A maior surpresa, ao menos no topo do quadro, foi o 2º lugar. Ao invés da esperada China, quem ocupou tal posição, ao menos em número de ouros, foi a mais uma vez surpreendente Grã-Bretanha.

É claro que o trabalho de desenvolvimento nos esportes está sendo bem feito na Grã-Bretanha e que ninguém, a não ser os malucos que acreditam cegamente naquelas projeções furadas que são lançadas pelas empresas antes dos Jogos Olímpicos, esperava uma hecatombe em apenas 4 anos.

Mas poucos apostavam em mais do que 20 ouros britânicos e vieram nada menos do que 27, apenas dois a menos do que em Londres 2012. De forma até mais impressionante, as 67 medalhas no total representam duas a mais do que as obtidas em casa.

Porém, o que mais me impressiona não é a quantidade de ouros ou medalhas da Grã-Bretanha e sim a grande diversidade de esportes nas quais eles foram obtidos, sem um carro-chefe muito grande, como ocorreu com os EUA, por exemplo.

20160811_161536Em Londres, os 29 ouros vieram de 11 esportes diferentes – sendo 8 do ciclismo e 4 para remo e atletismo. Aqui no Rio os 27 ouros vieram de 15 esportes diferentes, sendo apenas 6 do ciclismo e 3 do remo! Ou seja, a Grã-Bretanha ganhou pelo menos 1 ouro em quase metade dos 32 esportes dos Jogos Olímpicos. Isso é impressionante!

Apenas como comparação, os Estados Unidos ganharam seus 46 ouros em apenas 13 esportes. A diversidade não é diferente no total de medalhas. Se em Londres os britânicos medalharam em 17 esportes diferentes, no Rio foram nada menos do que 19 esportes.

Quanto mais espalhado, maior a possibilidade da manutenção do desempenho, pois é sinal que o país é competitivo em vários esportes e um tropeço em um deles pode ser compensado por um sucesso em outro. Ou seja: a Grã-Bretanha veio para ficar por muito tempo como uma potência olímpica.

Mas eu ainda quero esperar 2020 para medir o exato tamanho da potência. Os exemplos de China e Austrália nos mostraram que o fim do “efeito-sede” é pouco sentido 4 anos depois dos Jogos. Porém nos dois casos acima, o tombo foi muito forte 8 anos depois, como demonstrarei abaixo.

20160811_180336Isso faz algum sentido porque em muitos casos, a geração preparada para brilhar em casa ainda está em idade competitiva 4 anos depois, porém a maioria já terá saído da briga por medalhas 8 anos depois dos Jogos em casa. Ou seja, a grande dificuldade não é manter o desempenho do “efeito-sede” na edição seguinte, mas renovar uma geração de esportistas sem a “bengala” de ter uma edição dos Jogos Olímpicos no seu país em vista.

Nesse ponto a Grã-Bretanha precisará tomar muito cuidado em 2020 porque nada menos que 14 desses 27 ouros, mais da metade, vieram de atletas que já haviam conquistado o ouro em Londres. Muitos deles não deverão voltar a Tóquio; ou mesmo que voltem, dificilmente disputarão o ouro. Se não houver uma renovação, a queda da Grã-Bretanha será, ao menos numericamente, muito parecida com a da Austrália em 2008 e a da China neste ano.

Depois da Gra-Bretanha, chegamos ao 3º lugar no quadro, a decepcionante China. A China já havia caído de 51 ouros quando sediou os Jogos Olímpicos em 2008 para 38 em 2012, mas era uma queda esperada. Os 51 ouros de Pequim foram um ponto totalmente fora da curva, quando a China massacrou em ouros até os próprios Estados Unidos, que só conseguiram 36. 35 ou 40 ouros era a faixa mais esperada para China.

20160821_002343Mais uma vez, com a aposentadoria da geração de 2008 se esperava outra queda chinesa, para a faixa dos 33 ou 34 ouros, mas o que se viu foi uma hecatombe. Foram apenas 26 ouros, enormes 12 a menos que Londres, 25 a menos que Pequim e a perda da 2ª posição para a Grã-Bretanha.

