Finalizando as comemorações do segundo aniversário do Ouro de Tolo, temos a volta da coluna “Sobretudo”, assinada pelo publicitário Affonso Romero. O texto parte de uma crônica de Clarice Lispector para fazer uma análise deste blog.

Pretendo divulgar à noite o resultado da promoção – estou em uma semana bastante atarefada.  Portanto, o leitor ainda tem chance de se inscrever – basta clicar aqui.

Bobos como Clarisse

Estou folheando uma coletânea de textos chamada “Clarisse na Cabeceira – Crônicas” (Ed.Rocco, 2010). Tem um formato bastante interessante: cada uma das crônicas de Clarisse Lispector apresentadas foi selecionada dos livros originais “Para não Esquecer” e “A Descoberta do Mundo” e introduzida por uma figura ligada à cultura brasileira através de um texto inicial.

Tem de tudo: desde o indefectível arroz-de-festa Caetano Veloso ao pseudo-jornalista Diogo Mainardi. De Marília Pera à starlet-escritora Thalita Rebouças, passando pelo poeta Ferreira Gullar, o pop-rabino Nilton Bonder e o dramaturgo Naum Alves de Souza. Em alguns casos, o texto de apresentação é tão saboroso quanto o trabalho da autora homenageada.

Lá está uma crônica que é uma das minhas favoritas, escolhida e apresentada pelo poeta Eucanaã Ferraz, chamada “Das Vantagens de Ser Bobo”. 

Para quem ainda não teve a oportunidade de lê-la, atenho-me à simplicidade do conceito: o “bobo”, segundo Clarisse Lispector, é o sujeito que exatamente por estar mais aberto ao mundo, ser menos ardiloso, menos defensivo, menos planejador, menos ambicioso, menos pretensioso, menos senhor de certezas e rótulos (exceto, o de ser bobo), é mais livre para ousar. Ou, citando o primeiro parágrafo de Clarisse: “O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo.”

Fiquei pensando sobre o que escrever nesta semana em que comemoramos o segundo aniversário do Ouro de Tolo, imaginando que poderia tentar fazer um perfil do blog a partir daquilo que conheço do perfil dos seus colunistas. E, afinal, o que temos aqui em comum?

Salvo algum colega colunista que queira se manifestar em contrário, acho que todos aqui somos bobos. Sim, bobos como aquilo que a Clarisse Lispector define tão carinhosamente como tal – implícita aí a própria autodefinição dela.

O bobo da Clarisse é a antítese dos “isssxpeerrrrtus” que assolam nosso cotidiano. Os falsos malandros que se armam de mil artimanhas, contra os quais outros malandros devem se defender. Não são necessariamente más pessoas, a maioria sequer suporia cometer um delito grave, nem são só aqueles que vivem de aplicar golpes. Mas todos os que, escudados pelas agruras reais da vida, atravessam este deserto pleno de multidões, mas vago de humanidade, céleres em direção a suas ambições pessoais.

Quem somos aqui na Ouro de Tolo? Somos uns caras que acreditam, que colocam fé em alguma coisa, que tentam enxergar os fatos com um viés humanista, sair da retórica conformista distribuída por aí como verdade absoluta.

Na Ouro de Tolo somos amadores da palavra, assim no sentido mais literal. Não que escritores e jornalistas profissionais tenham de ser, necessariamente, mercadores de uma verdade à venda por caraminguás. Há gente digna e isenta na seara da escrita remunerada.

Mas o mesmo não pode ser dito sobre as grandes (e pequenas) corporações jornalísticas, de modo que qualquer trabalho acaba contagiado pelos mais diversos interesses, querendo ou não o autor do texto. Aqui, não. Aqui só temos a obrigação da sinceridade, do exercício da liberdade. Se há uma identidade ideológica aqui, ela é casual. Provavelmente, provém do tipo de bobo que assina estas colunas, um bobo que acredita nos valores humanistas, que não precisa se revestir do cinismo e da autocensura para nada.

A maioria de nós, colunistas, nem se conhece pessoalmente, de modo que qualquer avaliação que eu faça de meus colegas, ou até mesmo do editor, só pode ser feita a partir de seus textos. Idem para traçar algum paralelo entre o que eu expresso ou o que seja escrito aqui por outro colega. Salvo o trio que troca idéias e farpas a respeito do Flamengo em uma lista privada – e lá o Flamengo é tema quase onipresente – não combinamos, conversamos, articulamos. No máximo, lemos as colunas mutuamente com alguns dias de antecedência.

Então, como se diz no início das obras de ficção, aqui também qualquer semelhança é mera coincidência. Não temos uma linha editorial ditada, pensada, urdida. Simplesmente porque estamos aqui para escrever por escrever, pela necessidade única de se expressar livremente. E cada um dos colunistas encontra aqui no Ouro de Tolo esta porta aberta às idéias.

E como eu não sei de nenhum de nós que tenha outro interesse senão este – a expressão do pensamento livre – somos uns bobos, no conceito lispectoriano de bobice. No meu caso, com muito orgulho, espero que também no caso dos demais colunistas.

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