O editor-chefe sempre gostava de usar a famosa frase bíblica “os humilhados serão exaltados”, especialmente quando o assunto eram as desgraças da Portela e o nosso longo jejum. Então, nada melhor do que uma alusão a ela para titular a coluna sobre minha impressão pessoal de um momento tão sonhado por nós portelenses.

Para mim, foi um carnaval muito atípico desde muito antes de saber dos inúmeros problemas que tornaram essa edição a mais problemática que já vivenciei.

Das eliminatórias de samba no Portelão só pude assistir a semifinal e a final e, de toda a série de ensaios, só conseguir a ir ao 1° ensaio de rua, ainda na mítica Praça Paulo da Portela. Ao menos fiquei com o consolo de que pelo que vi, ouvi e fiquei sabendo, pouco perdi da disputa de samba.

Para piorar, aceitei arbitrar o Campeonato Brasileiro de Xadrez, o que me consumiu em 2 semanas e só terminou na terça-feira da semana de carnaval. Resultado: já cheguei exausto para a folia. Quando subi as escadas da passarela ainda na sexta-feira, minhas pernas já respondiam como se a estivesse subindo na terça pela manhã.

Ainda sim, consegui resisti até a segunda-feira, mesmo tendo visto de perto a trajetória inexplicável do último carro da Tuiuti no domingo. Mal sabia que o pior ainda estava por vir durante o desfile da Tijuca.

Confesso que fiquei arrasado durante o desfile da Unidos da Tijuca. Por mais que você não goste de determinada escola; alias, minha birra nem é com a U. da Tijuca, mas com o Horta mesmo; você não deseja para nenhuma o que ocorreu neste desfile. Sem contar que isso acaba com qualquer intenção de curtir alegremente o carnaval na avenida. Para piorar, esse era justamente o desfile que antecedeu o da nossa Portela.

O resultado de todo esse panorama é que eu nunca fiquei tão pouco ansioso por um desfile da Majestade. Quem me conhece sabe que, especialmente no dia do desfile, eu não consigo parar de ficar nervoso enquanto a Portela não termina o desfile.

Esse ano simplesmente não tive forças para tal. O pai do Migão, figura ainda mais fantástica que o filho, brincava comigo a todo momento “Lá vem Portela” e minha resposta era um simples “É…”.

Mas não tem jeito. Você vê sua bateria esquentando, o carro de som com a faixa escrita “Portela”, o esquenta com “Portela na avenida” e você fica nervoso.

O cronômetro disparou e escola continuou a esquentar. Depois você ainda escuta seu presidente discursando e seu puxador fazendo uma arrancada bem tranquila. Com 4 minutos já contados e a escola ainda parada, eu já estava me corroendo inconformado, gritando para a escola começar a andar para evitar um estouro de tempo.

Ao fim do cortejo, como qualquer torcedor apaixonado, já estava tecendo loas para as mesmas pessoas que havia reclamado no início, parabenizando por mais uma bela evolução. Os 5min perdidos em nada atrapalharam a escola.

Terminado o desfile, sabia que a Portela fizera um desfile correto do ponto de vista dos quesitos, porém bem mais frio do que o ano passado. Estava feliz, ainda cantando o samba por mais um bom desfile, mas sinceramente não imaginava que fôssemos campeões.

Seja porque Paulo Barros não fizera um dos trabalhos mais memoráveis de sua carreira em alegorias, exceção feita a portentosa Águia e a brilhante ideia de colocar a bandeira da Portela sob seus pés, seja pela comissão de frente que deixou a desejar pelo quarto ano consecutivo.

Juntando tudo com um ano repleto de erros, a Portela se juntaria ao Salgueiro na disputa do título. Mas ainda havia a Mangueira para passar e a escola estava, desde semanas antes do carnaval, com pinta de bicampeã. Uma entrada apoteótica me jogou uma ducha de água fria, até que a medida que o desfile foi ocorrendo a evolução começou a entregar todos os pontos.

De qualquer forma, tenho uma regra na vida: na quarta-feira de cinzas, o local de acompanhar apuração é na quadra da Portela, seja nos anos bons ou ruins.  Nesse ano, não foi diferente.

Encontrei uma quadra esperançosa, sabendo que estava no bolo de disputa, mas bem menos elétrica do que o ano passado – quando achávamos que o título era certo.

Para a apuração em si, eu tinha dois quesitos em pânico na minha mente: comissão de frente e mestre-sala e porta bandeira. O 1° pelo motivo já explicado acima, o 2° pelo péssimo histórico recente da escola.

Outros 4 quesitos até achava que gabaritaríamos, mas tinha algum receio: alegorias, enredo, samba-enredo e bateria. Para aumentar meu nervosismo, alegorias e bateria abririam a apuração e samba-enredo seria logo o 4°.

Minhas esperanças cresceram após gabaritarmos esses dois primeiros quesitos, arrancando 10 até do Claudio Luiz Matheus, que não nos dava a nota máxima desde 2013. Depois veio fantasias, onde o 40 já era esperado (parabéns Paulo Menezes).