Nem se fomos buscar o total de medalhas a China se salva. Apesar de que ainda tenham sido 70 medalhas no total, 3 a mais do que a Grã-Bretanha, isso representa uma queda de 18 medalhas comparada as 86 de Londres.

Agora, por que ocorreu essa queda? Apenas o fato do fim da geração Pequim 2008 explica sozinha essa queda? Acredito que não.

Se os Estados Unidos tem como estratégia concentrar ouros no atletismo e na natação e a Grã-Bretanha tem uma estratégia de pulverização; a China fica no meio do caminho.

20160819_103221Ela pega alguns esportes que não tem um nível de competição tão alto mas que distribuem um número interessante de medalhas, como badminton, levantamento de peso, tênis de mesa e, principalmente, o salto ornamental e ganha um número considerável de ouros neles. 6 daqui, 5 dali e 4 de lá e esses 4 ou 5 esportes já carregam uns 10 ou 15 ouros. Somam a esses uma boa quantidade na ginástica, na natação e outras pingadas e chegamos à marca dos 30 ouros.

No salto ornamental, foram 7 ouros, até 1 a mais do que em Londres. No tênis de mesa, como é de praxe, a China levou todos os 4 ouros possíveis. No levantamento de peso, a China manteve os 5 ouros.

Só que em alguns desses esportes o nível de competição vem aumentando e a China em consequência vem perdendo muitos ouros.

O exemplo mais forte é o da ginástica. Boa parte do desempenho absurdo de 2008 foi conseguido graças aos 11 ouros que a ginástica deu a China, 9 na artística e os 2 possíveis no trampolim. Em 2012 esse número voltou a um patamar mais normal e foram 5 ouros: 4 na artística e 1 no trampolim.

Só que em 2016 a ginástica chinesa, em ouros, passou zerada! Só aí 5 medalhas a menos. Mesmo no total, as 12 medalhas de 2012 viraram apenas 5 em 2016, sendo 4 delas de bronze. A China não obteve medalha em nenhuma das 10 finais de aparelhos da ginástica artística. Foi um péssimo desempenho para os padrões chineses e isso afetou muito o quadro de medalhas.

Em 2004 e 2008, a China ganhou 3 dos 5 ouros no badminton, já em 2012 levou todos os 5. Aqui no Rio foram apenas 2. Em total de medalhas, a China havia levado 5 em 2004 e 8 em 2008 e 2012. Aqui no Rio foram apenas 3.

20160808_224558Na natação, os 5 ouros de 2012 deram lugar a 1 mísero ouro aqui no Rio (a foto acima é justamente dessa cerimônia de premiação, de autoria do próprio editor-chefe do OT). É verdade que 4 desses 5 ouros foram obra de apenas dois nadadores: Sun Yang e Ye Shiwen. Mas, por mais que Ye Shiwen já estivesse mal e não se esperasse medalha dela, a China esperava 3 medalhas de Sun Yang; mas só vieram 2, sendo apenas 1 de ouro. Yang sequer se classificou para a final dos 1500m, prova da qual ele foi campeão olímpico com recorde mundial em 2012.

Como também ninguém mais apareceu, a natação chinesa caiu bastante em relação a 2012.

Esses 3 esportes sozinhos foram responsáveis pelas 12 medalhas de ouro a menos da China em relação a Londres. De resto, houve apenas aquelas oscilações normais de um esporte perder um ouro, mas outro esporte não esperado medalhar.

A pergunta que fica é: terá sido esse um ponto fora da curva da China por causa desses 3 esportes ou após o fim do foco em Pequim 2008 esse será o novo patamar do esporte chinês?

20160814_173206Acho que não dá para cravar uma resposta, mas creio que o novo patamar da china seja mesmo esse entre 25 e 30 ouros, dependendo do que ocorrer com os saltos ornamentais e a ginástica chinesa. Ainda deve ser o suficiente para ser o 2º colocado no quadro de medalhas, já que eu espero uma queda maior da Grã-Bretanha pelo motivo já explicado acima.

Parece que a maior competitividade no badminton será uma realidade para o futuro e a China não mais recuperará o terreno a ponto de ganhar 3, 4 ou 5 ouros.

