Após um longo interregno, eis que temos de volta a nossa coluna “Samba de Terça”. E em semana de eleições, com um tema político.A Caprichosos de Pilares vinha de uma série de enredos críticos e satíricos desde 1982, quando a escola ganhou o então Grupo 1B – equivalente ao Grupo de Acesso A de hoje em dia – com o inesquecível desfile sobre a feira. Em 1984, 85 e 86 a escola havia abordado a política tangencialmente nos enredos sobre o comediante Chico Anísio, sobre a Saudade – que já foi tema desta série – e sobre a americanização dos costumes.

Para 1987 a agremiação de Pilares resolveu falar de política diretamente. “Eu Prometo” seria o tema, buscando expressar concomitantemente a esperança dos brasileiros com a redemocratização recentíssima, por um lado, e ironizando as eternas promessas de candidatos por outro. O tema ganharia a assinatura do já consagrado carnavalesco Luis Fernando Reis, desta vez em parceria com Wany Araújo.

De certa forma, o enredo proposto era semelhante ao apresentado pelo Império Serrano no ano anterior, “Eu Quero”. Entretanto, este abordava a esperança dos brasileiros por uma vida melhor, enquanto a Caprichosos enveredou pelo lado satírico. Questionando a “práxis” política da época – e de hoje também – e as promessas irreais de políticos que asseguravam mundos e fundos e viravam as costas para o povo que os havia elegido, a escola pretendia alertar e criticar a Assembléia Constituinte que então estava em vias de se iniciar.

Depois dos desfiles dos anos anteriores, a escola de Pilares era muito aguardada naquela ocasião. O samba de Evandro Bóia, Naldo do Cavaco e Toninho 70 se tornou sucesso imediato nas rádios do país no período pré-carnavalesco, ainda mais com o fracasso do Plano Cruzado, visto como essencialmente eleitoreiro. O samba fez tanto sucesso que muita gente considera que o título do enredo é “Ajoelhou tem que rezar”, verso do refrão do samba naquela ocasião.

Entretanto, a preparação do desfile sofreria percalços devido ao desentendimento ocorrido entre os carnavalescos. Luis Fernando Reis defendia que as alegorias deveriam contar o enredo, enquanto seu assistente, que havia sido auxiliar de Joãozinho Trinta na Beija Flor advogava que os carros serviriam como “escada” para mulheres bonitas, de pouca roupa, exibindo-se para a platéia. Tal desavença prejudicaria demais a preparação da escola.

A Caprichosos foi a quarta escola a pisar no Sambódromo no domingo de carnaval, 01 de março de 1987. Embora muito aguardada pelo público, a escola fez um desfile bem aquém em termos plásticos do que se esperava, o que acabou refletindo na abertura dos envelopes dos jurados com apenas a décima segunda colocação, alcançando 196 pontos. Ressalto que este é um dos resultados mais questionados e polêmicos da história recente dos desfiles, onde a minha avaliação pessoal é que  o título conquistado pela Mangueira foi, no mínimo, uma aberração.

O certo é que Luis Fernando Reis se afastou da escola após este carnaval, retornando apenas para os carnavais de 1993 (outro bastante polêmico) e 1994. A Caprichosos abandonaria progressivamente a linha de enredos críticos que se tornara sua marca, tornando-se uma imagem desbotada na parede. Houve espasmos em 1989, 93 e 2005 – esta última contei aqui – com tentativas de retomar esta linha de sucesso, mas logo abandonadas.

Para 2011 a agremiação do subúrbio volta a buscar esta linha com o enredo “Gente Humilde”, baseado na canção de mesmo nome e que contará a vida do morador do subúrbio. Torço para que a escola se reencontre com a sua linha e o seu sucesso.

Em tempo, 1987 também marca, como os leitores podem ver no vídeo acima, a estréia de Luma de Oliveira como madrinha de bateria da escola.

Abaixo disponibilizo a letra do samba e o áudio oficial do disco daquele ano – ainda em “long play”. Notem que descontando-se as referências ao Plano Cruzado e à Constituinte como é atual o samba, 24 anos depois. O excesso de promessas dos políticos e a própria prática da atividade parlamentar se modificaram muito pouco nestes anos. Contudo, não podemos considerá-los como algo apartado da sociedade. Eles são reflexo – afinal de contas, nosso voto é que os colocou lá, como já escrevi em outras ocasiões. Pense nisso.

Finalizando, não posso deixar de lamentar o fato dos enredos críticos, irreverentes e “subversivos” terem sido praticamente banidos do carnaval carioca, em nome de um duvidoso comportamento politicamente correto, por um lado, e a busca incessante de patrocínios, por outro. Mas esta é outra história.

Ajoelhou, tem que rezar…

“Estou cansado de ser enganado
Papo furado é demagogia
Não vão encher (o quê ?)
A minha barriga vazia
Espero da constituinte
Em minha mesa muito pão
Uma poupança cheia de cruzados
E um carnaval com muita paz no coração

Vou deitar, rolar
Pular feliz
Essa é a vida
Que eu sempre quis

Vamos, meu povo
Democracia é participar
Vote, cante, grite
É tempo de mudar
Quem vive de promessa é Santo
E eu não sou santo, meu senhor
Seu deputado, eu votei
E agora posso exigir
Quero ver você cumprir
Seu lero lero, blá, blá, blá
Conversa mole isso aí
É papo pra boi dormir

Ajoelhou, tem que rezar
Não quero mais viver de ilusão
Você prometeu
Agora vai ter que pagar
Não vai me deixar na mão”

One Reply to “Samba de Terça – "Eu Prometo"”

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