Ao ser indagado por um aluno sobre a minha posição política, respondi na maior seriedade: sou Botafogo, Império Serrano, Emilinha e Bafo da Onça. Acho que o cabra não entendeu direito, mas esses elementos condensam mesmo a minha visão política em toda sua complexidade.

O Bafo da Onça, por exemplo, definiu em larga medida o meu caráter, minha relação com as mulheres, a paixão pelo Rio de Janeiro e os sofisticados hábitos culinários e alcoólicos que modestamente me caracterizam.

O Bafo foi fundado dentro de um botequim de quinta categoria, no popularíssimo bairro carioca do Catumbi, em dezembro de 1956. Seu principal fundador foi um carpinteiro e policial chamado Sebastião Maria; um sujeito que, durante o tríduo, formava uma espécie de bloco do eu sozinho e costumava sair pelas ruas do bairro fantasiado de onça pintada.

Seu Tião Carpinteiro tinha ainda o saudável hábito de começar a tomar uns gorós no dia de Santos Reis – data que marcava, para ele, o início das festas de Momo – e só encerrar os trabalhos na quarta feira de cinzas. Entre 6 de janeiro e o Carnaval a porranca era liberada.

Ocorre que o Seu Tião bebia tanto, mas bebia tanto, que acabava ficando com um hálito meio pesado. Parecia, de fato, que o cabra fazia gargarejo com água do Rio Tietê e comia carniça.

Foi durante um dos porres bíblicos de Sebastião Maria que um grupo de cachaças, sob sua liderança, decidiu fundar uma agremiação carnavalesca. Ficou combinado que todo mundo ia desfilar no Carnaval de cara cheia e fantasia de onça. Coisa séria. Em homenagem ao hálito consistente do Seu Tião o nome do bloco foi escolhido sem polêmicas: Bafo da Onça.

Uma das grandes atrações do Carnaval carioca nos anos sessenta e setenta era o encontro entre os foliões do Bafo e do Cacique de Ramos. O pau quebrava de forma inapelável – onças e índios se atracavam nas ruas do Centro da cidade e o furdunço não tinha hora pra terminar. Entre mortos e feridos, todos se salvavam e faziam as pazes com muita água benta na moringa.

O Bafo da minha infância era sinônimo de mulher boa. O bloco sempre contava com as mulatas imensas e gostosas do Sargentelli e do show do Bole Bole do João Roberto Kelly [alguém aí se lembra das gatinhas do Kellinho?]. Como tinha mulata gostosa no Bafo, camaradas. Descabelei muito o palhaço pensando nas cabrochas sestrosas do Catumbi.

Faziam parte do time amarelo e preto, também, o compositor Oswaldo Nunes, o puxador de samba Dominguinhos do Estácio, o polemista Eduardo Goldenberg [especialista em passar a mão nas bundas das mulatas], o compositor Aldir Blanc e o homem de imprensa Álvaro Costa e Silva.

O último citado no parágrafo acima , diga-se, desde os seis anos de idade era conhecido como Marechal e sempre se fantasiava de menino-onça no tríduo momesco, com bigodes pintados com rolha queimada. Costa e Silva costumava arrumar encrenca com os foliões mais marrentos do Cacique de Ramos, arrancando seus cocares. Em certa ocasião, e o fato foi testemunhado pelo livreiro Carlos Alves numa terça feira gorda, Marechal colocou para correr, com passos de capoeiragem, o próprio Bira Presidente.

Por tudo isso é que acendo minha vela no altar da pátria, abrindo a primeira gelada do dia às margens do Rio Maracanã, aos foliões do Bafo da Onça. São eles, os cachaças que criaram e brincaram no Bafo, heróis civilizadores de São Sebastião do Rio de Janeiro e do Brasil. O resto é conversa fiada. É nessa onda que eu vou, Iaiá!

Evoé !

17 Replies to “O BAFO DE TIÃO CARPINTEIRO E ÁLVARO COSTA E SILVA”

  1. Ah, Luiz Antonio, meu caro… permita-me lhe indicar, e a seus leitores, a leitura desse texto aqui sobre as reminiscências do grande bloco do Catumbi. Papai, um cracaço (uma onça na rua, um gato em casa, se é que me faço entender), moldou em mim esse amor atemporal pelo furdunço. Mais um grande texto, meu caro. E salve o Carnaval sem rédeas, sem alvará, sem patrocínio, sem cordão de isolamento, salve o fundador do Bafo da Onça, as bundas das mulatas, o Catumbi, suas biroscas, suas vielas e seus riscos. Beijo.

  2. Valeu, Denise. Evoé!

    Eu acredito, Marecha. Pau em toda a indiarada do Cacique…

    É isso aí, Tande. O show do Bole Bole.

    Edu, onça na rua e gato em casa é monumental!

    Claudio Renat: o Álvaro Costa e Silva é meu amigo pessoal, boêmio de responsa e editor do Ideias, do JB.O grande Marecha.

    Diego, a Emilinha salvou vossa família! Abração.

  3. Excelente o seu blog, Simas. Já me fisgou de cara pelo seu humor e pelos temas tratados. Falar do Bafo, então, é demais para um ex-tijucano que freqüentava o bloco e seus ensaios, tanto no América, na quadra da Rua Gonçalves Crespo, quanto no Helênico, na Itapiru.
    Porra, e ainda por cima você é botafoguense também!

    E a sua maneira satírica de abordar as histórias me deu a luz que estava me faltando para postar casos cariocas no meu blog. Não, certamente, com a sua elegância, que meu jeito é mais escrachado e cáustico, beirando ou afundando o pé na pornografia e na escatologia. Vai ver, porque sou fã da Marlene…

    Abraço e Saudações Alvinegras

  4. Ih… A musica postada fui eu que upei, hehe…

    De fato se tivesse vivido aquela época Seria Bafo da Onça, afinal sou Estácio de Sá, agremiação que acolheu muito dos compositores do Bafo…

    Sair no carnaval de Indio norte-americano é sacanagem… Mas vale ter o bafo da onça.

  5. Mesmo morando em Sampa, lá pelos idos do final da década de 60, adotamos o hino do Bafo da Onça como o hino do turma dos estudantes de engenharia química da Escola de Engenharia Mauá. Realmente bons tempos!

  6. Simas, eu e Marechal somos irmãos siameses. Começamos no mesmo dia, na mesma hora, na profissão.

    O Marecha é um irmãozão!

    Encontrei com ele no Baixo Lapa, madrugada dessas, no bar das putas, mas a gente não tem se falado com a frequencia devida.

    Que coincidência boa!

  7. Então somos irmãos também, Caudio Renato. Porque o Alvinho é mano véio das madrugas. Da Lapa, sobretudo, que é o habit natural do Marechal.

    Mas o parentesco, só vale nas madrugas. Se nos encontrarmos à luz do dia (o que jamais aconteceu!)com certeza passaremos reto, como velhos desconhecidos que somos nessas horas oficiosas da vida.

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