Escrevi artigo no pré carnaval, bastante comentado inclusive, elencando os problemas de estrutura do Sambódromo e apontando algumas sugestões de mudanças a fim de que houvesse melhoria da estrutura no existente ou, ainda, soluções como a derrubada ou a troca para outra localização.

Longe de ser adivinho ou coisa parecida, este carnaval mostrou exatamente alguns dos pontos negativos que eu e outros haviam apontado no período pré-carnavalesco. Ainda com o acréscimo de outros.

Os acidentes envolvendo o Tuiuti e especialmente a Tijuca deixaram claro um problema crônico da estrutura: a dificuldade de rotas de fuga e mesmo para atendimento às vítimas na pista de desfile. As rotas de fuga para uma retirada rápida dos feridos em ambulância são estreitas, sujeitas a bloqueios de trânsito e a pequenos poderes de detentores de crachás.

O próprio socorro aos feridos, especialmente no caso do desabamento do carro, evidenciou a dificuldade de se acessar a pista de desfiles durante uma apresentação. Quase que em um milagre, não houve nenhuma vítima fatal, mas a dificuldade de acesso poderia ter feito a diferença entre a vida e a morte neste caso.

Dificuldade de acesso que existe não somente pelas próprias características do Sambódromo e do cortejo das escolas como pela quantidade imensa de pessoas na pista, muitas delas sem qualquer relação com o espetáculo. O que mais havia era gente de camarote no meio da pista, muitas vezes tendo a própria camisa do acesso ao camarote constando como crachá.

Com esta quantidade de bicões obstruindo as laterais da pista, um eventual socorro, já dificultado pela própria estrutura do Sambódromo, fica ainda mais difícil. A Riotur afirmou que mudanças no credenciamento à pista e na vistoria do Sambódromo serão feitas para 2018, bem como a criação de faixas de emergência. Veremos.

Na segunda-feira colocaram uma placa no Setor 1 (acima, em foto do Desfile das Campeãs) para tentar diminuir o risco.

A atuação da equipe da Riotur no Sambódromo, aliás, deixou muito a desejar. Não houve qualquer revista em nenhum dos quatro dias de desfile, ou seja: se eu quisesse entrar com uma metralhadora e fuzilar os jurados do primeiro módulo teria feito sem ser incomodado – acho até que teria sido aplaudido… O episódio no qual balearam um diretor da São Clemente no Desfile das Campeãs, infelizmente, não surpreende.

A única fiscalização foi quanto ao tamanho e conteúdo das bolsas térmicas com bebida, algo que jamais foi verificado em anos anteriores. Especialmente na sexta e no domingo houve diversos episódios de problemas criados por conta disso, ao mesmo tempo em que havia frisas com convidados de escolas com garrafas e copos de vidro sem serem incomodados.

Impossível não soltar um veneno relacionando a preocupação com as latas de cerveja ao fato de que diversos fiscais de setor eram claramente fiéis/obreiros de Igreja, algo que bastava parar para observar dois minutos as conversas para se perceber.

Outro ponto é que não houve qualquer controle no acesso às frisas. Colunista deste blog, que tinha ingressos de arquibancada, assistiu aos dois dias de Grupo Especial conosco nas frisas do Setor 3. Bastou dizer que queria ir ao banheiro e teve acesso ao setor. Obviamente, a área das frisas estava superlotada.

Somando-se a isso tudo, o total despreparo dos seguranças nos setores. Durante o desfile de domingo me envolvi em uma confusão com um diretor da Grande Rio, contornada no dia seguinte, e o despreparo dos seguranças, stewards ou coisa que o valha foi absoluto. Chego a dizer que foi um milagre não ter havido um problema mais sério nas dependências do Sambódromo durante os desfiles deste ano.

Um ponto que nem é de difícil resolução é a diferença de altura entre as fileiras de frisas. Levantar as filas B, C e D uns 40 centímetros já melhoraria bastante a visão das pessoas, hoje bastante prejudicada pela Fila A.

Como em todo ano, também chama a atenção o tamanho extremamente acanhado dos banheiros, com longas filas até no masculino. Para não dizer que tudo piorou, o sinal de internet esteve funcionando um pouco melhor que em anos anteriores, ainda que com diversos períodos sem sinal.

No mais, os problemas continuam os mesmos: dificuldade para chegar e sair, assaltos na concentração do lado do “Balança mas Não Cai”, dificuldade para pegar os caríssimos táxis especiais… Nada muito diferente de outros anos.

Sobre os acidentes com os carros, fica claro para mim que, em um carnaval de menos dinheiro, muita coisa da base dos carros foi reaproveitada – especialmente ferro e madeira. E adaptar um projeto de decoração em cima de estruturas que não são feitas para aquele projeto, e sim reaproveitadas por questões de economia, aumenta os riscos de que um problema aconteça.

Não estou dizendo que esta foi a causa dos dois acidentes; apenas alertando para algo que ocorreu e que pode ser uma fonte de problemas futuros. Em segurança do trabalho, se costuma dizer que um acidente é a soma de diversos desvios de procedimento; e este reaproveitamento de estruturas “de base” é um desvio sério.

Sobre estruturas de carros, escrevi artigo há dois anos, caso o leitor se interesse. Reproduzo aqui trecho do texto:

“Outro ponto a ser observado é que em termos de estrutura de alegorias e soluções práticas temos muito o que aprender com as soluções utilizadas nos parques da cidade americana. Uma alegoria do carnaval carioca, grosso modo, é um chassis de caminhão que recebe em sua estrutura ferro, depois madeira e aí sim a parte artística composta de forração, esculturas e pintura de arte. Mas a base disso é evidentemente adaptada de algo que, a priori, não é feito para o fim a que se destina.

