a transição da advocacia para a cerveja em termos profissionais? Como você descobriu a paixão pela bebida? 
MB – Bom, foi concomitante à advocacia. Eu viajava em função da advocacia, ainda hoje eu tenho clientes na Europa, então eu viajava para atender a esses clientes. Nessas viagens que eu fiz, descobri essa paixão. 
2 – Existe a noção de que cerveja, se for feita em grande quantidade, perde qualidade. Por quê? 
MB – Olha, cerveja boa é cerveja boa, não tem essa de quantidade pequena ou grande. Quem manja do mercado americano sabe que as cervejarias artesanais lá estão crescendo cada dia mais e não tem essa noção não. Não importa a quantidade que for feita, se for cerveja boa, está valendo. 
3 – Brincando, você afirmou que “não vende Brahma”. Estas bebidas de grandes cervejarias podem ser chamadas como tal? Que tipo de artifícios as grandes fábricas se utilizam para baixar os custos? 
MB – Olha, na verdade eu não vendo Brahma no meu bar, mas por uma questão de opção. Ela não freqüenta a minha geladeira mas eu não vou falar mal dela não. 
Ela tem um público, um mercado interessante – talvez seja uma das mais vendidas do Brasil – e a gente não pode falar mal dela por causa disso. Ela tem um nicho de mercado, um consumidor específico. 
Ela tem uma hora pra ela, um momento pra ela, ela é perfeita para aquilo que ela se propõe, que é refrescar, que é pra atender ao maior número de “bebedores” a preço baixo. Os artifícios que as grandes fábricas usam, são menos insumos nobres, menos maltes e menos lúpulos. Esses insumos são caros, e com certeza elas usam esses artifícios para baixar os preços e os custos.
4 – Há alguma marca fabricada em maior escala que pode ser considerada uma cerveja digna do nome, pelo menos para o “dia a dia”? 
MB – Eu falo pra você que é a Heineken. 
É puro malte. É uma cerveja que não leva adjuntos, que não leva high-maltose. Nos meus churrascos eu levo Heineken.
5 – O que é e qual sua opinião sobre a “Lei da Pureza” alemã de 1516, que baliza algumas fábricas? 
MB – A lei de pureza alemã, a Reinheitsgebot, ela é um fator que determina, que dá mote à escola cervejeira alemã, que é uma das três grandes escolas cervejeiras do mundo (a quarta seria a americana). 
Então a partir desse pressuposto é só uma forma de fazer cerveja. Quem faz cerveja de acordo com essa lei e coloca no rótulo, não tem problema, é bacana, só que muita gente às vezes usa a Lei de Pureza pra dizer que as outras cervejas não são puras, o que não é verdade. 
A Lei de Pureza é uma lei que determina e que vai desenhar uma escola inteira de fabricação de cerveja, é legal e importante, mas não quer dizer que quem não segue a Lei de Pureza não é puro. 
6 – Você acredita que o Brasil tem condições de ter um “estilo próprio” de cerveja? Qual seria? O que você acha do quadro atual de cervejas especiais nacionais?
MB – Olha, a gente está muito longe disso. 
Quem hoje fala sobre escola cervejeira brasileira talvez precise estudar um pouco mais sobre a história das outras escolas cervejeiras – inclusive a americana, que começou há 20, 30 anos antes da nossa, que ainda hoje não é considerada por muitos uma escola cervejeira. 
Então não adianta você fazer uma cerveja e colocar frutas brasileiras na cerveja que você vai dizer que é uma escola cervejeira brasileira. Isso na minha concepção não existe. 
Você pode fazer uma cerveja diferente com quaisquer frutas do mundo inteiro. A gente precisa primeiro ter cerveja boa. Eu compartilho da opinião do Alexandre Bazzo, da Bamberg, de que aqui no Brasil a gente ainda precisa estudar muito para fazer uma cerveja boa, porque a nossa cerveja ainda é abaixo da crítica. Pra gente pensar daqui a muitos anos, com esse estudo e evolução, pensarmos em ter nossa escola cervejeira. 
7 – Qual o panorama a médio prazo que você vislumbra para o mercado das cervejas especiais? 
MB – Eu acho ótimo. 
Se imaginarmos que as cervejas mainstreams aqui no Brasil estão crescendo perto de 6% ao ano e as artesanais especiais perto de 14% ao ano, então o nosso mercado só está crescendo, acho que nosso crescimento é a olhos vistos. 
Quem toma cervejas especiais, quem entende que a qualidade é um pouco maior, sabe que pode gastar um pouquinho mais para ter uma qualidade maior à mesa, então o crescimento é bem interessante. 
8 – O que você considera como mais interessante na cultura cervejeira? 
MB – No meu caso, a própria cerveja. A partir disso, as amizades que ela produz, a cultura que ela proporciona, cada cerveja tem a sua história, o crescimento cultural da população em função disso, e também do consumo responsável, você tem uma legião de pessoas consumindo mais responsavelmente a cerveja. Para a saúde pública isso também é interessante. 
9 – Se o leitor quisesse conhecer um centro produtor mundial, qual país você indicaria? Por quê? 
