Neste final de semana temos mais uma edição da coluna Bissexta, do advogado Walter Monteiro. O tema de hoje é sobre a legalização da maconha e os argumentos pelos quais o colunista é contra tal postura.
Eu voltarei ao tema na semana que vem, porque confesso que não tenho opinião formada mas considero que há aspectos a serem analisados, em especial sob o ângulo econômico.
Vamos ao texto.
A Razão Encoberta pela Fumaça
O debate mais pobre de boas idéias e de argumentação coerente se trava em torno da legalização do uso de drogas. 
Os que a ela se opõem estão sufocados por uma onda de radicalismo pouco típica nessa terra da tolerância. Sem que a gente se desse conta, de uma hora para outra defender publicamente a legalização passou a ser interpretado como apologia ao crime. A ponto de uma manifestação pacífica como uma tal “marcha da maconha”, que reúne uma trupe ‘riponga’ na orla de Ipanema, geralmente acabar com gente presa – sem contar que volta e meia implicam com o Marcelo D2 e suas músicas monotemáticas. Convenhamos! Vamos pedir piedade, para essa gente careta e covarde… 
A turma do “Não” também repete o mantra que a maconha representa o primeiro degrau da escalada no mundo das drogas, citando pesquisas que supostamente referendariam essa percepção. Olha, nunca li essas tais pesquisas, mas desconfio que essa linearidade hierárquica depende muito de onde o investigador posiciona o marco zero da doideira. 
Se fosse o caso de incluir substâncias lícitas, talvez as pesquisas demonstrassem que todos os usuários de drogas pesadas tiveram suas primeiras experiências com álcool ou tabaco. E, claro, nem todos os consumidores habituais ou ocasionais de álcool ou tabaco vão intensificando suas experiências até chegarem à heroína. Portanto, acho esse raciocínio uma visão torta do problema. 
Constatar a fragilidade dos discursos dos opositores da legalização não me torna um defensor da liberação. Pelo contrário. Sou contra, bastante contra, à legalização das drogas ou da maconha. E os argumentos de quem a defende me parecem ainda mais ingênuos. 
Vamos a eles. 
Eu acho surpreendente que gente inteligente, culta e preparada possa sinceramente acreditar que a legalização do uso das drogas vai reduzir drasticamente a criminalidade, por eliminar a necessidade dos traficantes. Como em um conto de fadas, no dia que a lei entrar em vigor todos os bandidões iriam procurar emprego e abandonar de uma vez por todas suas vidas erráticas. 
O problema dessa simplificação é que não foi a proibição que transformou esses rapazes em foras-da-lei, mas a bandidagem é que elegeu o comércio de drogas como prioridade em suas atividades criminosas. Não houvesse o tráfico, os bandidos continuariam a ser bandidos, exercendo outras práticas ilícitas. 
Sem contar que há um limite para a legalização das drogas. Ou alguém acha que dá para legalizar o crack? Ou a merla (agora “descoberta” pela imprensa com o nome de Oxi)? 
Bom, se alguém acha que dá, é melhor começar a refletir o que exatamente significa a diferença entre ser lícito ou ilícito. Tudo aquilo que é lícito possui proteção estatal e está sujeito ao cumprimento de determinadas regras. Alguém em sã consciência acha que dá para comprar merla/oxi (restos de cocaína misturados com querosene, cal virgem e ácido de bateria) de forma legal? 
Quem defende a legalização das drogas em geral – ou mesmo da maconha em particular – costuma subestimar o cenário futuro, ignorando como se daria a interação dessas drogados na sociedade. Quero especular um pouco sobre o tema, ainda que me detendo só na maconha, a droga ilícita mais disseminada e consumida. 
A única boa notícia para os usuários é que a maconha legal implicaria em uma súbita melhoria na qualidade do produto. Quem já foi ao Bulldog em Amsterdam sabe do que estou falando. 
A maconha seria submetida às constantes avaliações da vigilância sanitária, do Ministério da Agricultura e da Agência Nacional de Saúde. Sua embalagem especificaria os ingredientes adotados no seu preparo, eventuais conservantes e acidulantes, o prazo de validade. Seria, naturalmente, fortemente tributada pelo Estado, a exemplo do que ocorre com o tabaco e as bebidas alcoólicas. Seu custo de produção não seria barato, o que implicaria em um preço final de, digamos, uns R$10,00 ou mais para um simples baseado. Bem mais caro do que o preço atual. 
Aqui, claro, começa o primeiro problema: a elevação súbita do preço da mercadoria levaria à criação de um mercado paralelo, vendendo maconha ilegal a preços mais em conta, mas ainda assim maiores do que os valores atuais, já que o paradigma de mercado seria imposto pelos comerciantes legalizados. Ou seja, os traficantes atuais, além de não serem extintos, ainda teriam um aumento repentino dos seus lucros. E a rapaziada da “marcha da maconha” que se prepare para gastar mais com a parada. 
Só que não é só uma questão econômica que permeia a maconha legal. É uma mudança radical de hábitos, uma transição para a qual a sociedade precisa refletir. Da mesma forma que hoje o pessoal toma um ou dois chopinhos na hora do almoço e depois volta para o turno da tarde, nada vai impedir que para estimular o apetite a galera resolva compartilhar um baseado. 
Bom, eu não sou médico, só sou curioso. Mas o efeito entorpecente de dois chopes nem de longe se compara ao potencial de uns tapinhas suaves – ainda mais em uma maconha purinha, com Denominação de Origem Controlada de Cabrobó, como os marqueteiros das indústrias de cânhamo vão fazer questão de rotular. 
E por aí vai: nos fumódromos dos shopping, no estádio de futebol, na pracinha onde as mamães levam os seus bebês, na praia, enfim, em tudo quanto é lugar, vai ser possível esbarrar com uma rapaziada fumando unzinho na paz, com aquela conversa idiotizada e imbecilizada que só quem está doidão consegue achar graça. 
Fumar maconha vai ser mais seguro que beber. Afinal, como a polícia não tem bafômetro capaz de identificar os níveis de THC (princípio ativo da maconha) no sangue, para não arriscar perder a carteira com uma taça de vinho é melhor ‘apertar um do bom’ e partir para a night já de cabeça feita. 
Bom, posso render páginas e páginas de como a maconha legal modificaria os nossos hábitos e como o seu consumo seria incentivado pela simples legalização – consumo que, convenhamos, é nocivo, não me façam perder tempo elencando aqui o mal que a cannabis faz. A mensagem central, entretanto, é simples: 
· Legalizar as drogas de forma generalizada é impossível, por conta do crack, da merla e outras bizarrices semelhantes – logo, o tráfico nunca acabará; 

