Em mais uma coluna especial de aniversário, o historiador Fabrício Gomes nos traz uma combinação irresistível: música e cinema. Aproveitem.

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O segredo é a música

A música vive me emprestando saudade. Por diversas vezes, ouvindo alguma melodia, remeto a um tempo específico de minha vida: um lugar, uma pessoa, uma época passada. Entra pelos ouvidos e areja a mente, devaneando pensamentos saudosistas – que podem ser bons ou ruins, porém sempre nostálgicos.

É interessante a função da música em nossas vidas. Às vezes, é vista como produto, forma de entretenimento. Música para relaxar, para passar o tempo. Em outras ocasiões, a música penetra no inconsciente, ressignificando sintomas. Um gago inveterado pode gaguejar ao ler um texto em voz alta, mas jamais gagueja quando canta uma música. Uma pessoa com Alzheimer pode não se lembrar de fatos do cotidiano (e muito menos de fatos do passado), mas sabe na íntegra uma canção antiga – uma canção que a marcou ou representou uma época importante de sua vida. Uma criança começa sua alfabetização ouvindo músicas, cantigas. Cantamos para ninar bebês, acalmá-los (mesmo que em certa altura cantemos que “a Cuca vem pegar”)… cantamos porque desejamos expressar felicidade – ou mandar a tristeza embora.

Daí a importância que a música adquire também nos filmes. As pessoas, com exceção de poucos detalhistas, quase nunca dão valor à trilha sonora de um filme, talvez porque estejam prestando atenção aos diálogos ou ao desempenho (ou beleza, sex appeal) dos atores. Ou então porque estão preocupadas em ler as legendas do filme, tentando fazer a conexão do roteiro com o entendimento do enredo. O que não sabem é que na maioria das vezes, a trilha sonora é responsável pelo sucesso de um filme, por torná-lo agradável aos olhos daqueles que o assistem. A música envolve e amacia a mente do espectador.

Alguns filmes se tornaram célebres nesse sentido. Por terem justamente uma trilha sonora envolvente, que se insere em nosso inconsciente, a ponto de mesmo assim, terminarmos a exibição, tecermos longos elogios à direção da fita, aos atores, aos efeitos especiais. Mas.. e a trilha sonora? Porque quase nunca é elogiada?

Vamos ao exemplo do cultuado “2001 – uma odisséia no espaço”, de Stanley Kubrick, lançado em 1968:

Os primeiros 32 minutos de filme não têm diálogos. Somente imagens, montagens. Mas há a trilha sonora, que flui durante a exibição, e justamente por estar no mesmo timing das cenas, faz com que o espectador absorva a trama de modo diferente. Primeiramente com ‘Also Sprach Zarathustra’ e depois com a valsa ‘Danúbio Azul’, de Strauss, o segredo do filme está na trilha sonora – sem querer desmerecer a idéia central do diretor, tirando essa trilha sonora, a emoção não existiria.

Em “Cinema Paradiso” (1988), de Giuseppe Tornatore, a trilha sonora fica por conta do maestro italiano Ennio Morricone:

A música é a responsável pela emoção do filme, que mostra a evolução do cinema numa pequena cidade italiana, como pano de fundo para a trama que envolve as personagens. Ennio Morricone acerta o tom, e a trilha sonora traduz justamente a nostalgia de uma personagem que após 30 anos longe de sua cidade, retorna e a encontra totalmente transformada pelo progresso.

Também encomendada especialmente a Ennio Morricone, a trilha sonora de “Era uma vez na América” (1984), dirigido pelo italiano Sergio Leone, é igualmente magistral. O filme, que conta a história do surgimento da máfia nos arredores de Nova York, tendo também a história da comunidade judaica na cidade:

Em “Manhattan”, filme dirigido por Woody Allen, em 1979, a trilha sonora tem a cara da cidade de Nova York, e foi composta por George Gershwin, misturando jazz com orquestra:

E há também as clássicas trilhas sonoras, como “E o vento levou” (1939), que praticamente É o filme inteiro (tente imaginar esse filme sem essa trilha sonora ou com outra qualquer?):

Em “Blade Runner – o caçador de andróides” (1982), de Ridley Scott, a trilha sonora foi composta por Vangelis e Love Theme chama a atenção, pela cena onde não há diálogos ou efeitos: apenas a música:

Qual a trilha sonora tem mais o significado de aventura? Impossível dissociar a trilha principal de todos os “Indiana Jones” lançados até o momento, do conceito de aventura e ação. Composta por John Williams, tornou-se uma das mais conhecidas do mundo:

Certamente que poderia listar mais de 100, 200 trilhas sonoras que merecem o devido destaque, o que tornaria este post longo, extenso e enfadonho – e nem uma trilha sonora daria jeito de salvá-lo. Mas não poderia deixar de finalizá-lo com uma cena maravilhosa, de “Scent of woman” (“Perfume de mulher”), de 1992.

Sempre que esse filme é lembrado, todas as pessoas inevitavelmente mencionam o tango Por una cabeza (Carlos Gardel), dançado por Al Pacino, que vive um personagem cego, e a atriz Gabrielle Anwar. “Vive-se toda a vida num segundo” – e todo o filme pode ser vivido nessa cena:

A música é capaz de trazer o passado de volta, definir personalidades e praticamente definir o sucesso de um filme – em muitos casos, SER o verdadeiro segredo de um filme.

Até a próxima!