Quarta feira, final de ano, dia corrido, mas uma versão mais da coluna “Formaturas, Batizados & Afins”, assinada pelo Professor de Biofísica Marcelo Einicker. O tema de hoje é a descoberta de uma bactéria (acima) que pode revolucionar a pesquisa sobre as diversas e possíveis formas de vida.

Uma Bactéria Diferente, que muda as bases da Biologia

Caros amigos,
   
A comunidade científica está animadíssima com uma novidade divulgada semana passada por cientistas da NASA, a renomada agência Espacial Norte Americana. E claro, quando se fala em NASA lembramos logo de foguetes, espaçonaves, vida fora da Terra; o que com certeza contribuiu para a geração de algumas informações errôneas a respeito desta alardeada notícia. Cientistas descobriram uma bactéria que utiliza o Arsênico (As), um metal tido como não essencial à vida, em processos metabólicos diversos causando um frisson entre toda comunidade científica mundial; visto que esta descoberta poderá mudar tudo que aprendemos e que está nos livros acerca das condições mínimas ou pré-requisitos mínimos para que haja um tipo de vida.

O que é o Arsênico

   
O arsênico ou arsênio (que tem como símbolo químico As – do grego Arsenium) é um metal de ocorrência natural, sólido, cristalino, de cor cinza-prateada. Exposto ao ar, perde o brilho e torna-se um sólido amorfo de cor preta. Esse metal é utilizado como agente de fusão para metais pesados, em processos de soldagens e na produção de cristais de silício e germânio. O arsênico é usado na fabricação de munição, ligas e placas de chumbo de baterias elétricas. Na forma de arsenito é usado como herbicida e como arsenato é usado nos inseticidas.

Para a nossa saúde, o arsênico é considerado tóxico, visto que no homem produz efeitos nos sistemas respiratório, cardiovascular, nervoso e hematopoiético. No sistema respiratório promove irritação e danos nas mucosas nasais, laringe e brônquios. Exposições prolongadas podem provocar até a perfuração do septo nasal e rouquidão, a longo prazo, insuficiência pulmonar, traqueobronquite e tosse crônica. No sistema cardiovascular são observadas lesões vasculares periféricas e alterações no eletrocardiograma. No sistema nervoso, as alterações observadas são sensoriais e polineuropatias, e no sistema hematopoiético observa-se leucopenia, efeitos cutâneos e hepáticos. Tem sido observada também a relação de intoxicação pelo arsênico com câncer de pele e brônquios.

Papel biológico
   
Até a semana passada não havia qualquer evidência da importância deste elemento químico para todos os organismos vivos, ou ainda, que sua deficiência venha a causar complicações. Contudo já se sabia que o arsênico poderia ser um componente de determinadas reações enzimáticas presentes em algumas formas de vida mais simples como certos organismos unicelulares, que o utilizam como catalisador em reações de oxi-redução para obtenção de energia.

Por outro lado, existem relatos de que doses extremamente baixas de arsênio, como 1 parte por bilhão (ppb) na água ou 7 partes por milhão (ppm) no solo já afetam a fisiologia normal de plantas e animais, inclusive de humanos – como já dito acima. O arsênico pode inibir vias metabólicas cruciais em diversos processos biológicos celulares, causando assim lesões graves nestes organismos expostos a concentrações maiores. A presença de mecanismos de resistência ao arsênico em virtualmente todos os organismos vivos conhecidos, desde unicelulares até multicelulares, é um forte argumento contra a hipótese da essencialidade do arsênio.

A quebra de um paradigma central
   
Todos os registros experimentais mostram que os elementos químicos indispensáveis para a vida, desde sua forma mais primitiva representada pela mais simples das bactérias, até uma célula superespecializada como um neurônio, são os elementos carbono (C), hidrogênio (H), nitrogênio (N), oxigênio (O), enxofre (S) e fósforo (P).

São estes seis elementos que em combinações diversas e únicas formam todas as macromoléculas que integram as biomoléculas e representam o que conhecemos como vida. Assim estes seis elementos compõem os ácidos nucléicos (DNA e RNA), as proteínas, os lipídios e os açúcares; além de desempenharem papéis importantes na regulação de reações químicas diversas, por exemplo, o fósforo presente na molécula de ATP (a moeda energética das células) ou ainda o fósforo que modula vias metabólicas ao ser integrado a proteínas e lipídios por proteínas chamadas cinases. Em teoria não há nenhuma razão específica pela qual outros elementos químicos não poderiam ser utilizados. Só que até então, nada havia sido identificado pelos cientistas.