Em Samba-enredo, a aflição era ainda maior pois logo a 1ª nota seria a do Clayton “notas aleatórias” Oliveira. Escapamos da loucura desse julgador com 10, mais um alívio. Depois outros 2 dez garantiram os 30 pontos, não sem uma emoção extra graças a um 9,9 descartado no módulo 3.

Obs: alias esse 9,9 foi a 1ª nota diferente de 10 da Portela em samba-enredo desde 2010.

Aí veio a 1ª grande aflição: Comissão de frente. Foi nesse quesito que pela primeira vez eu pensei “é nesse ano”! Perder apenas um décimo nele foi lucro e ainda sair em 2° lugar, perdendo apenas no desempate para a Mocidade, foi lucro maior ainda.

Depois vieram harmonia e evolução, nos quais ninguém seria maluco de tirar ponto da Portela. Porém também não tiraram da Mocidade e continuávamos em segundo.

Em Mestre-Sala e Porta-bandeira, outra preocupação. Porém, o casal da Mocidade também não era dos mais experientes e vinha de tropeço em 2016. Nesse ponto, meus olhos se voltaram para o Salgueiro, apenas 2 décimos atrás e com um casal de ponta.

Em mais um daqueles sinais que me mostravam que era o nosso ano, arrancamos no quesito uma nota 40. Porém, Diogo e Cristiane, mesmo descartando um 9,8, também arrancaram a nota máxima e a Mocidade continua na frente no desempate faltando apenas 1 quesito.

Nesse momento, faltando um quesito para o fim da apuração e um décimo para passar a Mocidade, a quadra da Portela já estava toda aflita,  as vezes com aquele “silêncio ensurdecedor”.

Uma pessoa já estava segurando a guia com toda força possível, caindo em prantos. Outro não conseguia olhar para o telão, um terceiro deixou a lata de cerveja cair da mão por cãibra entre outras coisas nada normais.

Por minha vez, ainda estava olhando de pé para o telão, mas por duas vezes senti um mal súbito e achei que fosse desmaiar enquanto o braço direito teimava em ficar formigando.

Obs: talvez se eu tivesse me lembrado de um detalhe que havia visto no desfile, não tivesse ficado tão nervoso. Reparei que a Mocidade havia errado o lugar do 2° casal durante o desfile e isso deveria ser punido em Enredo. Mas, naquele momento, isso nem passou perto da minha cabeça.

À medida que vieram as duas primeiras notas 10 para a Portela e 9.9 para a Mocidade, nos deixando de novo na ponta, a quadra já começou a se abraçar e se preparar para ouvir a 3ª nota que poderia já nos garantir o tão sonhado título. Nesse momento, eu estava lado a lado com o jornalista Raphael Marinho, que já não estava em estado normal e por duas vezes quase me enforcou sem querer, tamanho o nervosismo.

Até que… Perlingeiro soltou aquele famoso grito: “POOOR….tela”… (aquele suspense típico do Perlingeiro na nota final)… “DEZ!”.

Pronto. A quadra explodiu em uma mistura de êxtase, choro, convulsão, alegria e desespero. Alias, acredito que a quantidade de choro na quadra foi tão grande que até atrapalhou a explosão que costuma haver nas quadras vencedoras.

Todo mundo que tinha um copo de cerveja na mão, sem pensar, acabou jogando para o alto, no que resultou em um belo banho de cerveja em toda a quadra. Mas, posso-lhes garantir, foi o melhor banho de cerveja que já tomei na vida.

Horas e mais horas de festa deliciosa e acabei até bebendo cerveja Antártica, para cumprir uma promessa que havia feito para o mesmo Raphael Marinho quando a Portela ganhasse o título.

Obs: quem me conhece sabe que bebo pouco e que não gosto das cervejas “mainstream”.

A festa ficou ainda melhor lá pelas 20h30 quando nos chegou a notícia da dobradinha de Madureira com a vitória do Império Serrano e Aquarela Brasileira passou a ser cantada na quadra.

Já no sábado, foi o momento de finalmente colocar a faixa de campeã e se esbaldar no arrastão logo atrás do último carro a passar. Também foi importante trazer a bandeira do Império Serrano ao lado da nossa durante o desfile para realizarmos uma comemoração conjunta, mostrando que os tempos de rivalidade ficaram para trás.

É Madureira, é união, é a CAPITAL DO SAMBA! Uma capital que não é mais de um sonho, mas de uma realidade! Ainda são nada menos que 15 Estandartes de Ouro de samba-enredo só no grupo Especial, quase o triplo do 2º melhor bairro.

Obs: alias esse desfile ao amanhecer gerou fotos maravilhosas da Águia despontando na avenida em cima do Abre-alas. O Migão tirou algumas, que ilustram este texto e isso mostra o quanto o carnaval precisa de um desfile ao amanhecer.

