Como tudo tem seu lado bom, o trânsito de enlouquecer qualquer monge budista de Salvador teve sua vantagem: consegui ler bastante na semana que passou.

E, se há leitura, há resenha. Pela ordem, inicio com este “A seguir, cenas dos próximos capítulos”, de André Bernardo e Cíntia Lopes.

O livro é uma série de entrevistas feitas com aqueles que os autores consideram os dez maiores autores vivos de novelas: Aguinaldo Silva, Benedito Ruy Barbosa, Carlos Lombardi, Gilberto Braga, Glória Perez, Lauro Cesar Muniz, Manoel Carlos, Sílvio de Abreu, Walcyr Carrasco e Walther Negrão. O leitor deve estar se perguntando porque eu leria um livro destes, já que afirmei aqui mesmo que as novelas são um “estímulo ao mal”; entretanto, me interessa muito o processo criativo de qualquer texto literário, sempre há o que aprender.

Se a minha idéia era esta, alcancei o objetivo. Os processos criativos são bem descritos pelos autores e realçam semelhanças e diferenças. Para uns a novela é quase uma linha de montagem; outros encaram como literatura em igual patamar a outras formas de arte. Há os que vêem como possibilidade de mudar a sociedade e há aqueles que entendem como diversão pura.

Outra boa faceta do exemplar são as histórias do início de carreira de cada um dos novelistas, e a reverência aos mestres como Dias Gomes e Janete Clair. Também mostra a às vezes difícil relação entre autores e diretores de novelas.

Faço aqui um resumo com cada um dos autores e o que mais me chamou a atenção:

Aguinaldo Silva: destacaria o relato sobre a parceria com Dias Gomes em “Roque Santeiro” e um fato que pouca gente sabe: que ele ajudou a matar Odete Roitman em “Vale Tudo” – onde ele auxiliou Gilberto Braga. Também explicita a resistência da direção da Rede Globo à questão homossexual, em especial à aparição de um eventual “beijo gay” na ficção.

Benedito Ruy Barbosa
: conta a aventura que foi a produção da novela Pantanal, a sua relação com a reforma agrária por causa de “O Rei do Gado” e a dificuldade que tem por escrever sem colaboradores. Também explica porque não dá muita atenção aos palpites do público em suas novelas.

Carlos Lombardi: explicita a diferença entre posicionamento e vida profissional, diz que a Record ainda é “meia boca” para um autor de novelas e que prefere repetir elenco porque em sua opinião a pontuação de uma comédia é bastante específica e não são todos os atores que gostam ou sabem fazer isso.

Gilberto Braga
: conta a dinâmica do recurso “quem matou?” em uma produção, da sua surpresa com o sucesso de “Escrava Isaura” – embora ache o livro bom para ser adaptado – e da discriminação velada sofrida pelo fato de ser homossexual.

Glória Perez: – a grande decepção do livro. A autora dá um show de arrogância, colocando-se na posição de “revolucionária” das novelas brasileiras e desqualificando todos aqueles que ousam criticar seu trabalho. Uma pessoa que passou pela tragédia do assassinato da filha como ela passou deveria ser um pouco mais humilde. Também afirma que sabe o que o telespectador quer assistir e que não aceita que digam que ela “inventa” as realidades que mostra em suas obras.

Lauro César Muniz – um bom contraste com o colóquio anterior. Com simplicidade desfia várias boas histórias, a principal delas a censura que “O salvador da pátria” sofreu por pressões da direção da Globo e de Brasília. A história do personagem Sassá Mutema teve de ser alterada devido a estes fatos, ele se tornaria presidente da república apoiado por narco-traficantes e depois lideraria uma revolução ética.

Manoel Carlos – explica a fixação pelo nome “Helena” em suas protagonistas – que vem do personagem da mitologia grega “Helena de Tróia” – e conta que prefere ambientar suas obras no Leblon porque não saberia escrever sobre realidades que não conhece. Infelizmente não explica porque José Mayer tem a sorte de fazer o papel de garanhão insaciável em todas as suas histórias…

Sílvio de Abreu
– destacaria as histórias de “Guerra dos Sexos”, em especial a cena de comédia pastelão envolvendo dois ícones como Paulo Autran e Fernanda Montenegro. Realça faceta que pouco conhecemos, que são reuniões entre autores para ajudar a formatar uma sinopse, denominadas “ajuda teu irmão”.

Walcyr Carrasco
– explica que não tem fixação poe escrever novelas das oito (hoje, na prática das nove) e que tudo que quer é poder desenvolver uma boa história. Contas bastidores de “Xica da Silva” e neste caso mostra até onde pode chegar a influência do diretor. Afirma também que não existem interferências da direção da Globo em seu trabalho.

Walther Negrão
– faz um bom histórico dos primeiros tempos da telenovela e afirma que só se troca a Globo por outra emissora por causa de dinheiro.

Diria que é uma leitura bastante agradável e que atendeu ao meu objetivo de jogar luzes sobre o processo criativo de uma obra como esta. Para pronta entrega está disponível apenas no site da Saraiva, ao preço de R$ 46. Não posso deixar de realçar como de acordo com os próprios relatos as novelas das décadas de setente e oitenta eram mais ricas em histórias e menos conservadoras.