Na semana passada a revista Science, uma das mais importantes revistas científicas do mundo, publicou um trabalho conduzido por pesquisadores da NASA que identificou em um estranho lago salgado na Califórnia uma bactéria muito particular que se utiliza de arsênico para grande parte de seus processos metabólicos. Este fenômeno contraria todos os trabalhos já consagrados e de certa forma redefinindo o conceito de vida tal qual conhecemos.

Esta bactéria não apenas capta o arsênico presente em abundância nas águas do lago Mono, na Califórnia (formado numa região vulcânica, com minerais muito densos, inclusive o arsênico), como também incorpora e utiliza esse elemento químico em diferentes reações metabólicas. Por exemplo, incorporando o arsênico diretamente ao seu DNA, que pode ser considerada uma das mais nobres de nossas macromoléculas. Esta cepa especial de bactéria, classificada como “Halomonadaceae” é muito abundante nas águas daquele lago, que segundo os cientistas é um lago repleto de vida mas não de peixes ou de formas antes estudadas.

Esta descoberta mostra como ainda se conhece muito pouco a respeito das formas de vida presentes na Terra. Isto serve como incentivo para um maior incremento nas iniciativas que busquem organismos semelhantes com metabolismo pitoresco, como esta bactéria do lago de arsênico. Imaginem as perspectivas biotecnológicas que podem surgir a partir do estudo das vias metabólicas deste microorganismo.

Com certeza já deve estar iniciada uma pesquisa para a elucidação do genoma desta bactéria, que indubitavelmente trará novas e fascinantes descobertas. Além disso, o fato de ter sido encontrada uma forma de vida que se utiliza de um elemento químico não antes imaginado amplia enormemente as possibilidades de busca por seres vivos em outros planetas ou luas, que é um dos ramos mais financiados da Nasa. Conforme disse o pesquisador Ariel Anbar, um dos cientistas deste grupo que publicou esta descoberta, “a vida tal qual a conhecemos exige elementos químicos particulares e exclui outros, mas… essas seriam as únicas opções? Quão diferente a vida pode ser?”
   
O estudo, publicado na revista Science, demonstra que um dos mais notórios “venenos” da Terra pode também ser a matéria-prima para a vida de algumas criaturas. No trabalho experimental publicado na Science, os pesquisadores cultivaram a bactéria em uma solução de água com arsênico, contendo apenas uma mínima quantidade de fósforo. A bactéria “Halomonadaceae” se multiplicou na placa de cultura quando havia só arsênico ou só fósforo, mas não multiplicava sem ambos os elementos.

Isso mostrava que o microorganismo teria uma dupla capacidade: ele pode crescer com fósforo ou com arsênico, o que o torna muito peculiar, embora fique aquém de ser alguma forma realmente ‘alienígena’ de vida, pertencente a um tronco diferente da vida, com uma origem em separado. É importante que se realce este ponto pois vários órgãos de imprensa divulgaram esta descoberta como o descobrimento de uma forma de vida alienígena na Terra, o que não é verdade.

De fato, esta descoberta sugere que os astrobiólogos (ramo da Biologia que estuda a possibilidade de vida extraterrestre) não precisam restringir sua busca aos planetas ou luas que contenham os mesmos elementos que temos  na Terra. “Nossas descobertas são um lembrete de que a vida tal qual a conhecemos pode ser muito mais flexível do que geralmente supomos ou podemos imaginar”, disse Wolfe-Simon, outro dos pesquisadores envolvidos. E complementou: “Se algo aqui na Terra pode fazer uma coisa tão inesperada, o que mais a vida pode fazer que ainda não vimos? Sempre é hora de se pesquisar”.

Até a próxima !
Marcelo Einicker Lamas

Fontes consultadas:
http://pt.wikipedia.org
http://www.icb.usp.br/~mariojac/links/arsenico.html
Reportagem de Maggie Fox no Estadão On Line