Em muitos casos sequer há a presença de um engenheiro a fim de fazer os cálculos necessários de carga em cima dos chassis e prevenir quebras – que são mortais na avenida. Mesmo a iluminação dos carros ainda é bastante empírica.”

Entretanto, se há um aspecto positivo nestas tragédias é que, depois da tranca arrombada, acredito que haverá maior cuidado em termos de cálculos estruturais, com talvez a presença de um engenheiro “full time” nos barracões em mais escolas – hoje, a Portela é uma destas, por exemplo.

Aliás, embora a situação tenha melhorado bastante nos últimos anos, os próprios barracões são um somatório de desvios – chega a ser quase milagroso não ter havido outro incidente mais sério após o incêndio de 2011.

O leitor mais interessado pode entender como desvios levam a acidentes aqui.

Finalizando, o carnaval mostrou que os problemas de estrutura do Sambódromo são praticamente insolúveis. Somado à falta de preparo – e, diria eu, de interesse também – da nova direção da Riotur, levou ao quadro descrito neste artigo.

Por meu turno, cada vez mais cristalizo a opinião de que só há duas soluções: ou levam o Sambódromo para outro lugar ou derrubam e fazem um novo ali, com extensas intervenções no entorno. Infelizmente, a chance de algo nesse sentido acontecer nos próximos dez anos é zero.

Imagens: Ouro de Tolo

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8 Replies to “Os problemas do Sambódromo – Na Prática”

  1. Quanto a movimentação das alegorias, eu tenho uma ideia: não seria hora de tapar aquele canal da Presidente Vargas (pelo menos naquele trecho do Sambódromo) visando melhorar o deslocamento das alegorias?

  2. Esse era o artigo que eu estava esperando! Pedro, logo após os acontecimentos do carnaval me veio a cabeça justamente o profético texto que você escreveu, e que rendeu uma saudável troca de ideias nos comentários. Acredito que, com todas as situações nele apontadas, e nos comentários, tudo o que ocorreu já poderia ter acontecido em outros anos, não ocorrendo, talvez, por pura sorte mesmo.

    Algum jornalista, infelizmente não lembro qual, comentou que até agora tivemos foi muita sorte, pois os acidentes mais graves relacionados a alegorias, ocorreram ou antes do início do desfile, como os dois desse ano, ou na dispersão, como o incêndio na alegoria da Viradouro em 92, facilitando, apesar dos muitos obstáculos por você apontados, o socorro as vítimas. Imagina algo do tipo no meio do desfile? O incêndio no abre-alas da Tijuca nas campeãs de 2007 foi no meio da pista, mas facilitou por ser a abertura da escola e na escultura, longe das pessoas no carro.

    Interessante a revista pela qual vocês passaram nas frisas, na arquibancada foi igual aos outros anos, bastava abrir a bolsa e tudo bem. O lado positivo é que poucos ambulantes circulavam. Ao contrário de outros anos, em que os mesmos, principalmente os de cerveja, a todo momento atrapalhavam quem curtia o desfile, principalmente entre os grupos de turistas que consomem bastante, esse ano ficou aquele isopor enorme nos acessos mesmo, e quem quisesse se deslocava até lá, facilitou… O lado negativo, bom, as mesmas coisas, como a sujeira, principalmente domingo, por causa da chuva, e mais uma vez a superlotação. repetindo o que falei, a sorte é que a imensa maioria dos turistas, inclusive os de outros estados, não aguentam ver muita coisa, então ocorre um revezamento. Domingo, como previ, quem chegou cedo por causa da Ivete, saiu logo depois da Imperatriz, e quem chegou na Vila, sequer aguentou esperar a Beija-Flor, já Segunda-Feira, a imensa maioria chegou na Mocidade, ficando até depois da Portela, sendo que um bom número de pessoas só chegou na hora da futura campeã! Graças a Deus, pq se não houvesse revezamento, poderia sim ocorrer uma tragédia (aliás, o Leonardo Dahi foi muito feliz em outro texto ao apontar que tal tragédia pode ocorrer em qualquer final de samba no Grupo Especial, onde essa superlotação, e em condições geralmente complicadas, pode acarretar diversas situações de risco).

    Também acho que pode ter ocorrido, em várias escolas, essa situação que você apontou pedro, de reaproveitamento de estruturas adequadas para outro projeto, tanto que, além dos lamentáveis acidentes, tivemos várias escolas com alegorias problemáticas na avenida, com dificuldade para entrar e se deslocar (Ê Mangueira…). Não sabia que a Portela tinha um engenheiro “full time”, mas sabia que a Beija-Flor sim, talvez não seja coincidência serem, juntamente com o Salgueiro, as que melhor se saíram nesse quesito esse ano.

    Espero realmente que ocorram melhorias para o ano que vem, já passou da hora de escolas, poder público e Liesa perceberem que não se brinca, não se faz improviso, quando vidas estão em jogo, seja de quem desfila, de quem assiste, de quem trabalha, até de quem só atrapalha.

    Agora, minha confiança de que essas mudanças aconteçam é a mesma de meu time ser campeão brasileiro esse ano, ou seja: zero (sou vascaíno tá?).

    1. A conta não fecha. Se as frisas estavam superlotadas e as arquibancadas, como seu relato, idem, então o número de ingressos vendidos não é o real

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