· Mesmo que todas as drogas fossem legalizadas, o alto custo a ser agregado por conta das exigências burocráticas e fiscais provocaria a criação de um mercado paralelo, controlado por traficantes; 

· A legalização implicaria em uma forte elevação dos preços atuais das drogas, tornando o negócio dos traficantes ainda mais atraente, por ser bem mais lucrativo que o mercado atual, com riscos menores de incômodo com a polícia; 
· A legalização, ao remover barreiras, estimula o aumento do consumo de substâncias nocivas; 

· O consumo legal e irrestrito de entorpecentes promoverá transformações imprevistas na interação dos consumidores com o resto da sociedade, modificando hábitos e causando constrangimentos hoje inexistentes. 
Por favor, não me confundam com nenhum careta fundamentalista. É claro que há situações em que sou a favor do uso legal, como para fins medicinais e de pesquisa, com controle e regras claras. 
Finalmente, a parte que para mim é mais surpreendente de todo este debate e que, a meu ver, é a comprovação definitiva de que neste tema a razão está inteiramente encoberta pela fumaça. 
O Brasil tem uma legislação relativamente nova sobre entorpecentes, editada em 2006. Há uma discussão acalorada se essa lei criminaliza ou não o consumo e o plantio de drogas para uso pessoal. 
Não vou dissecar essa divergência teórica, mas é preciso lembrar que o consumo de drogas NÃO é punido com a prisão, já que as únicas penas possíveis são (I) advertência, (II) prestação de serviços à comunidadeou (III) comparecimento a programa ou curso educativo, sendo que as opções II ou III são limitadas ao prazo máximo de 5 meses. 
Só para citar alguns exemplos de condutas recorrentes, dirigir embriagado dá cadeia de até 3 anos de prisão, explorar a prostituição tem pena máxima de 10 anos, perturbar o sossego alheio com algazarra pode levar alguém à prisão por 3 meses, não ter cuidado com a guarda de animais perigosos é punido com 2 meses no xadrez e por aí vai. 
Sejamos sinceros: o consumo de drogas, de acordo com a nossa legislação atual, é uma conduta considerada de baixo potencial ofensivo e sanção praticamente inexistente. Sob tais condições amenas, fica a pergunta: vale a pena perder tempo defendendo a legalização? 
Quem quiser fumar o seu ‘boldinho’ em paz que descole umas sementes e crie sua própria reserva em casa que ninguém vai encher o saco, desde que o faça de forma solitária e na tranquilidade do lar. Porque oferecer droga, ainda que gratuitamente e a pessoa de seu relacionamento para juntos a consumirem, continua sendo um crime sério, levando o desavisado ao xilindró por 1 ano. 
Uma última advertência: cada um faz da sua vida o que bem entender, mas se for para fumar maconha, que o faça longe de mim. Por circunstâncias da vida, já sou obrigado a aturar um monte de gente naturalmente apatetada, mas que não tem culpa de ser assim. Tudo o que eu não preciso é ver gente culta fumando algo que as torna intelectualmente debilitadas.