Após analisar o desempenho brasileiro, essa coluna estudará com afinco o quadro de medalhas da Rio 2016.

Antes de começar, reitero que a análise se baseará principalmente no método da quantidade de medalhas de ouro conquistadas, como é o padrão na divulgação histórica dos Jogos Olímpicos. Esse modelo, como qualquer outro, tem deformações e imprecisões, como discutido em coluna passada, mas é o mais usado e aceito há muito tempo.

Por vários motivos, entre eles o explanado acima, o COI não oficializa qualquer tipo de classificação do desempenho dos países.

De forma geral, tivemos um quadro de medalhas bastante pulverizado, especialmente na quantidade de ouros. Para evidenciar tal fato houve a enorme quantidade de 9 países que conseguiram a 1ª medalha de ouro da história na Rio 2016. É uma quantidade bastante atípica. Como comparação, em Londres apenas 1 estreou entre os medalhistas dourados e em Pequim apenas 3.

20160809_185842Obs: de forma extraoficial, na prática, foram 10 países que entraram na “lista dourada”, mas há um problema político-esportivo nesse 10º país: o Kuwait está suspenso do COI por uma interferência do governo no comitê olímpico local.

De fato, é uma briga entre primos da família governante, e por isso os atletas kuwaitianos competiram sob a bandeira do COI com a denominação “atletas olímpicos independentes”. Nessa condição, Fehaid Al-Deehani foi o 1º “atleta olímpico independente” da história a ganhar a medalha de ouro. Também seria a 1ª medalha de ouro do Kuwait caso ele estivesse competindo pelo seu país.

Logo, muitas potências olímpicas sofreram com um desempenho abaixo do esperado. Esses países perderam em torno de 10 ouros em relação a Londres, que junto com os 7 ouros a mais oferecidos no Rio foram redistribuídos na parte de baixo do quadro.

20160806_180045Assim, se em Londres tivemos 7 países com mais de dez ouros; no Rio só tivemos 6, com um sétimo país com exatos dez ouros.

Mas, se em Londres tivemos apenas 12 países com sete ouros, no Rio foram 14; já mostrando a maior competitividade no fim do top 10 e no top 20. Em Londres, 54 países ganharam ao menos um ouro; já no Rio tivemos o número recorde de 58 países com pelo menos um ouro, ou 59, com a observação acima.

Após essa visão geral, abaixo começa uma análise individualizada de alguns dos principais países, começando hoje pelo país que indubitavelmente liderou o quadro de medalhas, os Estados Unidos novamente.

Na Rio 2016 os Estados Unidos repetiram a impressionante marca de 46 ouros obtidas em Londres e ainda ganharam 16 medalhas a mais do que há 4 anos, totalizando 121. Diferente de 2008 e 2012, quando ainda tiveram alguma concorrência da China, especialmente em ouros, na Rio 2016 os americanos voltaram a reinar absolutos na ponta do quadro. Foram nada menos que 19 ouros e enormes 51 medalhas a mais do que qualquer outro. Como já escreveu o Cassius, um desempenho superior ao já assustador desempenho de Londres.

20160815_201900Porém, contrariando os números, eu digo que o desempenho americano foi apenas o esperado, especialmente se levarmos em consideração apenas o número de ouros.

Mas a projeção que se fazia para os Estados Unidos não eram de 45 medalhas?  Os Estados Unidos conseguiram até uma medalha a mais do que a projeção, então qual o problema?

Os americanos sempre dominaram o quadro de medalhas porque eles carregam uma quantidade enorme de ouros no atletismo e na natação; especialmente nessa última, que são justamente os dois esportes que mais distribuem medalhas nos Jogos Olímpicos, de forma que nenhum outro país sequer consegue chegar perto.

Em Londres, foram nada menos que 9 ouros do atletismo e absurdos 16 ouros da natação. Ou seja, mais da metade dos ouros americanos veio apenas desses dois esportes, o que mostra como eles são a mola propulsora do desempenho olímpico americano.

20160808_223304Esses 16 ouros da natação em Londres representam quase metade dos 34 ouros distribuídos no esporte. Uma marca totalmente absurda que só foi conseguida graças a derrocada australiana em Londres.