Na natação, a China também nunca teve a mesma tradição de Estados Unidos, Austrália e Holanda. Sempre viveu de talentos específicos que de vez em quando surgem e parece que nessa nova geração não há tais talentos.

Para mim, a incógnita nessa equação é a ginástica. Que a equipe chinesa nunca mais terá o mesmo brilho de 2008, não há dúvidas. Que o trabalho parece estar sofrendo o desgaste do fim do projeto Pequim 2008, também é evidente. Mas não consigo acreditar que a China passe zerada de novo em 2020; 2016 foi um ponto muito abaixo da curva. A equipe ainda é muito forte, com alguns ótimos talentos individuais.

20160221_140307Só para se ter uma ideia, no mundial de ginástica, ocorrido apenas 1 ano antes desses Jogos Olímpicos, a China conseguiu, nas mesmas provas disputadas nos Jogos Olímpicos, 2 ouros e 4 pratas.

Outro ponto a se verificar são os saltos ornamentais: eles distribuem 8 medalhas. A China domina esse esporte há muito tempo, mas será que ela consegue continuar repetindo o desempenho de ganhar sempre 6 ou 7 desses 8 ouros? Ela vem conseguindo fazer isso há quase duas décadas, mas é difícil continuar nesse nível eternamente. Em algum momento ela deverá cair.

Finalizando as super potências olímpicas, em 4º aparece a polêmica Russia com 19 ouros e 56 medalhas no total.

Mesmo com todas as polêmicas, a equipe inteira de atletismo excluída e mais vários outros fortes atletas em diversos esportes excluídos por causa do mega escândalo de doping, a Russia superou as expectativas e conseguiu 19 ouros, apenas 3 a menos do que em Londres.

Detalhe, o atletismo russo em Londres havia conseguido 6 ouros. Ou seja, tirando o atletismo da conta, a Russia, mesmo com toda essa baixa em sua delegação ainda angariou 3 ouros a mais do que em 2012.

Como isso? Graças à esgrima. A esgrima russa teve um desempenho excepcional aqui no Rio e conseguiu 4 dos 10 ouros oferecidos por esse esporte, além de 1 prata e 2 bronzes. Como comparação, em 2012 foram apenas 2 pratas e 1 bronze.

Enquanto isso a Itália e a França, as duas grandes potências da esgrima, somadas, tiveram apenas 2 ouros e 7 medalhas.

Também não podemos perder de vista que a Rússia tem grande tradição em esportes que passaram ao largo do escândalo de doping, como luta olímpica, ginástica, nado sincronizado. Só nesses três esportes, o país conquistou 9 de seus ouros, o que somado com os 4 excepcionais da esgrima, formam a base de seu forte desempenho nessa edição dos Jogos Olímpicos.

É difícil projetar o futuro do esporte russo, já que não sabemos quais serão as consequências de todo esse escândalo de doping que ainda não acabou; mas não esperem uma saída da Rússia do grupo de super potências, justamente pelo fato de que a grande base deles está em esportes que não estão enfrentando problemas de doping. Talvez a única exceção seja a luta olímpica que vez ou outra tem uma medalha cassada por doping; mas até agora nada foi encontrado contra eles.

Amanhã serão abordados as seis nações que completaram o top 10, com especial atenção para o Japão, a Alemanha e a Austrália.

Imagens: Ouro de Tolo

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3 Replies to “As medalhas da Rio 2016: Parte II – Grã-Bretanha, China e a Rússia”

  1. Bastante didáticas e elaboradas, as análises. Mesmo nos grandes portais e jornais, não encontrei algo nesse nível.

  2. Muito bom! E um ponto sobre a Grã-Bretanha; eles ganharam ouros inesperados (hóquei feminino, p.ex.) e tiveram uns fracassos com os quais eles não contavam, como o Tom Daley nos saltos ornamentais. Moleque foi líder na classificatória e depois afundou na final.

    1. Expedito,

      Essas casualidades de perder um ouro certo aqui e ganhar outro inesperado ali não ocorrem apenas com o Brasil, ocorre com todos. Isso é normal e em um contexto geral não influencia.

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