Iniciando a série de artigos especiais sobre as eleições presidenciais,  de volta ao seu dia habitual a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, tenta traçar um panorama da campanha eleitoral e do que irá acontecer depois.

Discordo pontualmente do texto – penso que a campanha difamatória por parte dos tucanos transcedeu e muito a internet, como se pode ver nesta absurda foto – mas é um bom panorama e texto, como de hábito, de altíssima qualidade.

Um Brasil Melhor Depois da Apuração

Virou moda, nos últimos dias, criticar o baixo nível da campanha eleitoral e lamentar o futuro o que o futuro nos reserva, depois de tanto chumbo trocado no segundo turno da eleição presidencial. Pois eu vou caminhar na contramão e dizer que todo esse clima de Fla x Flu nos trouxe amadurecimento político e trará bons frutos no futuro.

Primeiro, a tal “baixaria”. Campanhas eleitorais anódinas e plastificadas só são boas nas cabeças dos chamados marqueteiros. Não sei bem quando foi que se solidificou a crença de que política é uma mercadoria publicitária e que candidatos são meros produtos a serem lapidados por consultores de imagem. Quando tudo isso começou (e foi só há 3 meses, embora pareça ter sido no século passado), o Serra ainda falava bem do Lula nos seus programas e a Dilma era só a mãe do PAC, a gerentona competente. 

A coisa só começou a mudar quando o Serra assumiu de vez o discurso conservador e a Dilma radicalizou as divergências com as políticas de FHC. É óbvio que houve excessos terríveis (eu mesmo falei deles na minha última coluna) e sob a desculpa da liberdade de opinião se mentiu, se difamou e se caluniou como nunca. Mas, justiça seja feita, as coisas mais detestáveis circularam pela Internet e de forma descentralizada, ainda que recaiam suspeitas sobre alguma orquestração. Talvez seja o caso, na próxima eleição, de se punir com rigor candidaturas que tenham vinculação com práticas criminosas na rede.

Depois, o fim do mito de que brasileiro é despolitizado e vota em pessoas, ao invés de votar em partidos.  Chegaram ao segundo turno dois candidatos sem carisma e tidos como pessoas antipáticas. E a polarização entre ambos foi evidente. Há quem diga que “esquerda” e “direita” não existem mais. Ou que o PT não é mais “esquerda”. Por isso, vou evitar essas expressões, prefiro classificar a ramificação política entre “progressistas” e “conservadores”. O embate entre essas correntes de opinião é vivo desde 1994, mas nunca foi tão acirrado – especialmente porque Lula, a figura mais emblemática de todas as eleições anteriores, dessa vez não podia se candidatar. E em 2010 ambos os lados têm o que comemorar.

No campo conservador, o grande êxito é a possibilidade de, finalmente, poder se revelar ao país de um modo mais direto. Há uma imensa parcela da população que é profundamente conservadora, que defende a pena de morte, que condena o aborto, que abomina as liberdades sexuais, que cultua valores morais rígidos, que acredita que a economia deve atuar com um mínimo de regulação, que detesta políticas de inclusão social. Há coisa pior até, gente racista, machista, preconceituosa ao extremo e talvez nem sejam tão poucos. Isso não os faz menos brasileiros ou lhes retira os direitos de cidadãos.

Paradoxalmente, os políticos identificados com esses pensamentos sempre se apresentaram fantasiados de liberais (no sentido norte-americano desta expressão), o que é uma contradição. A eleição de 2010 liberou os conservadores desses disfarces e, como era de se esperar, animou os adeptos desse campo político a se engajarem na campanha. Torço, sinceramente, para que cada vez mais os conservadores sejam autênticos.

Do lado progressista, o PT se afirmou definitivamente como a referência partidária. O ônus de ser governo permitiu, ainda no primeiro mandato de Lula, a criação do PSOL, que chegou a fazer bonito na eleição de 2006, Heloisa Helena à frente. O agrupamento dos conservadores em torno do PSDB e reação raivosa contra Lula e o PT acabaram servindo para esvaziar o discurso de que não há diferenças entre o PT e a “direita”, aglutinando todos os apoiadores do campo popular sob o PT. O PSOL encolheu em termos de projeção (ainda que tenha ficado mais ou menos igual na representação parlamentar) e os demais partidos progressistas não alinhados com o PT (PSTU, PCB, etc.) são minúsculos.

A imprensa fez um papelão, por se comportar como partido político, de ambos os lados. Mas ao menos os veículos de menor poder econômico que se alinharam ao PT conquistaram espaços mercadológicos importantes. Talvez seja isso que nos reste daqui para a frente, cada leitor escolhendo o jornal/revista que mais se afinar com sua ideologia. Eu sou capaz de apostar que a entrada do grupo português Ongoing nesse setor vai contribuir para a segmentação de leitores por pensamento ideológico. O que, aliás, é muito comum em outros países.

Esqueçam catastrofismos como país dividido ou coisa parecida. Somos brasileiros, afinal. Seja lá quem ganhar (Dilma, dizem as pesquisas e torço eu), vai baixar o tom e se aproximar do outro lado. A sociedade, que tanto se engalfinhou nesta reta final, também vai se ocupar de outros temas. A Veja vai continuar a falar mal do Governo, a Carta Capital vai continuar a falar bem e a vida segue.

Bom olhar para trás e ver como o Brasil melhorou nos últimos 25 anos. Bom olhar para a frente e prever que nada de ruim nos espera. Ótimo ver que a população, em todos os níveis de renda e educacionais, vota de forma absolutamente consciente e independente, mostrando o quanto crescemos.