Esses dias pós-carnaval, em que geralmente a vida vai voltando ao normal e as conversas  ligadas aos desfiles das escolas de samba vão esfriando (pelo menos para uma maioria de apreciadores sazonais da festa), a controvérsia envolvendo o diretor de carnaval da Beija-Flor, Laíla, e o presidente da LIESA, Jorge Castanheira, ganhou as primeiras páginas e grande espaço na mídia.

Para resumir a ópera, Laíla denuncia um esquema de favorecimento a uma escola, a Unidos da Tijuca, em prejuízo de outras. Obviamente, Castanheira nega. O fato de suspeitas de resultado manipulado serem mais velhas que o próprio desfile não devem – ou não deveriam – impedir o poder público de investigá-las.

Porém, gostaria de me ater a uma outra situação, de um outro grupo que, tão ou mais grave quanto, vai ficando à sombra da força e dimensão que têm denúncias assim no Grupo Especial.

Falo, claro, do Grupo de Acesso. Ou Série A. O popular segundo grupo da folia.

Os valores financeiros que hoje separam as agremiações da elite e do acesso são bem altos. As escolas de cima contam com o dobro, o triplo, o quádruplo do orçamento, em caso de patrocínio externo. Mas, na média, na conta da subvenção, certamente mais do que o dobro. Assim sendo, cair e subir de grupo representa uma perda ou um ganho financeiro substancial. Alguém já parou para pensar e relembrar quantas vezes o rebaixamento do Especial e a vitória no segundo grupo são mais debatidos que a conquista do título entre as grandes? Raramente, não é mesmo? Pelo menos entre o grande público. Já aqueles que acompanham o dia a dia das escolas o ano inteiro vêm, há anos, prestando atenção em dados preocupantes.

20160207_032353Enquanto a mesma entidade toma conta dos desfiles do Grupo Especial desde a criação do Sambódromo (e da fundação da entidade em si, a Liga Independente das Escolas de Samba, LIESA), a organização e julgamento dos grupos de baixo trocam constantemente de mãos. No atual momento a Série A tem a LIERJ como responsável e os demais grupos se dividem entre LIESB e a recém criada Samba é Nosso, numa divisão de poder que quase complica o calendário e os desfiles em si das agremiações das Séries B, C, D e E.

Para não ser por demais extenso e voltar muito no tempo, vale uma pensata. Como é feito o julgamento que leva uma escola de samba a mudar de patamar no carnaval (nem que seja por pelo menos um ano)? E quantas vezes esse julgamento não foi condizente com o que a mídia especializada e o público presente ao Sambódromo viram? Por que desfiles considerados equilibradíssimos por todos terminam com títulos incontestáveis, vitorias acachapantes, chuvas de notas máximas para apenas uma escola de samba?

Por que esse resultado quase sempre coincide com aquele que, aqui e ali, os que frequentam as quadras o ano inteiro escutam, desde o fim do ano anterior, que será o proclamado na quarta-feira de Cinzas? E, para exemplificar com números, por que os resultados mais polêmicos são justamente aqueles onde a diferença de pontuação entre a campeã e as demais é a mais larga?

Vamos aos casos? Em 2003, União de Ilha e Paraíso do Tuiuti saem da Sapucaí aclamadas como tendo feito os grandes desfiles do ano no Grupo de Acesso. Vence a São Clemente com notas máximas de todos os jurados e 2,1 pontos de vantagem sobre a Ilha, num universo em que, habitualmente, poucos décimos decidem o título.

Em 2009 surge a LESGA, nova liga para gerir o grupo. Depois de oito anos sem conseguir subir, a Ilha finalmente retorna ao Grupo Especial. Em 2010, novo campeonato da São Clemente. Com 1,3 ponto de vantagem sobre a Inocentes de Belford Roxo, escola dirigida de um dos mandatários da LESGA. Outra escola que conta com um dos principais dirigentes da entidade, a Renascer de Jacarepaguá, sagra-se a campeã de 2011, num dos desfiles mais equilibrados dos últimos tempos, com pelo menos cinco escolas apontadas como favoritas. A distância para a vice-campeã, Viradouro, é grande, quase um ponto (0,9 ponto). Mais um ano e a Inocentes é declarada campeã. Soberana diante das também consideradas fortes concorrentes, Império Serrano e Império da Tijuca. Um ponto e três décimos à frente. O equilíbrio visto por todos não estava nos envelopes. O resultado é investigado. Nada é provado. Mas a LESGA é extinta.

Surge a LIERJ. Nos três primeiros carnavais títulos com vantagens menores. Nos dois primeiros, a campeã coincide com a apontada pelo público e crítica. Em 2013, o Império da Tijuca (0,4 ponto sobre a Viradouro). Em 2014, a Viradouro (0,5 ponto sobre a Estácio de Sá).

20150215_043442Em 2015 sobe a Estácio de Sá. O título sobre a Unidos de Padre Miguel é com vitória apertada, 0,3 ponto. Muito embora a escola ganhadora não estivesse nas principais listas de favoritos entre os dias de desfile e a apuração.