MB – Acho que pelo conjunto da obra, o interessante para você conhecer, até pelo ponto de vista histórico é a Alemanha e a República Tcheca. 
Ali naquela região você tem muitas cervejarias históricas, que fizeram parte da cultura cervejeira mundial ao longo dos séculos, e ali você também tem a oportunidade de conhecer elas por dentro. Tem muitas visitações, é interessante. Eu recomendaria uma viagem cervejeira por aquela região. 
10 – Como funciona uma degustação típica de cerveja? 
MB – Eu sempre digo o seguinte: degustação típica de cerveja não existe. 
Você prestar atenção naquilo que está consumindo, seja o que está consumindo, seja cerveja, prato, um vinho ou até água, você já está degustando cerveja. 
Então não existe degustação típica de cerveja. É só prestar atenção àquilo que você está colocando dentro do copo, desde a cor, da espuma, aí você vai no aroma, então você chega no sabor e no final também. Você tem que prestar atenção em todas as etapas do seu consumo.
11 – Para o leitor iniciante no assunto e que se resume a grandes marcas, que tipos e marcas de cerveja você indicaria para se iniciar um “passeio” pelo mundo das cervejas especiais e artesanais? 
MB – Eu indico todas as cervejas Weissbier, cervejas de trigo. 
Até por experiência lá no BarBrejas, a gente recomenda pra pessoas que querem comprovar algo diferente, e também para não se assustarem com cervejas diferentes daquelas que estão acostumados. Então, as cervejas de trigo, Weissbier, são ideais para que a pessoa inicie num mundo diferente das cervejas Pilsen. Ao mesmo tempo são refrescantes, acho uma boa alternativa para a pessoa iniciar. 
12 – Quais os diferenciais do site e do Bar Brejas, em sua opinião? Há chance de termos filiais em outras cidades? 
MB – Claro que tem chances. 
O site está em crescimento, a gente está crescendo dia após dia, isso vem do nosso trabalho e também principalmente do interesse que as pessoas têm de cervejas especiais no Brasil. A gente tem um crescimento vertiginoso e o Bar Brejas está começando a entender que a fórmula faz sucesso, a marca faz sucesso, a proposta é bastante interessante, e porque não ampliar filiais? 
O futuro a Deus pertence. 
13 – Qual sua cerveja inesquecível? Por quê? 
MB – A Westvleteren, que é uma cerveja belga, que muitos consideram a melhor cerveja do mundo. 

Se ela é ou não, é uma questão de você experimentar e ver se ela é mesmo. A gente sempre fala que a melhor cerveja é a de cada um. 

O bacana foi o passeio que a gente fez na região na Bélgica, até chegar ao mosteiro (antigamente não tinha GPS). Pra mim essa busca à cerveja, esse caminho que eu percorri, foi inesquecível. E a cerveja em si foi inesquecível.
14 – Ales ou lagers? Por quê? 
MB – Não tenho preferência. É a mesma coisa que você perguntar qual a minha cerveja predileta. Eu não tenho cerveja predileta. Eu tenho 120 estilos de cerveja, gosto de todos eles, então tenho 120 estilos de cerveja que eu gosto mais.
15 – Um livro inesquecível. Por quê? 
MB – Todos os livros que eu li são inesquecíveis. 
16 – Qual sua opinião sobre a literatura em português disponível sobre o assunto? O que indicaria para o leitor como “guia de referência”? 
MB – Eu gosto muito do Larousse da Cerveja, do meu amigo Ronaldo Morado [N.doE.: já resenhado aqui]. Acho que pra quem está iniciando nessa cultura, acho que é um guia bem básico e ao mesmo tempo completo, além de ser bonito. Acho que é gostoso de ler e eu recomendo, antes de qualquer coisa, esse livro. 
Pra quem quer se aprofundar um pouco mais, pra quem gosta de filosofia, tem “Filosofia e Cerveja” (também resenhado neste blog), aí a gente tem visto, graças a Deus, o mercado editorial brasileiro sobre cerveja engatinhando ainda, mas com uma perspectiva interessante. 
17 – Uma canção inesquecível. por quê? 
MB – Não tenho. Todas elas são inesquecíveis. Gosto de rock clássico 
18 – Livro ou filme? Por quê? 
MB – A mesma coisa. 
19 – Finalizando, com os agradecimentos do Ouro de Tolo, algumas palavras sobre o blog ou seu autor/editor… 
MB – O seu blog é bacana. 
Não foi à toa que eu hoje mesmo [N.do.E.: a entrevista foi concedida na última quinta feira], nesse momento, eu reproduzi uma opinião sua sobre a venda da Schincariol e tudo mais. Eu sempre acompanho. 
Algumas questões eu não acompanho tanto, como política. Até acho que deveria acompanhar um pouco mais, mas não tenho tempo para ficar acompanhando política. Minha atuação no Bar Brejas é bem grande e a política hoje em dia infelizmente está me dando dissabores – então eu prefiro ficar na cerveja porque me dá meu prazer. 
Claro que isso não pode acontecer, a gente precisa ficar mais atuante na política, mas enfim, você é um grande pensador, um grande articulador. Eu gosto bastante do seu trabalho.
(Transcrição: Fabrício Gomes)