Por fim, você percebe o quanto você é portelense quando várias pessoas a sua volta te lembram de dar parabéns pelo título da Portela, mas esquecem de ter dar parabéns pelo seu aniversário que foi no exato dia do desfile que nos deu a taça! Isso apenas me deixou mais feliz, pois mostrou o tamanho do meu envolvimento com a Portela.

Salve o samba, salve a santa, salve ela! Salve o manto azul e branco da Portela!

****

Finalizando essa coluna, já aviso aos portelenses que esse ano é para curtir o título. Curtam bastante.

Paulo Barros foi embora? Tudo bem. Muito obrigado por esses 2 anos, principalmente pela estrutura profissional que você trouxe para nós e seja feliz na Vila Isabel.

Mas, para melhorar, veio em seu lugar aquela pessoa com a qual sempre sonhei em ter na Portela: Rosa Magalhães. Não há outro carnavalesco cujos traços caracterísmos se encaixem mais com o que o portelense gosta.

Porém, o maior patrimônio da Portela não é um profissional. Por mais que eles sejam muito importantes para a realização de um bom carnaval, nossos maiores patrimônios são a nossa história e a nossa comunidade portelense. Essas duas nunca nem ninguém irá nos tirar. Se já fazíamos o nosso chão um dos melhores do carnaval com uma tonelada em cada ombro de cada componente, imaginem agora estando leves como plumas?

O bi será difícil, até pelo oba-oba provocado pelo título, mas se ele vier será apenas uma consequência de mais um bom trabalho que já está sendo planejado. Até o dia 12 de fevereiro de 2018 apenas curtam e curtam muito o fato de vocês serem os atuais campeões do carnaval!

Finalizando, meu muito obrigado a todos que doaram um pouco de suas vidas para resgatar a nossa Portela de um atoleiro de dívidas e descrédito para um título em apenas quatro anos (que poderiam ter sido ainda menos); especialmente a alguns abnegados da diretoria que não são profissionais do samba mas ainda arranjam algum tempo de seu tempo extra-trabalho para não deixar a Portela sair dos trilhos novamente!

Avante portelenses para a vitória! Sempre!

Imagens: Ouro de Tolo

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5 Replies to “Impressões de um Humilhado que foi Finalmente Exaltado”

  1. Parabéns pelo título Rafael, você está certíssimo, esse ano é hora do portelense comemorar e curtir muito esse título. Essa é a vantagem do Carnaval em relação ao futebol, onde seu time é campeão no Domingo e na Quarta-feira já perde um jogo por outra competição… Comemorei bastante esse ano, e é muito legal apreciar detalhes como ser a capa do CD, ser a última escola a realizar o ensaio técnico, claro que o bi seria ótimo, tanto para a Mangueira esse ano quanto par a Portela ano que vem, mas no fundo o desfile do Carnaval seguinte fica quase como um encerramento das comemorações de um ano tão vitorioso. É desfilar, aproveitar, e se vencer, ótimo, se não, paciência…

    E parabéns também por não misturar as coisas, o Horta é uma coisa, a Unidos da Tijuca é outra. Muitas pessoas estão aproveitando a péssima, desumana e nada surpreendente atitude do dirigente durante e após o desfile, além do julgamento “bonificado”, para promover um linchamento virtual da escola, desrespeitando uma instituição histórica e importante para o Carnaval. Por mais que hoje ele a represente, e faça competentemente do ponto de vista administrativo e pessimamente do ponto de vista institucional, uma hora isso não vai mais acontecer, e a escola fica, isso é o que importa. Afinal, todas as escolas já tiveram alguém desse tipo as representando pelo uma vez na história…

    1. Obrigado, Luis.

      Como sempre disse lá na quadra: “As pessoas passam, mas a Portela fica!”. Isso se aplica a quase todas as escolas de samba e a Unidos da Tijuca não é diferente.

  2. Parabéns a Portela… mereceu.
    Melhor escola foi a Mangueira, de maneira geral, porém não merecia ser a campeã… pois errou muito em evolução.

    Eu dizia que a briga seria Portela ou Salgueiro. Teve a invasão da estrela-guia depois de 14 anos longe das campeãs. Que ano. Não dos desfiles (pavoroso)… mas do renascimento. Três gigantes: Portela, Império e Mocidade (voltamos pras cabeças).

  3. Parabéns a Portela muito bom ver vencer. Mas não jogando água no chopp, acho que mesmo com o burado, a Mangueira sobrou!

    Eu estava crente que as duas brigariam com vantagem da verde e rosa pois talvez a escola de Madureira perderia mais pontos na apuração em Comissão de Frente e Casal do que a Mangueira em evolução. Ao final do quesito Comissão, nota 29,9 para a Portela e eu tive a certeza do título.

  4. Amigo Rafic,
    Meus parabéns duplo tanto pelo texto muito bem redigido e que narrou detalhadamente sua visão e participação no Carnaval desse ano, como tb parabéns pelo merecido título de sua Portela e imagino como deve ter sido e pq não dizer, está sendo ainda especial e único esses momentos de ver sua escola do coração ganhar pela primeira vez um Carnaval. Um forte abraço meu brother

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