Chega 2016 e, novamente, um desfile muito equilibrado marca a Série A. Escolas como Império Serrano, Unidos de Padre Miguel e Viradouro dividem os principais prêmios da crítica e a preferência do público. Também faz parte dessa lista de favoritas a Paraíso do Tuiuti. Ou seja, a agremiação de São Cristóvão fez um dos melhores desfiles do ano. Só que para o júri oficial ela foi tão melhor que recebe o troféu com 0,9 ponto de vantagem sobre Padre Miguel e 1,6 ponto sobre Viradouro e Império Serrano.

Representantes de duas concorrentes, Padre Miguel e Império, abandonam a leitura da nota antes do fim dando a entender que se estaria beneficiando a escola que tem como presidente de honra o vice-presidente da LIERJ. A vencedora tem 37 notas dez entre os 40 jurados. Com o descarte, ela “gabarita” nove dos dez quesitos. A vice-campeã gabaritou cinco. A terceira colocada, dois, A quarta colocada apenas um.

A diferença de pontos entre a campeã do Grupo Especial, a Mangueira, e a terceira colocada, a Portela, é de 0,1 ponto. Entre a Mangueira e a sexta colocada, classificada para o Desfile das Campeãs, Imperatriz, é de 0,6 ponto.

A diferença entre a campeã do Grupo de Acesso e a vice-campeã é maior do que a da campeã do Especial para a sétima colocada do concurso.

Talvez seja por isso que dirigentes da LIERJ considerem que a Série A está cada vez mais próxima do Especial em qualidade dos desfiles. Pelo menos as campeãs do Acesso, vez ou outra, parecem realmente ser muito mais deslumbrantes, competentes e perfeitas em seus quesitos que as campeãs do grupo principal.

Realmente espantoso. E curioso, por que não?20160206_230250

Imagens: Arquivo Ouro de Tolo (Tuiuti, Unidos de Padre Miguel, Estácio de Sá 2015 e Tuiuti, na ordem)

11 Replies to “Série A, Um Olhar Sobre a Apuração”

  1. Muito ruim isso tudo,ainda mais que a escola campeã,é a mesma,que era comentada como barbada desde o meio do ano passado.se fosse mais equilibrado talvez ninguém reclamasse.muito ruim tudo isso.

  2. Claramente temos um problema na Série A e no grupo B. Nos grupos C, D e E comandados pela entidade “Samba é nosso” parece que é gerido por pessoas mais confiáveis e o processo é mais transparente.

  3. No Grupo B a União de Jacarepagua foi rebaixada claramente como retaliação por seu Presidente fazer parte da Administração “Samba é Nosso”.

  4. Oque aconteceu com o império serrano e viradouro é muito é muito estranho,estou sem entender até agora, um absurdo.

  5. A escola vencedora do Grupo B também tinha seu favoritismo alardeado com antecipação. Na concentração dos desfiles de sexta e sábado as rodinhas de bate-papo traziam os nomes das duas campeãs (A e B) em proporção de oito ou nove a cada dez pessoas que arriscavam um palpite. Antes de ver os desfiles, evidentemente.

  6. O que seria necessário para uma intervenção do governo ou da justiça? Especialmente nas divisões inferiores e longe da mídia, onde os absurdos são muito piores?

  7. É difícil, Erick. Em 2011 comprovou-se que vários mapas de notas estavam preenchidos com a mesma letra. A investigação não foi adiante, a escola vencedora subiu, recebeu a subvenção e acabou rebaixada. Em 2012, nova tentativa. O Ministério Público chegou a abrir investigações, a Prefeitura prometeu intervir. No fim das contas a LESGA foi extinta. Mas, novamente, a escola vencedora de forma suspeita ascendeu ao Grupo Especial, recebeu sua subvenção e caiu. Se há suborno, propina, compra de jurados ninguém emite nota fiscal disso, é claro. Tudo é muito turvo, nebuloso. O poder público já foi o responsável pela escolha dos jurados. E também havia reclamações de favorecimento a A ou B. Os critérios são subjetivos. Então, como disse o jurado afastado do Grupo Especial este ano, é “mole” tirar um décimo aqui, outro ali. Por enquanto o que vemos é uma espécie de justiça feita com as próprias mãos pela LIESA. Ou seja, a escola que sobe, desce. Na presunção de que possa ter sido de forma não idônea. E isso, creio eu, agrada a muita gente também, que sabe que, dessa forma, onze estão protegidas e uma sempre será sacrificada. O que falta, de fato, é o carnaval ser visto por todos os envolvidos – poder público, mídia e as próprias escolas – com mais grandeza, com a importância e relevância cultural que tem e não apenas como uma festa para entreter turistas que movimenta milhões de reais todo ano. Enquanto os desfiles continuarem a ser vistos por um grupo majoritário como apenas um espetáculo e não uma manifestação única da cultura nacional os resultados serão quase formalidade, só interessando a quem ganha com eles. E surgirão ideias estapafúrdias como acabar com a competição e transformar o desfile em apresentações para o público, sem notas, sem a disputa, que é uma das essências e uma das receitas de sucesso dessa manifestação.

      1. Então posso logo perder a fé em haver alguma melhora. Concordo com o Carlos: é preciso que o público encare com seriedade o Carnaval. Mas as pessoas só veem como uma grande festa. O mesmo vale para os políticos.

        É triste ver isso acontecer e nada poder ser feito. E os envolvidos nunca vão confessar, a menos que algo inesperado aconteça.

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