Só que, apesar da ligeiríssima melhora da Austrália na natação – como veremos quarta-feira, a China caiu bastante em relação a Londres e os Estados Unidos conseguiram repetir na Rio 2016 esse incrível feito de obter 16 ouros na natação. Quando a projeção de 45 ouros foi feita, se esperava não mais do que 10 ou 12 deles vindo da natação porque se contabilizava uns 8 da Austrália, quando só 3 foram obtidos.

A outra mola propulsora, o atletismo americano, melhorou consideravelmente a performance de Londres e saltou de 9 ouros para 13 ouros. A ginástica, graças ao fenômeno Biles, ganhou 4 ouros, um a mais do que em Londres. O ciclismo, graças ao BMX, também ganhou 2 ouros, 1 a mais do que Londres e o triatlo ganhou um ouro que seria improvável alguns anos atrás.

Então por que os Estados Unidos “apenas” repetiram a performance de ouros de 2012? Porque nenhum outro esporte além desses citados melhorou sua performance e esses 19 esportes somados perderam 6 ouros.

20160816_191852Ou seja, após o novo show da natação e do atletismo americano era para os americanos terem assombrado o mundo e chegado a marca dos 50 ouros, mas não chegaram. Por isso, os Estados Unidos ao final deixaram em mim a sensação de que ficaram devendo; quem salvou os EUA de uma queda forte no quadro foi a natação.

Para finalizar os Estados Unidos, percebam que a dependência da natação e do atletismo aumentou ainda mais em relação aos já grandes números vistos em Londres. Se em 2012 esses dois esportes sozinhos já foram responsáveis por 54% dos ouros americanos, aqui no Rio essa porcentagem aumentou para impressionantes 63%. Se eu retiro o atletismo e a natação do quadro, os Estados Unidos ficariam só em 4º lugar em número de ouros, atrás de Grã-Bretanha, China e Russia.

Amanhã serão abordadas as outras três superpotências olímpicas da atualidade: China, Grã-Bretanha e Rússia.

Imagens: Ouro de Tolo

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2 Replies to “As Medalhas da Rio 2016: Parte I – Visão Geral e os EUA”

  1. Muito interessante a análise.
    Tenho curiosidade para um olhar sobre o desempenho dos países com medalhas esparsas de ouro (uma, duas).
    Ate que ponto estes resultados vêm de atletas cujas bases de treinamento ficam em potências olímpicas? E seguindo esta tese o quanto que a globalização, que também já alcança a esfera esportiva olímpica é o fator que impulsiona a pulverização de medalhas e a entrada de novos países no rol de vencedores

    1. Ermindo,

      Quanto a 1ª pergunta, não tenho uma resposta exata, pois a análise se concentrou em países com 3 ouros ou mais; mais pelos conhecimentos que tenho posso dizer que uma quantidade considerável desses medalhistas treinam, ou ao menos frequentam bastante competições, em potência olímpica.

      A 2ª pergunta pergunta é bem mais fácil: a Globalização, junto com a profissionalização dos esportes olímpicos e os programas de ajuda do COI e das federações internacionais a países menos desenvolvidos são os três grandes fatores que impulsionaram essa pulverização e a entrada dos novos países no rol de medalhistas.

      Antes, qualquer viagem de avião e qualquer hospedagem eram muito caros, de forma que a mobilidade humana era bem reduzida. Então, se existisse um talento em um local sem tradição no esporte, não havia como trazer treinadores estrangeiros para lapidar esse talento, nem havia dinheiro para enviá-lo a esses treinadores; ainda mais porque com a proibição da profissionalização esse dinheiro tinha que ser da sua própria conta bancária e não havia como se ganhar dinheiro com o esporte sob pena de ser excluído dos Jogos Olímpicos.

      Da mesma forma, não havia como esses atletas viajarem para competir competições fortes em locais e com atletas mais fortes e de locais de mais tradição. Essas competições também são fundamentais para a formação do atleta e isso era quase impossível. Hoje dá para se pechinchar uma passagem de 2 ou 3 mil dólares até para o Japão e se preciso se dorme em um hostel bem barato para se manter durante a competição.

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